Para onde vão os cabo-verdianos quando viajam para fora? Os dados, num país concentrado em ser mercado turístico receptor, escasseiam. Mas há algumas conclusões. Os destinos preferidos parecem ser lugares de boa dinâmica comercial e (sem surpresa) os países de maior diáspora. Entretanto, há já, cada vez mais, gente a viajar simplesmente por lazer, sem outro motivo que não esse. Canárias e Fortaleza parecem ser as rotas preferidas, neste sentido.
“Luxemburgo, Portugal, Holanda, França”, são estes os países que Dulce já visitou fora de Cabo Verde. Em todos eles, sem excepção, tem familiares que a acolhem: mãe, irmãs, tias, primos, sobrinhos. Falta-lhe ainda ir aos EUA onde tem mais parentes, “do outro lado” da família. “Os bilhetes são mais caros, ainda não consegui ir”, justifica. E depois há a questão do visto. Já sabe bem como conseguir o visto de turista para solo europeu. Demorou anos a conseguir o primeiro, mas a partir daí foi mais fácil. Ainda não se informou sobre como entrar na Merka. “Mas hei-de lá ir. Tenho saudades dos meus familiares e quero conhecer o país”, garante.
Parece ser um facto generalizado. Os cabo-verdianos quando viajam ficam, por norma em casa de familiares. Aproveitam para fortalecer presencialmente os laços afectivos, aliviar a exiguidade das ilhas e passar bons momentos de lazer. Assim, mesmo não dando entrada em hotéis – uma das formas estatísticas preferidas para medir o fluxo – não deixam de ser turistas. Mais difíceis de “contabilizar”, é certo, mas parte desse fenómeno complexo e multifacetado que é o Turismo.
“Dificilmente um cabo-verdiano compra um pacote (viagem e estadia). Vai para onde tem parentes”, indica Maria Lima, directora da agência de viagens Orbitur.
“[Geralmente] vai para os países da diáspora, para onde tem família”, corrobora Bino Santos, director de marketing da Girassol Tours.
Essa visita a familiares alia-se a outros motivos, como o lazer, mas também à oportunidade de fazer consultas médicas, entre outros. Ou seja, até porque “o poder de compra é baixo”, acabam por se juntar vários motivos que justificam o custo da viagem.
Isto conclui-se pela percepção geral e em particular de quem lida com esta actividade. Não encontramos um documento estatístico institucional que compile, de facto, os motivos que levam os cabo-verdianos a viajar.
Entretanto, a nível internacional, o principal motivo apresentado pelos turistas para viajar nas suas férias, é o lazer. De acordo com o “Panorama do turismo 2015” da Organização Mundial de Turismo (OMT), mais de metade dos turistas internacionais (53%) do ano anterior assim o apontam; 14% “indicaram que viajavam por negócios ou motivos profissionais, enquanto 27% manifestou fazê-lo por outros motivos, como visitas a amigos e parentes, razões religiosas ou peregrinações, tratamentos de saúde e outros”. Não é explícito qual a percentagem que se refere apenas a visitas familiares. De qualquer forma, porém, são números que, face ao que se observa em Cabo Verde, não se acredita estarem muito adaptados à realidade nacional.
Um outro documento da OMT, circunscrito a África, salienta já que neste continente, e embora o principal motivo continue a ser o lazer (36%), seguido do turismo de negócios (25%), as visitas a familiares e amigos surgem já discriminadas e em terceiro lugar (20%). Provavelmente estamos aqui mais perto do nosso turismo “para fora”.
Shop, shop, shop
Por entre o fluxo de “fora para dentro”, há um fenómeno que qualquer pessoa que tente embarcar para Cabo Verde conhece. Quem viaja, regressa carregado. Atulhado. Assim, as compras são também um motivo a não desprezar quando se fala em destinos apelativos para os cabo-verdianos. Sejam compras para revenda, seja a título individual.
“Aproveito sempre para comprar coisas para mim, e trago sempre uma prenda para alguns familiares. Se não trouxer, ficam tristes, chateados mesmo”, conta Dulce.
O que os cabo-verdianos poupam quando ficam em casa de um familiar, não raras vezes é, assim, gasto depois em compras. Como em Cabo Verde as opções são poucas e, geralmente, comparativamente caras, a visita aos shoppings e zonas comerciais é quase obrigatória quando viajam.
Esta é uma observação, aliás, feita por todos os entrevistados, citados ou não, nesta reportagem.
Daí que a quantidade de bagagem que uma companhia permite – seja para os cabo-verdianos e residentes que vão fazer turismo fora, seja para os emigrantes e o nicho do turismo étnico -é um facto de enorme peso na escolha da mesma, talvez só suplantado pelo preço da viagem em si.
Veja-se por exemplo o caso da Royal Air Maroc, que apesar de “obrigar” a uma escala em Casablanca tem vindo a afirmar-se contra a TACV e a TAP, as companhias mais utilizadas pelos cabo-verdianos, para destinos europeus. Isto porque permite três volumes de bagagem, contra dois da companhia portuguesa e um da companhia de bandeira.
Há inclusive quem, além dos habituais produtos para si e para os seus familiares e amigos, traga mais uns quantos e aproveite para fazer umas vendas informais e pontuais. E claro, quem faça disso um negócio regular, deslocando-se várias vezes ao exterior com o motivo principal de fazer comércio.
Turismo de “comércio”
Na realidade quem mais viaja para o exterior, em Cabo Verde, de acordo com a experiência de 27 anos de Maria Lima são: as rabidantes e os funcionários do Estado.
Os últimos fazem-no por motivos profissionais, ou seja, enquadrados no chamado turismo profissional e de negócios. Aliás, as primeiras também.
Para estas, um dos destinos que se tornou mais populares, de acordo com as agências contactadas, foi Fortaleza, no Brasil.
“Era um destino de comércio e muitas rabidantes iam fazer compras aí. Actualmente está um bocado saturado, querem descobrir novas rotas”, observa Bino Santos, da Girassol Tours, para quem a recém-criada rota do Recife vem no sentido de
abrir novas oportunidades de negócio. “É no Recife que se fabricam muitos dos materiais que são vendidos em Fortaleza. Já é uma alternativa para elas”, diz.
Maria Lima, por seu lado, salienta que na Orbitur a procura para o Recife é ainda muito baixa.
Talvez isso se deva ao facto de ser uma nova rota. Talvez. É que os cabo-verdianos, em geral (não só as rabidantes), além de basearem, por razões óbvias, as suas escolhas na oferta disponível a nível aéreo, também preferem viajar para destinos já conhecidos. Não há, garante Bino Santos, uma grande iniciativa de explorar locais desconhecidos. Basicamente viaja-se para onde se conhece, para onde há voos, para onde está alguém, ou para destinos sobre os quais já ouvimos várias pessoas (conhecidas, de preferência) falar bem.
De qualquer forma, os preços também parecem ajudar estas rotas brasileiras. “Até há pouco tempo tivemos voos para Fortaleza e Recife a 32 mil escudos”, aponta Bino Santos. Um valor competitivo, tendo em conta os preços de outros destinos.
Mais, recentemente a diferença de preços entre os diferentes destinos da companhia de bandeira (TACV) -a única que tem voos directos para o Brasil -foi criticada pelo presidente da Câmara de Comércio Indústrias e Serviços de Sotavento (CCISS).
“A TACV coloca o preço de bilhete de passagem Praia/Bissau (1 hora de voo) e Praia/Lisboa (3:30 de voo) mais caro que Fortaleza/Lisboa, que são sete horas de voo. Praia/Bissau fica por 51.000$00. Praia/Lisboa, a TACV cobra aos cabo-verdianos 108.000$00 e Fortaleza/Lisboa custa aproximadamente 38.000$00. Algo está errado nessa política de gestão e não entendo porquê”, frisou Jorge Spencer Lima, citado pela Inforpress. Os voos Fortaleza/Lisboa têm passagem pela Praia.
Outros negócios
Mas não é só o Brasil que atrai os comerciantes, até porque cada ramo desta actividade tem as suas especificidades.
Outros destinos apelativos em termos de negócio, nomeadamente no que toca a mariscos, são Dakar (Senegal) e Bissau (Guiné-Bissau).
São voos que, de acordo com Maria Lima, se mostram em quantidade insuficiente e estão sempre cheios. “Nunca há lugar”, comenta.
Eventualmente serão ocupados em grande parte pelos imigrantes da Costa Ocidental Africana, mas também pelos empresários cabo-verdianos.
Por norma, tal como acontece com as mulheres de negócios do destino Fortaleza, são pessoas que não vão para o hotel. “Quem vai já está habituado. Tem o seu esquema, sabe quem aluga um quarto, quem aluga um apartamento”. Têm contactos.
No caso de Dakar e Bissau, a estadia é por norma curta. “Ficam dois, três dias”, compram os mariscos e regressam a Cabo Verde, indica a directora da Orbitur.
Canárias, um destino em alta
E férias de lazer, sem outro motivo? Férias em hotéis, à semelhança do turismo internacional que Cabo Verde recebe? Também há, mas como o poder de compra é pouco, não são muitos os cabo-verdianos que hoje se podem dar a esse, digamos, luxo. (Além disso, como referido, esse dinheiro é considerado melhor empregue quando usado em compras e no acesso a outros serviços, como a saúde).
Fortaleza é, também neste tipo de turismo, de lazer, um destino popular (com preços a partir, aproximadamente dos 80 contos/ uma semana). E as Canárias têm vindo a afirmar-se como uma das maiores preferências dos cabo-verdianos.
Isto acontece, no entender dos entrevistados por várias razões. Desde logo pelo facto de terem voltado a haver voos directos, agora através da BinterCanarias. Mas não só.
“É muito procurado. É próximo, logo também é mais atractivo. E hoje em dia há muitos cabo-verdianos que já conhecem Las Palmas, isso ajuda: quando alguém faz ‘publicidade’, diz que o lugar é bom para lazer ou para negócio, as pessoas vão”, frisa Bino Santos, da Girassol Tours.
Factores a ter em consideração serão também os preços relativamente atractivos dos pacotes (por 70 contos já se arranja um pacote) e –a velha questão das compras – o aumento do peso de bagagem permitido por passageiro pela transportadora de serviço.
Tudo influencia o fluxo e os destinos, inclusive a vontade cada vez mais global -os números crescentes do turismo mundial assim o mostram -e a que Cabo Verde não será alheio -de fazer férias motivadas pelo lazer e descanso. Um luxo merecido ao fim de um ano de trabalho. Num alojamento desconhecido, onde tudo é proporcionado. Num destino a conhecer.
Nos topo dos destinos preferidos dos cabo-verdianos estão os locais onde residem familiares, estima-se que nos EUA vivam mais de 500 mil emigrantes (embora os números oficiais não cheguem aos 300 mil). Segue-se Portugal (onde morarão mais de 50 mil).
Números pouco “lineares”
Portugal. Geralmente este é o primeiro país que surge quando se pergunta a alguém, da área ou não qual considera ser o destino para onde viajam mais cabo-verdianos. Portugal e os EUA.
Começando pelo primeiro. Os dados carecem de interpretação aprofundada, mas de facto, a partir do aeroporto da Praia (nas ilhas de maior fluxo turístico, como Sal e Boa Vista, os resultados são outros), Lisboa assume-se como a rota internacional mais importante.
De acordo com o relatório estatístico da ASA, para o primeiro trimestre de 2014 -o mais recente que é disponibilizado publicamente no seu site-, esta rota absorvia “aproximadamente 47% da quota do mercado”. Nesse período, cerca de 24.200 passageiros viajaram de e para a capital portuguesa (em ambos os sentido).
Sendo, pois, uma rota concorrida a interpretação dos números deve, no entanto, ter vários factores em conta. Como explica A. Brito, do departamento de estatísticas da ASA, nestes dados apenas são contempladas as operadoras e destinos, não havendo uma discriminação da nacionalidade dos viajantes. Ou seja, vários desses passageiros serão portugueses, alguns dos quais residentes em Cabo Verde, outros apenas em deslocação temporária. Além disso, Lisboa é ponto de escala para vários outros destinos europeus, nomeadamente para países com uma comunidade cabo-verdiana expressiva, como o Luxemburgo (só para dar um exemplo).
Mais linear serão entretanto os números referentes aos voos para os EUA. Nesta rota, no mesmo período, viajaram 4.660 (contra 6.140 do mesmo trimestre de 2013!) -sendo que os EUA foram assim ultrapassados pela rota para Senegal (Dakar – 6400), número onde os imigrantes da costa africana poderão ter um contributo decisivo.
De acordo com a mesma fonte, as rotas internacionais mais competitivas da TACV (que absorve 38% da cota de mercado do total de passageiros) são Lisboa (12%), Boston (na altura a rota ainda não havia sido mudada para Providence, 9%) e Dakar (9%).
Sabe-se no entanto que cerca de 90% (eventualmente mais) passageiros para os EUA são cabo-verdianos. O que fica por apurar é quantos residem em território nacional e quantos são emigrantes.
São dados que a polícia de fronteiras deverá ter, mas que não encontramos à disposição para consulta pública. O que se sabe, e consta do relatório da Administração interna 2013, é que no ano 2012, saíram do país cerca 107.000 passageiros.
Entretanto, no ranking das principais Origens/Destinos de/para Cabo Verde, GRAN-CANÁRIAS-ESPANHA ocupa a 1º posição, seguido de LISBOAPORTUGAL,” em ilhas como o Sal. (Por exemplo, no primeiro trimestre de 2014 entre Praia/canárias viajaram 1246 passageiros contra 35.648 entre Sal/Canárias.)
Ainda falando de números, e sabendo que no topo dos destinos preferidos dos cabo-verdianos estão os locais onde residem familiares, estima-se que nos EUA vivam mais de 500 mil emigrantes (embora os números oficiais não cheguem aos 300 mil). Segue-se Portugal (onde morarão mais de 50 mil).