Mindelo tem um clima ameno, é uma cidade organizada e limpa, relativamente pequena e tranquila (apesar de tudo). É também uma cidade que quer reencontrar-se, enquanto procura uma fórmula que lhe traga receitas e desenvolvimento. Será viável pensar em turismo de saúde na ilha de São Vicente?
Há pouco mais de um ano, José Almada Dias escrevia neste mesmo jornal que “Cabo Verde precisa de ser repensado, talvez mesmo reinventado, e o turismo de saúde e bem-estar e a imobiliária turística serão certamente uma alternativa segura e sustentável” para essa reinvenção.
Um ano volvido, o cronista e professor da Universidade do Mindelo considera que as ideias mantêm-se actuais. “Sim”, responde categórico, quando questionado sobre se ainda acredita no potencial da associação entre turismo e saúde.
João Rego também tem uma opinião sobre o assunto. Docente universitário na área do turismo (ver entrevista na página seguinte), acredita que qualquer aposta é uma boa aposta, desde que existam as condições de base para o seu desenvolvimento.
No caso de São Vicente, e sem nenhum elemento natural comprovadamente terapêutico – água, areias, etc. – o caminho passará sempre pela oferta médica especializada e tecnologicamente avançada, mas para isso era necessário que “Cabo Verde dispusesse de meios para, por exemplo, facultar algum tipo de intervenções cirúrgicas ou alguma especialidade em que fosse competitivo em relação a noutros países”, ilustra.
Consciente de que, no imediato, a oferta médica não é competitiva, o especialista prefere que se pense num outro segmento: o turismo de terceira idade. Neste segmento, estima, a ilha do Monte Cara poderá dar cartas. É que, apesar de também depender da qualidade e quantidade dos serviços de saúde, engloba outras vertentes.
“As pessoas vêem as suas condições de vida melhoradas quando se encontram numa zona onde o clima é ameno, onde não há doenças endémicas e onde existe paz social e estabilidade. Acho que isso seria muito mais a vocação de São Vicente”, acredita.
Estará por perceber a vocação exacta de São Vicente na área do turismo de saúde. No actual estado de coisas é consensual que, quer a aposta principal incida sobre a componente médica ou recaia no bem-estar, esteja mais próxima ou mais distante do turismo de terceira idade e residencial, ainda será preciso percorrer um longo caminho até que o destino possa ser competitivo.
Centrais em todo o processo serão os operadores privados e, no caso, os prestadores de cuidados de saúde. Nesta área, Mindelo tem estado na vanguarda. À escala do mercado nacional, a cidade é desde há vários anos um modelo no contexto cabo-verdiano, com duas clínicas particulares de referência.
O administrador-geral do Medicentro, Andres Fidalgo não duvida que, a prazo, São Vicente poderá até ter uma palavra a dizer no turismo de saúde. Antes, porém, é preciso fazer muito trabalho, desde logo no plano legal.
“Não podemos falar de turismo de saúde em Cabo Vede quando a própria lei não permite o desenvolvimento das estruturas privadas de saúde, tendo em conta que nenhum europeu vai a um hospital público, a não ser que seja extremamente necessário”, explica.
Nas actuais condições, “falar de turismo de saúde é uma falácia, é uma mentira”, diz.
A médica Alícia Wahnon, sócia da Urgimed, tem a mesma percepção. Apesar de considerar que o país tem todas as condições para o desenvolvimento do turismo de saúde, entende que faltam infra-estruturas capazes de dar resposta.
“Sabemos que Cabo verde é um país pobre e que tem que haver parcerias, principalmente nesta área. Acho que é uma área virgem e à qual os empresários deviam dar mais atenção, como acontece em algumas partes do mundo”, defende.
A Urgimed está disponível para investir em mais equipamentos e em mais profissionais especializados, mas a médica Alícia Wahnon pede que o Estado cumpra o seu papel.
“Porque é caro investir em equipamentos novos e de ponta e os nacionais precisam de incentivos. Precisam de incentivos fiscais, incentivos a nível da banca. Não quer dizer apoiar no sentido de dar. Apoiar nas medidas que se tomam para que o empresário invista nesta área”, esclarece.
O administrador da Urgimed alinha pelo mesmo diapasão e recorda os investimentos já feitos.
“Neste momento, temos 23 especialidades, dois blocos cirúrgicos, sala de internamento, laboratório, todo um departamento completo de imagiologia, já começámos a trabalhar na área da cirurgia oftalmológica, muito mais barata do que nas Canárias”.
A elaboração de uma estratégia, processo do qual os privados querem fazer parte, será, o primeiro passo. Antes disso, apesar de identificado o potencial, nada acontecerá. “Acho que estamos no mesmo sítio”, conclui o cronista do Expresso das Ilhas, José Almada Dias, ao reler o artigo que assinou sobre o tema, em Novembro de 2015.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 783 de 30 de Novembro de 2016.