Marrocos prepara entrada no mercado das energias renováveis da CEDEAO

PorJorge Montezinho,10 jun 2017 6:00

Os passos recentes dados pelo Reino de Marrocos – o regresso à União Africana há seis meses e o pedido, recente, de adesão à Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) – têm uma estratégia por trás: a expansão económica para a África subsaariana. Para isso, contam com uma nova geração bem formada, indústria, parceiros europeus e fundos governamentais. Cabo Verde tinha como objectivo estratégico a exportação de conhecimentos e serviços na área das renováveis para a África Ocidental, mas pode ver-se ultrapassado pelo país do norte do continente.

Karim el-Alami pensa em grande. Desde que acabou a universidade, há dois anos, o jovem engenheiro marroquino e um amigo desenvolveram um software que usa a inteligência artificial para gerir os custos da energia renovável. A empresa deles – a Elum Energy [elum-energy.com] – vai começar a equipar as torres de telecomunicações de Marrocos este Verão. Mas já estão também a pensar em exportar a tecnologia e para isso iniciaram negociações com operadoras de vários países da África subsaariana. “A minha esperança”, diz Karim ao Financial Times, “é colocar o meu software em cada unidade de armazenamento de energia solar que for lançada em África nos próximos cinco anos”. Karim el-Alami e o seu sócio, Cyril Colin, fazem parte da nova geração de empreendedores que viram uma oportunidade no novo, mas crescente, campo de armazenagem de energia renovável.

E o governo de Marrocos apoia-os. O país é pobre em combustíveis fósseis e começou a ganhar a atenção mundial por ser um caso de sucesso no desenvolvimento de energias renováveis (num trajecto muito parecido com o de Cabo Verde, mas o caso do arquipélago não teve este impacto global). Em 2009, 1,7 por cento da electricidade de Marrocos provinha de energias renováveis. Em 2012, esta percentagem tinha subido para 32 por cento, e as previsões é que seja de 42 por cento em 2020 e 52 por cento em 2030. Em termos de comparação, Cabo Verde assumiu em 2006 o objectivo de atingir 25 por cento de energias renováveis em 2011, aumentando posteriormente essa capacidade, com a taxa de penetração a ser incrementada de maneira faseada, passando por duas etapas intermédias, de 30%/35% (prevista para 2016) e 50% (prevista para 2018), antes de atingir os 100% em 2020 (mais tarde estabeleceu-se que o objectivo seria 50 por cento em 2020). Em 2010, apenas 1,2 por cento da electricidade em Cabo Verde era gerada através de renováveis. Em 2013 passou para 20 por cento e actualmente esta percentagem está nos 21,4 por cento. Vários estudos têm apontado para esta tendência de estagnação. Para aumentar estes valores serão necessários mais investimentos, para já não previstos.

No ano passado, Marrocos abriu a maior central solar do mundo – a Noor 1 – e recebeu, em Setembro, o COP22, o encontro mundial para debater as alterações climáticas. Mais uma vez, nada disto surge por acaso. Em 2015, Mustapha Bakkoury, director da Agência Marroquina para a Energia Solar (Masen – responsável pelo desenvolvimento das renováveis no país), dizia ao Financial Times que o Estado queria mais do que reduzir a dependência dos combustíveis fósseis e baixar as emissões poluentes. “Estamos a trabalhar para criar as condições para futuras exportações”, afirmou. E para o conseguir, o governo marroquino olhava para o sul do continente. Dados de 2014, mostravam que dois terços da população da África subsaariana não tinham acesso à electricidade, e alguns especialistas em energia previam que a região saltasse das infra-estruturas tradicionais de geração de electricidade para as renováveis (que é, aliás, um projecto da CEDEAO: Política da CEDEAO para as Energias Renováveis, iniciado em 2012. Actualmente não é possível precisar em que estado está esse plano, porque grande parte das ligações na Internet com informações sobre o projecto deixaram de funcionar).

Para responder a esta procura da sub-região, Marrocos preparou-se. Tem actualmente mais de 20 tratados comerciais com países africanos e Casablanca, a capital económica do país, transformou-se num hub para investimentos no continente. Aliás, hoje há já uma forte presença por todo o continente de bancos e companhias de seguros marroquinos e da empresa nacional de aviação (Royal Air Maroc, que voa também para Cabo Verde). Rabat, o centro governativo do país, espera que o interesse da sub-região pelas energias renováveis sirva para construir laços duradouros.

Ter como alvo os mercados africanos é algo que “faz sentido para a economia marroquina”, sublinha ao FT Dana Younger, especialista em energias renováveis da International Finance Corporation, o braço do Banco Mundial responsável pelos empréstimos aos privados. Os marroquinos, continua, “têm uma vantagem comparativa em termos de partilha de conhecimentos e experiências com outras partes de África”. Com financiamento da International Finance Corporation, uma subsidiária da companhia nacional de electricidade marroquina ganhou a concessão para levar energia a zonas rurais do Senegal em 2010, e agora as empresas de Marrocos começaram a expandir-se para o sul com a ajuda de parceiros europeus.

A gigante francesa do sector energético Engie – que, em parceria com a empresa marroquina Nareva Holding, construiu o parque eólico de Tarfaya (o maior de África) – anunciou no ano passado um acordo de parceria para instalar equipamentos e vender serviços para países como a Costa do Marfim, Senegal, Gana e Camarões. Bruno Bensasson, CEO da Engie África, considera que Marrocos tem “vantagens específicas” graças às fortes relações institucionais e diplomáticas com países da sub-região, pelo que faz todo o sentido, refere, trabalhar com a Nareva.

Os especialistas marroquinos esperam que estas parcerias ajudem os empresários nacionais a competirem por contractos no mercado das renováveis. “Temos uma grande oportunidade em Marrocos”, diz ao FT Mohamed Bernannou, CEO do Centro Marroquino de Inovação para o Clima (MCIC – criado em 2014 para desenvolver tecnologia industrial amiga do ambiente e o empreendedorismo). Uma das razões fundamentais, aponta, é a capacidade de replicar em Marrocos muitas das condições que existem em muitos dos países subsaarianos, o que dá às companhias nacionais uma vantagem sobre as empresas de outras partes do mundo. “A África subsaariana tem calor extremo, tem pó, tem uma população que pode não ser capaz de fazer a manutenção. A inovação não é um painel fotovoltaico, mas sim uma pequena adaptação técnica que pode adaptar o produto às necessidades locais”.

A Elum Energy, de Karim el-Alami, tem o apoio financeiro do MCIC. Em conversas com outras empresas da Nigéria, do Gana e do Congo, descobriu que a experiência marroquina na construção da capacidade própria de renováveis é uma vantagem. “Marrocos não é exactamente como o Senegal, ou a Costa do Marfim, mas os nossos problemas são similares. E quem está na Europa, ou na América, não consegue imaginar essas dificuldades”.

 

Cabo Verde e as energias renováveis

Não é segredo que um dos objectivos de Cabo Verde é a exportação de conhecimento e serviços na área das renováveis. Quando a iniciativa Energia Sustentável para Todos (SE4ALL da sigla em inglês de Sustainable Energy for All) foi lançada pelo Secretário-Geral das Nações Unidas em 2011, estabeleceu como metas globais até 2030: garantir o acesso universal a serviços energéticos modernos; duplicar a taxa global de melhoria da eficiência energética e duplicar a quota das energias renováveis na matriz energética global. Mas, mais importante, estes objectivos, em conjunto, deveriam funcionar como um incentivo para a criação de condições para o desenvolvimento de actividades geradoras de rendimento e como motor de desenvolvimento e instrumento de combate à pobreza.

Logo nesse ano, e como projecto para o curto/médio prazo, Cabo Verde produziu diversos documentos onde referia a importância de encontrar formas de competir no mercado internacional com base na qualidade, eficiência, alta produtividade e elevada capacidade inovadora. A visão do futuro de Cabo Verde era a de “uma nação inclusiva, justa e próspera, com oportunidades iguais para todos”. Há seis anos era escrito que Cabo Verde se encontrava numa encruzilhada, sendo necessário uma “aceleração do processo de transformação e de modernização da sociedade”. Este processo deveria ser liderado por um sector privado competitivo e capaz de criar emprego para a população e redistribuir riqueza.

Cabo Verde, um país com recursos naturais limitados e com um mercado interno de dimensão reduzida, apostou na Agenda de Transformação (iniciativa do governo anterior), que se baseava na inovação e na criação de valor com base nos seus factores competitivos estratégicos – a posição geográfica, a estabilidade e boa governação, a população jovem e habilitada e os recursos naturais valorizáveis como as praias, o vento e o sol. As energias renováveis, estavam entre as bases de sustentação, da economia e da sociedade e era considerada estruturante para o país. Em primeiro lugar, para garantir, a nível interno, a sustentabilidade da meta de aceso universal à energia. Em segundo lugar, para transformar, de forma profunda, o sector energético (implicando alteração das tecnologias, dos procedimentos, dos mercados e dos seus agentes).

Era essa possibilidade de inovação que abriria oportunidades para a exportação de conhecimento e de serviços de elevado valor acrescentado nos sectores das energias renováveis e da eficiência energética, para diversos mercados internacionais, em especial para os pequenos estados insulares, nos PALOP e na CEDEAO. A aposta na energia sustentável iria assim além da disponibilização competitiva de energia para a economia e para as famílias, transformando todo o sector energético num motor de desenvolvimento e de criação de mais-valia competitiva nas cenas nacional e internacional.

Em torno destas metas, teriam de ser criadas as condições para a formação em todos os níveis, profissional, superior e pós graduação, mas também para a certificação, ensaios e testes de sistemas energéticos e a troca de conhecimentos e experiências. No final, Cabo Verde estaria numa posição de liderança no sector das energias renováveis. Apostava-se em quê? Numa estratégia que tinha por base o envolvimento crescente do sector privado, quer das empresas quer das famílias, que progressivamente deveriam substituir os investimentos públicos no sector. Ao Estado caberia o papel de promotor, dinamizador e regulador de um mercado de produção e oferta de energia dinâmico, inovador e eficiente. Seria ainda o Estado a assumir-se como o impulsionador e dinamizador na procura de soluções inovadoras para financiamento do mercado de energia, que não configuram apoios directos ou subsídios.

Aliás, quando foi lançado o documento Cabo Verde 50% Renovável: Um Caminho até 2020 (pelo governo anterior), podia ler-se que atingir este objectivo assentava em cinco eixos, sendo o quinto o lançamento do Cluster das Energias Renováveis, que teria como metas transformar o arquipélago num produtor de equipamentos nesta área, com capacidade de exportar tecnologia e conhecimento. Esse mesmo eixo previa a criação de um curso de engenharia de energias renováveis na UNI-CV, a instalação de uma fábrica de painéis solares em Cabo Verde e a criação de uma estrutura de operação e manutenção. No total, previa-se a criação de mais de 800 postos de trabalho (Em 2013, quando o CERMI – Centro de Formação Profissional em Energias Renováveis – ainda estava em obras, o anterior Primeiro-Ministro José Maria Neves afirmou que o país ambicionava ser um centro prestador de serviços e tecnologias ao nível da CEDEAO e esse centro, financiado pela Cooperação Luxemburguesa, seria uma referência para toda a região. Deveria também proporcionar um espaço para a incubação de empresas, para a geração de empregos e criação de novas oportunidades para a juventude cabo-verdiana. O CERMI acabou por ser inaugurado em Março de 2015). Com seis anos de distância, constata-se que entre o que foi planeado para a exportação de serviços e conhecimentos e a realidade existente há uma grande diferença.

 

As ideias do governo

O actual governo tem igualmente no programa a aceleração de start-ups assente nos princípios da inovação aplicada às áreas estratégicas para Cabo Verde, como as marítimo-portuárias, aeroportuárias, mar, tecnologias de informação e comunicação, energias renováveis e financeira. Em relação às energias renováveis, a estratégia tem como objectivo que o país beneficie das potencialidades que possui nos domínios da eólica e solar, apostando na eólica em larga escala até o limite máximo da taxa de penetração; investindo, no curto prazo, na solar foto voltaica a nível de projectos de pequena e média escala, próximas da procura, nomeadamente, em zonas remotas, explorações agrícolas ou iluminação pública; incentivando o uso da solar térmica, entre outros, para utilização em hotéis, edifícios públicos e escolas; e utilizando sistemas híbridos Diesel/Eólica/Solar na produção de água dessalinizada.

O objectivo da internacionalização só é referido na parte do programa do governo que fala de ciência, tecnologia e inovação. “Não há futuro sem ciência! Para o desenvolvimento das nações mais avançadas, o maior trunfo tem sido os centros de I&D [desenvolvimento e inovação], alavancados na cooperação intrínseca e permanente entre o Estado, Instituições do Ensino Superior e as Empresas e viradas para a inovação permanente da oferta, satisfação da procura e competitividade nos mercados nacionais e internacionais”.

Os compromissos assumidos pelo governo passam pelo desenvolvimento de Centros de Investigação, Desenvolvimento e Inovação (I&D+i) com foco nas parcerias público-privadas, reunindo o Estado, as Instituições do Ensino Superior, os Parques Científicos e as Empresas. A promoção da Agência da Ciência e da Tecnologia. A instalação de diversos Parques Tecnológicos e Científicos em áreas como o Mar e a Biodiversidade, a Saúde, o Ambiente, as Energias Alternativas e a Água. Incentivos fiscais na importação de equipamentos e no estímulo à inovação e investigação empresarial em áreas de competitividade internacional.

O governo assume ainda várias acções na área das Ciências, Tecnologia e Inovação, como a avaliação e identificação dos sectores empresariais onde a investigação seja pertinente; elevação da inovação para o topo da política nacional como elemento-chave para a criação de emprego de qualidade e para o crescimento sustentado da produtividade nacional e da competitividade internacional; o incentivo à disseminação da ciência e sua transferência para a criatividade tecnológica; investimentos na formação e na capacitação de técnicos na exploração e manutenção das tecnologias de ponta e na promoção de uma cultura de conservação dos bens e recursos nacionais; adopção de medidas fiscais favoráveis, nomeadamente, isenção de taxas aduaneiras na importação de materiais e equipamentos pelas instituições com regime jurídico de investigação científica e promoção da ciência, bem como, incentivos financeiros para estimular a inovação e a investigação empresarial em áreas de competitividade internacional; criação de uma Agência da Ciência e da Tecnologia; e a instalação de um conjunto de parques científicos e tecnológicos em diversos pontos do território nacional: “A título indicativo, poderão ser criados parques científicos e tecnológicos nas áreas da Saúde, Agro-pecuária, Ambiente, Mar, Turismo, TICs, Água e Energias Alternativas”.

A falta de recursos humanos na área das energias renováveis é apontada como uma das grandes barreiras que os países da CEDEAO enfrentam [Projecto Final da Política da CEDEAO para as Energias Renováveis. As outras dificuldades são a má regulação na maior parte dos países e a falta de financiamento]. É mesmo referido que só se consegue melhorar a educação se os fundos destinados ao sector duplicarem e se houver uma aposta forte no ensino das engenharias e da tecnologia (processo que foi seguido por Marrocos). 73 por cento das agências ligadas à energia dos países da CEDEAO falam da necessidade que sentem em formar o seu pessoal e 78 por cento queixam-se da falta de especialistas.

Por sector, e segundo um estudo da CEDEAO, as necessidades de recrutamento sentem-se essencialmente nos sistemas fotovoltaicos (81 por cento), eficiência energética e poupança (78 por cento), planeamento energético (70 por cento) e transformação de biomassa (65 por cento). Ainda segundo o mesmo estudo, com excepção do Mali e do Níger, a maioria dos privados acredita que as regulações e as políticas nos respectivos países não encorajam o rápido desenvolvimento das energias renováveis e da eficiência energética.


Cabo Verde ainda não ratificou o Acordo de Paris

Cabo Verde assinou o Tratado de Paris no dia 22 de Abril de 2016, mas ainda não o ratificou, estando assim no grupo dos cinquenta países que ainda não o validaram, juntamente com Angola, Colômbia, Cabo Verde, Moçambique, Montenegro e Turquia, entre outros.

O Acordo de Paris, um compromisso considerado “histórico” e negociado por 195 países, tem como principal objectivo conter o aquecimento global do planeta, ao reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. A comunidade internacional comprometeu-se a limitar a subida da temperatura bem “abaixo dos dois graus Celsius” e a prosseguir esforços para “limitar o aumento da temperatura a 1,5 graus Celsius” em relação aos níveis pré-industriais.

Em vez de estabelecer para cada país o que teria de fazer, o acordo determina que cada país deva apresentar, de cinco em cinco anos, planos nacionais com os objectivos a que se propõe cumprir para amenizar as alterações climáticas.

Depois de anos de negociações, o acordo para conter o aquecimento global foi aprovado a 12 de Dezembro de 2015 na cimeira climática da ONU em Paris, cidade que lhe deu nome. Entrou em vigor a 4 de Novembro de 2016, 30 dias depois de ter sido ratificado por 55 países que representam, pelo menos, 55% das emissões globais de gases com efeito de estufa.

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 810 de 07 de Junho de 2017.

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Autoria:Jorge Montezinho,10 jun 2017 6:00

Editado porAndré Amaral  em  12 jun 2017 9:26

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