Passemos então a conhecer mais de perto esses elementos, à mão de uma ilustração paradigmática. Foi disputada, em Moscovo, em 1945, entre o ex-campeão mundial Vassily Smyslow e Rudakowski.
Vassily Smyslow, sétimo campeão do mundo de xadrez, faleceu na sua cidade natal, Moscovo, a 26 de Março de 2010, dois dias depois de completar 89 anos. Ainda que o seu reinado tenha sido um dos mais breves – ostentou o título durante um ano – foi o melhor jogador do mundo durante os meados de 50, e é considerado um dos pilares da escola soviética, que dominaria este desporto durante várias décadas.
Dotado de um virtuosismo técnico extraordinário, Kasparov disse que suas partidas exibiam “uma harmonia quase poética”.
Devido à sua grande intuição, Spassky apelidava-lhe de “A Mão”, já que, segundo ele, “Smyslov não precisa utilizar a cabeça para decidir a maioria de suas jogadas; sua mão encontra por si mesma a situação ideal para cada peça”. “Eu farei quarenta jogadas boas, e, se fores capaz de fazer o mesmo, a partida finalizará em empate”, resumia o próprio Smyslow, numa afirmação que proferida por qualquer outro teria soado pretensiosa, mas que aplicada a ele era rigorosamente verdadeira.
Disputou três campeonatos do mundo frente ao mesmo rival, Mikhail Botvinik. O primeiro, em 1954, terminou empatado, o que permitiu a Botvinik reter o título. O segundo, em 1957, venceu de forma convincente, sagrando-se campeão.
O terceiro, um ano depois, foi o match-revanche que perdeu a favor de Botvinik, e no qual um Smyslow com problemas de saúde se viu claramente superado. Durante essa época os dois rivais disputaram um total de 98 partidas oficiais, um registo que só seria superado nos anos 80 por Kasparov e Karpov. “Tenho a sensação de ter passado meia vida jogando com ele, o que, ainda que esgotante, foi um privilégio, porque Botvinik era o melhor adversário possível na minha época”, declarou Vassily anos depois.
Smyslow – Rudakowski
Moscovo, 1945
1.Bg5! Um método típico e simples: as brancas trocam o Cavalo, a única peça que defende a casa d5. 1....Tfe8? Ao permitirem a troca do Cavalo pelo Bispo branco, as pretas ficam estrategicamente perdidas, pois a casa d5 e o peão d6 são fraquezas de longa duração. Ou seja, só podem ser superadas com meios dinâmicos, por exemplo, através de sacrifícios.
2.Bxf6 Bxf6 3.Cd5! A ocupação da casa d5 dá às brancas uma vantagem decisiva.
As pretas estão condenadas a uma defesa passiva. 3....Bd8
[3....Dxc2 4.Tf2 Dc5 5.Tc1 Dd4 6.Sc7 ]
4.c3 b5 5.b3 Dc5+ 6.Rh1 Tc8 7.Tf3!? Rh8
[7....f6!?]
8.f6! gxf6
[8....Lxf6 9.Sxf6 gxf6 10.Dh4 Tg8 11.Dxf6+ Tg7 12.Tg3 Tcg8 13.Td1 Conduz à mesma posição desta partida]
9.Dh4 Tg8 10.Cxf6 Tg7 11.Tg3 Bxf6 12.Dxf6 Tcg8 13.Td1 d5 14.Txg7. “Rudakowski, c,est fini”, exclamará o leitor. O curioso é que tudo parece fácil, mas não é. É, de facto, o virtuosismo de Symslow que nos deixa a ilusória impressão que a exploração deste tema é mais fácil que comer uma pêra 1-0.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 955 de 25 de Março de 2020.