Ding Liren

PorFrancisco Carapinha,17 jul 2023 9:39

Presidente da Federação Cabo-verdiana de Xadrez
Presidente da Federação Cabo-verdiana de Xadrez

​Já remontam a 1972 as minhas primeiras lembranças de um Match para disputa do título de Campeão Mundial de Xadrez.

Nessa altura, pouco ou nada percebendo de xadrez, achava muito interessante as explicações, do qual nada entendia, dadas na televisão por um senhor bem vestido, dando-nos conta de como tinha decorrido a partida desse dia.

Em Reiquiavique, capital da Islândia, 2 senhores, um já com alguma idade (o soviético Boris Spassky) e outro muito jovem (o americano Bobby Fischer), disputavam, no tabuleiro, o título de Campeão do Mundo de Xadrez enquanto, fora do tabuleiro, em período de plena Guerra Fria, disputava-se uma interessante batalha política.

Fiquei com o gostinho pelo jogo e acabei por aprender a jogá-lo. Mas, só em 1978 é que vim a acompanhar outro match para o título Mundial, aí já compreendendo as explicações e com grande interesse pelo que se ia passando em Baguio nas Filipinas.

O senhor das explicações da televisão era o mesmo, mas os contendores eram outros. De um lado o soviético Anatoly Karpov e do outro lado o dissidente Viktor Korchnoi que disputou as competições do ciclo do campeonato mundial sem a bandeira de um Estado em vitude de ter abandonado a URSS. Este facto, ainda no tempo da Guerra Fria, adicionou ao Match, novamente, um ingrediente político, com os soviéticos a clamarem vitória contra um desertor.

Esse match vivi-o intensamente, pois foi numa altura em que estava a dar os primeiros passos no xadrez e me interessava por tudo o que dizia respeito à modalidade.
Durante o período em que decorreu esse match, fui disputar, no Estádio da Luz, as 24 Horas de Xadrez do Benfica e como não pude assistir às explicações na televisão, tal como os outros que estavam nessa competição, o senhor da televisão deslocou-se ao local onde competíamos e apresentou, em directo e ao vivo, os comentários que poucas horas antes tinha feito na TV. E foi assim que conheci o Senhor da televisão, o Mestre João Cordovil.

A partir deste match de 1981, já sem os comentários na televisão, com maior ou menor fervor lá fui acompanhando os confrontos que se iam disputando pelo título máximo do Xadrez Mundial, até chegar à época de Magnus Carlsen.

A partir da conquista do primeiro título, em 2013, pelo jovem norueguês, praticamente todos os matches seguintes, segui-os com menor interesse, pois à partida parecia-me que Carlsen iria “trucidar” todos os seus desafiantes.

E, se assim não foi, foi parecido.

Carlsen, já ele próprio enfadado por ganhar tanto e sem desafiante à altura, já pentacampeão, acabou por vir dizer não estar “motivado” para defender seu título e por isso, ficamos com a certeza que em 2023 teríamos novo campeão do Mundo de Xadrez.

A “desistência” do número um do mundo, veio revelar-nos que o título de 2023 seria disputado pelo russo Ian Nepomniachtchi e pelo chinês Ding Liren.

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Quando tomei conhecimento dos nomes dos jogadores que iam disputar este título de 2023, tomei logo partido pelo jogador chinês.

Não tive dúvidas que seria por ele que ia “torcer” durante a disputa do match. Não sei se pela humildade que aparenta ter, se pelos amigos que tenho na federação chinesa, ou se até pelo facto que presenciei em 2018, em Batumi, o certo é que, para mim, Liren era o vencedor que eu gostaria de ver coroado.
O facto que presenciei, e passo a contar, aconteceu na Olimpíada de Batumi, onde Liren foi o 1.º tabuleiro da equipa vitoriosa: a selecção do seu país.

Ding Liren, jogou toda essa Olimpíada de 2018 de muletas, pois ainda não tinha recuperado completamente de um acidente de bicicleta que teve durante o torneio de Stavanger, no final de Maio desse ano.

Na altura de subir ao lugar mais alto do pódio, Liren teve se ser ajudado em virtude da sua condição fisica.

Já no pódio, e para poder comemorar com a restante equipa, alguém lhe segurou as muletas enquanto ele se associava a essas comemorações.

O problema foi no fim: desceram todos do pódio e foram saindo do palco, esquecendo-se de Ding Liren, que sozinho, no lugar mais alto do pódio, clamava pela ajuda de alguma alma caridosa que lhe fosse levar as muletas e ajudá-lo a descer.

Felizmente, alguém deu pela falta do jovem chinês e ele lá foi ajudado a descer. Na altura ri-me com este episódio, relembrando que já tinha passado por situações semelhantes.

Mas voltando ao match deste ano, mesmo quando o Liren esteve por baixo, acreditei sempre que ele seria o último a rir.

Depois de 14 jogos disputados ao longo de três semanas, o match continuava empatado, tendo Ding e Nepomniachtchi vencido três partidas cada um e empatado por oito vezes.

Para o desempate, cada jogador tinha apenas 25 minutos para fazer os seus lances, adicionados de mais 10 segundos para cada jogada jogada.

Foi mesmo no final que Ding conquistou a vitória ao vencer o quarto jogo de desempate, numa partida deveras emocionante.

Já com a vitória assegurada, Ding com a voz embargada pela emoção disse:

O momento em que Ian desistiu do jogo foi um momento muito emocionante. Não consegui controlar meus sentimentos. Eu me conheço, vou chorar e cair no choro. Foi um torneio difícil para mim.”

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1128 de 12 de Julho de 2023.

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Autoria:Francisco Carapinha,17 jul 2023 9:39

Editado porAndre Amaral  em  17 jul 2023 13:37

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