Os peões do Éder(II)

PorÉder Pereira,3 mai 2020 11:24

Segunda e última parte da crónica iniciada na semana passada com comentários à partida de xadrez às cegas jogada entre mim e o ex-campeão juvenil da ilha do Sal, Marcelo Reis, no Polidesportivo dos Espargos.

Meu adversário era o campeão juvenil local, e para esta partida escolhi iniciar com o peão de Dama para evitar as aberturas abertas e fugir ao máximo de complicações tácticas que poderiam ser difíceis de calcular estando eu a jogar às cegas.

1.d4 d5 2.c4 Be6 (aqui, embora tenha a sua lógica, pois se capturo em d5, segue-se Bxd5 e este Bispo controlará duas diagonais, colocando pressão no flanco do Rei. O problema é 4.Cc3, pois se se deixa aí o Bispo, jogaria de seguida e4, e se recua, jogaria d5, ganhando tempo e espaço.) 3.Db3 (atacando o ponto b7, embora se dxc4, Dxb7, viria Bd5! Ganhando um tempo e deixando a Dama sem boas casas de recuo. Melhor seria3.Cc3, seguido de d5 e e4 caso as negras capturarem em c4) b6 4.e3 dxc4 5.Bxc4 Bxc4 6.Dxc4 (as pretas cedem a coluna C) e6 7.Cf3 Ce7 (melhor seria 7...Cf6, desenvolvendo este cavalo a partir de onde actuará no centro. Com 7...Ce7, obstrui-se o Bispo de f8) 8.Cc3 g6 9.Db5+ (quando percebi que as negras iriam fazer fianchetto sem o Cavalo em f6 para defender o roque, veio-me à mente a ideia de passar a Dama para este flanco via b5-g5 e g3 e h4 respectivamente, podendo prosseguir com Cg5 , Ph4-h5) Cec6 (Erro. Cbc6 ou Dd7 teriam sido melhor) 10.Bd2 Be7 (talvez com a ideia de impedir que o Cavalo branco ocupe a casa g5 no futuro.

Mas quando se joga previamente g6, deve-se continuar colocando Bispo em g7. Faz mais sentido.) 11.Tc1 O-O 12.O-O Dd7 13.Tfd1 a6 14.Dd3 Bf6 (aqui estava à espera de 14...Cb4, pelo que iria responder com De4 atacando a Torre, seguido de Dg4, independentemente da resposta) 15.Ce4 De7 16.a3 Cd7 (descuido! Deixou o Cavalo de borla) 17.Rxc6 Cb8 18.Tc2 Td8 19.Cxf6+ (seguindo a teoria da simplificação de Capablanca, visto que tenho peça a mais. Também foi uma forma de desviar a Dama da defesa da casa c7) Dxf6 20.Txc7 Td6 21.Tdc1 (actuando na tal coluna C que as pretas cederam no início da partida e ameaçando entrar na oitava ou dobrar torres na sétima fila.) Dd8 (Incoerência! Agora a perda desta peça é irreversível após Tc8) 22.Tc8 Ta7 ( bom lance agora das negras, impedindo que a Torre de c1 penetre na sétima) 23.Txd8+ Txd8 24.Tc3 b5 25.Dc2 (outra vez a mesma técnica de bateria para dominar a coluna C e penetrar na retaguarda do campo inimigo) Te7 26.Tc8 Tee8 27.Txd8 Txd8 28.Dc7 Te8 29.Ce5 Tf8 (lance forçado para não perder a Torre após Dxf7+) 30.Bb4 (com este lance lembro-me de ter feito uma piada dizendo ‘’tás complicado, meu amigo’’, e ouviu-se risos do público. Foi a forma de quebrar um pouco a tensão na sala que estava em total silêncio. Mas aqui antes deste lance, já ‘’via’’ ameaças de mate, perda da Torre, e do Cavalo preto, em poucos lances. Obviamente que sabia que a Torre teria de se mexer visto que fui eu que o provoquei com Bb4, se ficasse em f8, sucederia Bxf8, cortando a casa de fuga do Rei em g7 e depois de Dxf7, era mate inevitável. Um lance desesperado com 100% de malícia, foi o lance que previ e que meu oponente acabou por fazer.

Assim como na vida, aquele que está sendo oprimido tentará encontrar uma forma brusca de o golpear, também no xadrez o adversário em grande desvantagem procurará sempre golpes táticos e muitas vezes de mate! Marcelo Reis, jogou timidamente a Torre para c8, colocando-a à frente da Dama branca, na esperança que eu retirasse a Dama da coluna C, por forma a dar-me um Back Rank Checkmate) Tc8 (claro que podia tomar a Torre numa boa e se calhar até o Cavalo e depois ir dar mate tranquilamente. Mas pensei: sei que o meu oponente quer dar mate na oitava, mas tenho uma sequência de mate e vou ignorar esta ameaça. Ou ainda posso jogar Dxf7+ seguido de Df6+ e Dxe6+, e depois capturar a Torre num bom estilo, enterrando a única esperança do exército negro. Então, formulando tudo isso, segui com a minha sequência de mate que havia vislumbrado) 31.Dxf7+ Rh8 32.Df6+ Rg8 33.Cf7 (aqui, quando anunciei Cf7, disse ‘’xeque! ’’e logo comecei a escutar murmúrios. ‘’Xeque?’’ indagaram os presentes,‘ “não há nenhum xeque com Cf7!’’. E logo percebi que tinha cometido um lapso fatal que me custou uma partida que jamais entraria para a história de uma forma positiva. A confusão ocorreu porque ‘’vi’’ que o Rei ainda permanecia em h8 após segundo xeque em f6, pois se ali estivesse de facto, o Cavalo dava sim xeque em f7, o Rei ver-se-ia forçado a jogar para g8, e seguindo com Ch6+ à descoberto, a única casa livre seria f8, pelo que sucederia Df7 com xeque-mate, e ver-se-ia que a Torre jamais teria tempo de penetrar em c1). Tc1+ 0-1.

Nesta posição, após o sacrifício do Bispo b4 para e1, os peões de f2, g2 e h2 ficariam petrificados à frente do seu monarca sem poderem fazer nada. Os famosos e, posteriormente apelidados pela comunidade xadrezista Salense, de ‘’Peões do Éder’’.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 961 de 29 de Abril de 2020.

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Autoria:Éder Pereira,3 mai 2020 11:24

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  3 mai 2020 11:24

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