Turismo: Destinos preferidos dos cabo-verdianos

PorSara Almeida,29 ago 2015 6:00

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Para onde vão os cabo-verdianos quan­do viajam para fora? Os dados, num país concentrado em ser mercado turístico receptor, escasseiam. Mas há algumas conclusões. Os destinos preferidos pare­cem ser lugares de boa dinâmica comer­cial e (sem surpresa) os países de maior diáspora. Entretanto, há já, cada vez mais, gente a viajar simplesmente por lazer, sem outro motivo que não esse. Ca­nárias e Fortaleza parecem ser as rotas preferidas, neste sentido.


 “Luxemburgo, Portugal, Holanda, França”, são estes os países que Dulce já visitou fora de Cabo Verde. Em todos eles, sem excepção, tem familiares que a acolhem: mãe, irmãs, tias, primos, sobrinhos. Falta­-lhe ainda ir aos EUA onde tem mais parentes, “do outro lado” da família. “Os bilhe­tes são mais caros, ainda não consegui ir”, justifica. E depois há a questão do visto. Já sabe bem como conseguir o visto de turista para solo europeu. De­morou anos a conseguir o pri­meiro, mas a partir daí foi mais fácil. Ainda não se informou sobre como entrar na Merka. “Mas hei-de lá ir. Tenho sauda­des dos meus familiares e que­ro conhecer o país”, garante.

Parece ser um facto generali­zado. Os cabo-verdianos quan­do viajam ficam, por norma em casa de familiares. Aproveitam para fortalecer presencialmen­te os laços afectivos, aliviar a exiguidade das ilhas e passar bons momentos de lazer. As­sim, mesmo não dando entra­da em hotéis – uma das formas estatísticas preferidas para me­dir o fluxo – não deixam de ser turistas. Mais difíceis de “con­tabilizar”, é certo, mas parte desse fenómeno complexo e multifacetado que é o Turismo.

“Dificilmente um cabo-ver­diano compra um pacote (via­gem e estadia). Vai para onde tem parentes”, indica Maria Lima, directora da agência de viagens Orbitur.

“[Geralmente] vai para os países da diáspora, para onde tem família”, corrobora Bino Santos, director de marketing da Girassol Tours.

Essa visita a familiares alia­-se a outros motivos, como o lazer, mas também à oportuni­dade de fazer consultas médi­cas, entre outros. Ou seja, até porque “o poder de compra é baixo”, acabam por se juntar vários motivos que justificam o custo da viagem.

Isto conclui-se pela percep­ção geral e em particular de quem lida com esta actividade. Não encontramos um docu­mento estatístico institucional que compile, de facto, os moti­vos que levam os cabo-verdia­nos a viajar.

Entretanto, a nível inter­nacional, o principal motivo apresentado pelos turistas para viajar nas suas férias, é o lazer. De acordo com o “Pano­rama do turismo 2015” da Or­ganização Mundial de Turismo (OMT), mais de metade dos turistas internacionais (53%) do ano anterior assim o apon­tam; 14% “indicaram que via­javam por negócios ou motivos profissionais, enquanto 27% manifestou fazê-lo por outros motivos, como visitas a amigos e parentes, razões religiosas ou peregrinações, tratamentos de saúde e outros”. Não é explícito qual a percentagem que se re­fere apenas a visitas familiares. De qualquer forma, porém, são números que, face ao que se observa em Cabo Verde, não se acredita estarem muito adapta­dos à realidade nacional.

Um outro documento da OMT, circunscrito a África, sa­lienta já que neste continente, e embora o principal motivo con­tinue a ser o lazer (36%), seguido do turismo de negócios (25%), as visitas a familiares e amigos surgem já discriminadas e em terceiro lugar (20%). Provavel­mente estamos aqui mais perto do nosso turismo “para fora”.

Shop, shop, shop

Por entre o fluxo de “fora para dentro”, há um fenómeno que qualquer pessoa que ten­te embarcar para Cabo Verde conhece. Quem viaja, regressa carregado. Atulhado. Assim, as compras são também um mo­tivo a não desprezar quando se fala em destinos apelativos para os cabo-verdianos. Sejam compras para revenda, seja a título individual.

“Aproveito sempre para comprar coisas para mim, e trago sempre uma prenda para alguns familiares. Se não trou­xer, ficam tristes, chateados mesmo”, conta Dulce.

O que os cabo-verdianos poupam quando ficam em casa de um familiar, não raras vezes é, assim, gasto depois em com­pras. Como em Cabo Verde as opções são poucas e, geralmen­te, comparativamente caras, a visita aos shoppings e zonas comerciais é quase obrigatória quando viajam.

Esta é uma observação, ali­ás, feita por todos os entrevis­tados, citados ou não, nesta reportagem.

Daí que a quantidade de bagagem que uma companhia permite – seja para os cabo­-verdianos e residentes que vão fazer turismo fora, seja para os emigrantes e o nicho do turis­mo étnico -é um facto de enor­me peso na escolha da mesma, talvez só suplantado pelo preço da viagem em si.

 

 Veja-se por exemplo o caso da Royal Air Maroc, que apesar de “obrigar” a uma escala em Casablanca tem vindo a afir­mar-se contra a TACV e a TAP, as companhias mais utilizadas pelos cabo-verdianos, para destinos europeus. Isto porque permite três volumes de baga­gem, contra dois da companhia portuguesa e um da companhia de bandeira.

Há inclusive quem, além dos habituais produtos para si e para os seus familiares e ami­gos, traga mais uns quantos e aproveite para fazer umas ven­das informais e pontuais. E cla­ro, quem faça disso um negócio regular, deslocando-se várias vezes ao exterior com o motivo principal de fazer comércio.

Turismo de “comércio”

Na realidade quem mais viaja para o exterior, em Cabo Verde, de acordo com a experi­ência de 27 anos de Maria Lima são: as rabidantes e os funcio­nários do Estado.

Os últimos fazem-no por mo­tivos profissionais, ou seja, en­quadrados no chamado turis­mo profissional e de negócios. Aliás, as primeiras também.

Para estas, um dos destinos que se tornou mais populares, de acordo com as agências con­tactadas, foi Fortaleza, no Bra­sil.

“Era um destino de comércio e muitas rabidantes iam fazer compras aí. Actualmente está um bocado saturado, querem descobrir novas rotas”, observa Bino Santos, da Girassol Tours, para quem a recém-criada rota do Recife vem no sentido de

 abrir novas oportunidades de negócio. “É no Recife que se fabricam muitos dos materiais que são vendidos em Fortaleza. Já é uma alternativa para elas”, diz.

Maria Lima, por seu lado, salienta que na Orbitur a pro­cura para o Recife é ainda mui­to baixa.

Talvez isso se deva ao facto de ser uma nova rota. Talvez. É que os cabo-verdianos, em geral (não só as rabidantes), além de basearem, por razões óbvias, as suas escolhas na oferta disponível a nível aéreo, também preferem viajar para destinos já conhecidos. Não há, garante Bino Santos, uma grande iniciativa de explorar locais desconhecidos. Basica­mente viaja-se para onde se co­nhece, para onde há voos, para onde está alguém, ou para des­tinos sobre os quais já ouvimos várias pessoas (conhecidas, de preferência) falar bem.

De qualquer forma, os preços também parecem ajudar estas rotas brasileiras. “Até há pouco tempo tivemos voos para Forta­leza e Recife a 32 mil escudos”, aponta Bino Santos. Um valor competitivo, tendo em conta os preços de outros destinos.

Mais, recentemente a dife­rença de preços entre os dife­rentes destinos da companhia de bandeira (TACV) -a única que tem voos directos para o Brasil -foi criticada pelo presi­dente da Câmara de Comércio Indústrias e Serviços de Sota­vento (CCISS).

“A TACV coloca o preço de bilhete de passagem Praia/Bis­sau (1 hora de voo) e Praia/Lis­boa (3:30 de voo) mais caro que Fortaleza/Lisboa, que são sete horas de voo. Praia/Bissau fica por 51.000$00. Praia/Lisboa, a TACV cobra aos cabo-verdia­nos 108.000$00 e Fortaleza/Lisboa custa aproximadamente 38.000$00. Algo está errado nessa política de gestão e não entendo porquê”, frisou Jorge Spencer Lima, citado pela In­forpress. Os voos Fortaleza/Lis­boa têm passagem pela Praia.

Outros negócios

Mas não é só o Brasil que atrai os comerciantes, até por­que cada ramo desta actividade tem as suas especificidades.

Outros destinos apelativos em termos de negócio, nomea­damente no que toca a maris­cos, são Dakar (Senegal) e Bis­sau (Guiné-Bissau).

São voos que, de acordo com Maria Lima, se mostram em quantidade insuficiente e estão sempre cheios. “Nunca há lu­gar”, comenta.

Eventualmente serão ocu­pados em grande parte pelos imigrantes da Costa Ocidental Africana, mas também pelos empresários cabo-verdianos.

Por norma, tal como acontece com as mulheres de negócios do destino Fortaleza, são pessoas que não vão para o hotel. “Quem vai já está habituado. Tem o seu esquema, sabe quem aluga um quarto, quem aluga um aparta­mento”. Têm contactos.

No caso de Dakar e Bissau, a estadia é por norma curta. “Fi­cam dois, três dias”, compram os mariscos e regressam a Cabo Verde, indica a directora da Or­bitur.

Canárias, um destino em alta

E férias de lazer, sem outro motivo? Férias em hotéis, à se­melhança do turismo interna­cional que Cabo Verde recebe? Também há, mas como o poder de compra é pouco, não são mui­tos os cabo-verdianos que hoje se podem dar a esse, digamos, luxo. (Além disso, como referi­do, esse dinheiro é considerado melhor empregue quando usa­do em compras e no acesso a outros serviços, como a saúde).

 

Fortaleza é, também neste tipo de turismo, de lazer, um destino popular (com preços a partir, aproxi­madamente dos 80 contos/ uma semana). E as Canárias têm vindo a afirmar-se como uma das maiores preferências dos cabo-verdianos.

Isto acontece, no entender dos entrevista­dos por várias razões. Desde logo pelo facto de terem voltado a haver voos directos, agora através da BinterCanarias. Mas não só.

“É muito procurado. É próximo, logo tam­bém é mais atractivo. E hoje em dia há muitos cabo-verdianos que já conhecem Las Palmas, isso ajuda: quando alguém faz ‘publicidade’, diz que o lugar é bom para lazer ou para ne­gócio, as pessoas vão”, frisa Bino Santos, da Girassol Tours.

Factores a ter em consideração serão tam­bém os preços relativamente atractivos dos pacotes (por 70 contos já se arranja um pa­cote) e –a velha questão das compras – o aumento do peso de bagagem permitido por passageiro pela transportadora de serviço.

Tudo influencia o fluxo e os destinos, in­clusive a vontade cada vez mais global -os números crescentes do turismo mundial as­sim o mostram -e a que Cabo Verde não será alheio -de fazer férias motivadas pelo lazer e descanso. Um luxo merecido ao fim de um ano de trabalho. Num alojamento desconhe­cido, onde tudo é proporcionado. Num desti­no a conhecer.

Nos topo dos destinos preferidos dos cabo­-verdianos estão os locais onde residem fa­miliares, estima-se que nos EUA vivam mais de 500 mil emigrantes (embora os números oficiais não cheguem aos 300 mil). Segue-se Portugal (onde morarão mais de 50 mil).


Números pouco “lineares”

Portugal. Geralmente este é o primeiro país que surge quando se pergunta a alguém, da área ou não qual considera ser o destino para onde viajam mais cabo-verdianos. Portugal e os EUA.

Começando pelo primeiro. Os dados care­cem de interpretação aprofundada, mas de facto, a partir do aeroporto da Praia (nas ilhas de maior fluxo turístico, como Sal e Boa Vista, os resultados são outros), Lisboa assume-se como a rota internacional mais importante.

De acordo com o relatório estatístico da ASA, para o primeiro trimestre de 2014 -o mais recente que é disponibilizado publica­mente no seu site-, esta rota absorvia “aproxi­madamente 47% da quota do mercado”. Nesse período, cerca de 24.200 passageiros viajaram de e para a capital portuguesa (em ambos os sentido).

Sendo, pois, uma rota concorrida a interpre­tação dos números deve, no entanto, ter vários factores em conta. Como explica A. Brito, do departamento de estatísticas da ASA, nestes dados apenas são contempladas as operadoras e destinos, não havendo uma discriminação da nacionalidade dos viajantes. Ou seja, vários desses passageiros serão portugueses, alguns dos quais residentes em Cabo Verde, outros apenas em deslocação temporária. Além dis­so, Lisboa é ponto de escala para vários outros destinos europeus, nomeadamente para países com uma comunidade cabo-verdiana expressi­va, como o Luxemburgo (só para dar um exem­plo).

Mais linear serão entretanto os números re­ferentes aos voos para os EUA. Nesta rota, no mesmo período, viajaram 4.660 (contra 6.140 do mesmo trimestre de 2013!) -sendo que os EUA foram assim ultrapassados pela rota para Senegal (Dakar – 6400), número onde os imi­grantes da costa africana poderão ter um con­tributo decisivo.

De acordo com a mesma fonte, as rotas in­ternacionais mais competitivas da TACV (que absorve 38% da cota de mercado do total de passageiros) são Lisboa (12%), Boston (na al­tura a rota ainda não havia sido mudada para Providence, 9%) e Dakar (9%).

Sabe-se no entanto que cerca de 90% (even­tualmente mais) passageiros para os EUA são cabo-verdianos. O que fica por apurar é quan­tos residem em território nacional e quantos são emigrantes.

São dados que a polícia de fronteiras deve­rá ter, mas que não encontramos à disposição para consulta pública. O que se sabe, e consta do relatório da Administração interna 2013, é que no ano 2012, saíram do país cerca 107.000 passageiros.

Entretanto, no ranking das principais Ori­gens/Destinos de/para Cabo Verde, GRAN­-CANÁRIAS-ESPANHA ocupa a 1º posição, se­guido de LISBOAPORTUGAL,” em ilhas como o Sal. (Por exemplo, no primeiro trimestre de 2014 entre Praia/canárias viajaram 1246 pas­sageiros contra 35.648 entre Sal/Canárias.)

Ainda falando de números, e sabendo que no topo dos destinos preferidos dos cabo-ver­dianos estão os locais onde residem familiares, estima-se que nos EUA vivam mais de 500 mil emigrantes (embora os números oficiais não cheguem aos 300 mil). Segue-se Portugal (onde morarão mais de 50 mil).

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Autoria:Sara Almeida,29 ago 2015 6:00

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  30 ago 2015 21:09

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