O Gambito Muzio e outras anedotas sobre Lasker

PorAntónio Monteiro,1 jul 2019 8:20

Há dias terei sonhado com o Gambito Muzio, pois mesmo depois de ter feito a toilette e tomado o pequeno-almoço o tal Gambito não me saía da cabeça.

Por exclusão de partes, acabei por atribuir essa ideia estapafúrdia a alguns vídeos que tinha visionado nesses dias na coluna do brasileiro Rafael Leite sobre os campeões mundiais de xadrez. Ao apresentar as partidas de Emmanuel Lasker contou duas anedotas sobre o segundo campeão do mundo que ele garante ter lido no livro A Minha Aventura no Xadrez da autoria do referido jogador alemão, livro que lhe terá sido oferecido pelo pai de um seu amigo de infância. Desconfiei da história uma vez que tinha lido todos os livros de Lasker e nenhum deles tinha esse título. Fui consultar e fiquei a saber que o livro existe de facto, mas o seu autor não é o campeão Emmanuel Lasker, senão um outro Lasker, esse de nome Edward, nascido na Polónia (Kępno, 3 de Dezembro de 1885 — Nova Iorque, 25 de Março de 1981) e naturalizado cidadão norte-americano. O título original é The Adventure of Chess e a tradução brasileira chama-se A Aventura do Xadrez. Portanto, uma espécie de história do xadrez e não a aventura particular de Emmanuel Lasker sugerido pelo pronome possessivo Minha. Pude também confirmar que uma das anedotas relatadas por Rafael Leite é atribuída numa outra publicação ao jogador mexicano Carlos Torre que chegou a vencer Emamanuel Lasker numa das partidas mais memoráveis da história do xadrez. Vejamos a versão mexicana. Conta-se que um estrangeiro chegou a um clube de xadrez perguntando quem era o melhor jogador do local. Disseram-lhe que era um velhinho, apontando para Carlos Torre. Jogaram uma partida e Torre deixou que seu adversário ganhasse. “Creio que perdi porque minha dama me atrapalhou durante toda a partida. Vou jogar sem ela”, disse Torre. E assim jogaram, e Torre ganhou todas as partidas seguintes, depois do que o seu adversário foi-se embora convencido de que era melhor jogar sem a dama.

Agora a mesma história contada por Rafael Leite. Não sei qual das histórias é a verdadeira, mas devo dizer que aprecio de longe esta do Rafa Leite, que transcrevo no seu sonoro português do Brasil. Começa assim. “Está no livro do Lasker Minha Aventura no Xadrez ele conta uma história muito bacana: ele estava ali num cruzeiro e havia um cavalheiro, mexendo as peças, jogando xadrez e o Lasker se aproximou e ele perguntou. ‘Então o senhor joga xadrez?’ E o Lasker respondeu ‘olhe, já joguei, mas faz muito tempo’. E o cara disse, ‘então senta aí, vãos jogar umas partidas. Mas para ficar justo, para não ficar desequilibrado vou-te dar uma dama de vantagem, Tá bão? Olha vou jogar sem a dama’. Então o Laker falou, ‘vamos lá’. E lá foi o cavalheiro jogar sem a dama contra o Lasker. E o Lasker perdeu de propósito a primeira partida. Aí o cara disse, ‘tudo bem, eu vou jogar de novo sem a dama e se você vencer aí em vez da dama tiro uma torre e se você vencer de novo em vez da torre tiro um bispo e assim por diante’. E o Lasker falou, tá bom né. E o Lasker perdeu de novo a partida e a segunda e a terceira e isso com o cavalheiro jogando sem a dama. Aí Lasker falou para o cavalheiro o seguinte: ‘olha cara, estou achando que jogar sem a dama é uma grande vantagem no xadrez’. Aí o cara riu e falou ‘isso é tolice e seria um absurdo’. E o Lasker falou ‘não, eu insisto que jogar sem dama deve ser uma vantagem e quero jogar com você sem a dama’. O cavalheiro achou aquilo meu estranho, mas disse ‘já que você insiste, vamos lá’. Aí o Laker foi e venceu. O cavalheiro disse ‘olha, deve ter sido um golpe de sorte, não estou entendendo o que está acontecendo. Então vamos lá jogar uma de igual para igual sem esse negócio de dama a mais’. Aí o Lasker falou ‘não, eu insisto. Eu jogo sem a dama novamente’. O cara falou ‘tá bão’ e o Laker voltou a vencer sem a dama. Aí o Lasker levantou-se e foi-se embora sem se ter identificado. Mais para a frente o cavalheiro ficou muito furioso quando foi consultar a lista dos nomes dos passageiros e viu aí que estava Emmanuel Lasker, Campeão do Mundo de Xadrez”. Uma história muito bacana, comenta Rafael Leite.

Não resisto de contar o segundo episódio relatado por Rafael Leite no seu canal. “Certa vez Lasker entrou num bar com um amigo e encontraram lá um senhor jogando xadrez por dinheiro. Ele jogava com as peças brancas o Gambito Muzio, uma variante brutal do Gambito do Rei em que as brancas, além do peão f4, oferecem também o Cavalo do Rei logo no quinto lance. E este senhor jogava o Gambito Muzio sem o Cavalo da Dama. Ou seja, além de deixar o adversário capturar o Cavalo do Rei no quinta lance, ele jogava também sem o Cavalo da Dama. E este senhor estava ganhando de todo o mundo, jogando e ganhando dinheiro. Então o Lasker viu aquilo, encostou-se ao seu amigo e falou ‘o que é aquilo aí? E o amigo respondeu ‘esse cara aí diz que ganha de qualquer pessoa jogando o Gambito Muzio e ainda dando aí o Cavalo da Dama de vantagem’. Então o Lasker foi lá e jogou contra aquele cavalheiro. Ele perdeu umas duas partidas. Aí o Lasker falou ‘poxa, isso aí parece bastante forte. Eu quero agora jogar contra você o Gambito Muzio sem o Cavalo da Dama’. O cara deu uma grande risada e disse ‘poxa, com tudo o que eu te dei você não ganhou nenhuma partida e quer agora jogar sem dois cavalos! Vamos lá, vamos embora’. Lá foi o Lasker sem se identificar e ganhou uma e ganhou duas e ganhou três e realmente ganhou muito dinheiro daquele jogador. No final das partidas, quando o caro já estava totalmente destruído e repelado, ele perguntou para o Lasker, ‘o que é que aconteceu. Quem é você, o que você fez…. Aqui damos a história por concluída, aliás interrompida. O desfecho será matéria para uma futura crónica.

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 917 de 26 de Junho de 2019. 

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Autoria:António Monteiro,1 jul 2019 8:20

Editado porDulcina Mendes  em  28 mar 2020 23:21

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