A psicologia do erro

PorAntónio Monteiro,1 set 2019 7:17

​Já vimos nesta página que, em princípio, todo o xadrezista comete erros, embora por razões diferentes. Por exemplo, entre principiantes, é a falta de informação e a deficiente técnica a causa de tais desagradáveis deslizes.

Entre mestres, com igual ou equilibrada força, a base do erro, na maioria dos casos, tem carácter psicológico. Tratamos também o princípio da pedra esquecida, uma espécie de blackout momentâneo, durante o qual apagam-se da mente as peças colocadas longe do sector em que se desenrolam as operações – claro, para desespero e prejuízo de uma das partes que perde a peça esquecida. A jogada natural. Esta é a fonte de outro erro psicológico. “Jamais devemos ceder ao aparente encanto das jogadas naturais”, advertia no seu tempo o campeão mundial Alexander Alekhine. Todos os manuais de xadrez chamam a atenção para o perigo das jogadas que saltam à vista, embora os praticantes de diferentes níveis capturem ou defendem mecanicamente peças atacadas, esquecendo-se que às vezes estas jogadas podem conduzir ao colapso, ou que outras melhores e ganhadoras existiam. O perigo do êxito. O desejo de ganhar em linha recta uma partida ganha pode provocar um inesperado desastre. Quantas vezes, mesmo entre jogadores experimentados, depois de se ter logrado uma superioridade posicional ou material, relaxa-se irresponsavelmente a atenção e leva-se em pouca conta as ameaças do adversário – para quê esforçar mais se a partida já está ganha? Nestes casos, a vantagem obtida converte-se num estímulo psicológico negativo e o xadrezista deixa escapar a vitória. Para consolo dos apanhados: este erro é cometido no ténis, no futebol e outros desportos com airosa estupidez. A confusão de ideias. Costuma ocorrer que em determinadas posições tem-se à escolha dois planos distintos de jogo. Em tal caso, qual burro entre dois fardos de palha equidistantes e igualmente apetecíveis, acaba por morrer à fome por não conseguir decidir qual deles devia comer, o pior que pode acontecer é querer levar a cabo ambos os planos. Resulta numa tal confusão de ideias, que não se chega a implementar nenhum dos planos, ou o que é pior, ficar pelo meio. Entretanto, dito seja que a não ter nenhum plano preferível é ter dois, ou mais. Segundo os estudiosos, este tipo de erro tem como origem a instabilidade da atenção. Ela manifesta-se quando o pensamento passa de um lado a outro da posição sem a continuidade lógica necessária para chegar a uma conclusão útil. Por conseguinte, os planos entrelaçam-se e realizam-se desacertadamente. Até este momento apresentamos alguns erros que têm um denominador comum: todos eles provêm de uma insuficiente disciplina interna do jogador, ou dito de outro modo, de uma incompleta ou inadequada organização do processo intelectual mediante a qual o jogador põe em prática seus conhecimentos. Bom, perguntará o leitor, como combater ou reduzir erros do tipo? Mas isso será matéria da uma próxima reflexão sobre a psicologia do erro.

Análise da semana:

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Smyslow – Rudakowski

Moscovo, 1945

1.Bg5! Um método típico e simples: as brancas trocam o Cavalo, a única peça que defende a casa d5.

1....Tfe8? Ao permitirem a troca do Cavalo pelo Bispo branco, as pretas ficam estrategicamente perdidas, pois a casa d5 e o peão d6 são fraquezas de longa duração. Ou seja, só podem ser superadas com meios dinâmicos, por exemplo, através de sacrifícios.

2.Bxf6 Bxf6 3.Cd5! + A ocupação da casa d5 dá às brancas uma vantagem decisiva. As pretas estão condenadas a uma defesa passiva. 3....Bd8

4.c3 b5 5.b3 Dc5+ 6.Rh1 Tc8 7.Tf3!? Rh8

8.f6! gxf6

9.Dh4 Tg8 10.Cxf6 Tg7 11.Tg3 Bxf6 12.Dxf6 Tcg8 13.Td1 d5 14.Txg7. “Rudakowski, c,est fini”, exclamará o leitor. O curioso é que tudo parece fácil, mas não é. É, de facto, o virtuosismo de Symslov que nos deixa a ilusória impressão que a exploração deste tema é mais fácil que comer uma pêra doce 1-0.

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 926 de 28 de Agosto de 2019. 

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Autoria:António Monteiro,1 set 2019 7:17

Editado porSara Almeida  em  1 set 2019 9:00

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