Governo quer mais dívida pública negociada na Bolsa de Valores

PorJorge Montezinho,16 set 2017 6:00

Fazer de Cabo Verde uma praça financeira internacional é um objectivo que tem sido repetido ao longo dos anos, independentemente do executivo que governa o país, mas esta semana foram dados alguns passos para desenvolver o mercado secundário, ou bolsista, principalmente para o abrir à compra e venda de títulos de dívida pública, um negócio hoje ainda residual, uma vez que estes títulos são comprados, na sua maioria, no mercado primário.

 

É certo que há constrangimentos e há desafios, mas também há oportunidades. Esta é a leitura de José Pedro Fazenda Martins, Mestre em Ciências Jurídicas e consultor, que participou como orador no workshop “Desenvolvimento do Mercado Secundário da Dívida Pública” em Cabo Verde, que decorreu esta segunda-feira na sede do BCV.

O principal constrangimento identificado, como não é difícil de adivinhar, é a discrepância entre as taxas de juro da dívida pública, que são altas, e as de outros activos que os bancos e as entidades que compram dívida têm à sua disposição. “A dívida tem uma boa remuneração, quem adquire dívida muitas vezes não está disponível para a oferecer em mercado secundário”, diz ao Expresso das Ilhas José Pedro Martins, também membro fundador do Instituto dos Valores Mobiliários da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. “O mercado secundário é um mercado de bolsa, onde se fazem as transacções de compra e venda de títulos após a sua emissão. Para isso é preciso haver compradores e vendedores. Se não há compradores nem vendedores, não há mercado secundário”.

Solução? Tem de haver estímulos a vender. “Porque quando uma pessoa tem uma coisa que é boa, comparativamente aos outros activos disponíveis, provavelmente não abdicará dela. Esse é um constrangimento que precisa de ser ultrapassado com estímulos, não é alterando os equilíbrios existentes, que fazem com que as entidades que vão ao mercado primário tenham as suas obrigações e tenham a rentabilidade das suas carteiras melhorada por terem acesso a dívida pública. Portanto, não é obrigando as pessoas a contragosto a fazerem isso que a questão se resolve, resolve-se com a criação de estímulos”.

Que tipo de estímulos? Já lá vamos. Antes uma rápida contextualização. O mercado secundário – a Bolsa de Valores – deve ser visto como um instrumento que permite ao Estado ter uma percepção do valor do bem que está a colocar. Se não houver mercado secundário não há muitas referências, portanto é um indicador de preço. Como se dinamiza esse mercado? Com a criação de uma estrutura de market makers, ou criadores de mercado, entidades que têm como função colocar ofertas de compra e de venda.

“Para [uma entidade] aceitar ser [um market maker] tem de ter algumas garantias que não fica prejudicada em relação às entidades que não querem ser”, explica José Pedro Martins, “as autoridades de Cabo Verde têm imensas ideias, mas a nossa solução é criar uma espécie de lote condicionado em mercado primário que só é emitido para negociar em mercado secundário. Ou seja, eu, banco, posso chegar ao mercado e colocar ofertas de compra e de venda e se aparecer alguém interessado não preciso de estar a usar a minha dívida pública, posso pedir à Direcção Geral do Tesouro que emita os títulos para eu entregar, no fundo é como se houvesse uma espécie de mercado primário sempre aberto só que por via do mercado secundário. Acho que é uma boa solução porque não há nenhum banco que não queira assinar um contracto deste género, porque no fundo não vai precisar de abdicar da rentabilidade da dívida pública que possui. Portanto, se encontrar algum investidor, pode pedir ao Tesouro que emita”.

É claro que esta solução passa essencialmente pela existência de uma procura por títulos de dívida pública, mas segundo o consultor internacional, ela existe e tem sido visível quando surgem os chamados leilões não competitivos de dívida pública (Cabo Verde realiza cerca de 20 destes leilões por ano). “E não aparecem mais por uma questão de informação e comunicação. Muitas vezes os investidores não têm tempo de ir ao leilão não competitivo, não têm tempo suficiente para decidir. Com o market maker estamos a falar de um mercado aberto 24 horas. Não precisam de estar a pensar se compram ou não em leilão. No mercado secundário podem observar durante alguns dias a evolução dos preços e tomar uma decisão. Não vai ser uma procura muito grande, mas o que interessa é começar e existe vontade de toda a gente”.

Até agora já vimos que há constrangimentos, mas também soluções para os combater. Nesta altura a questão que se põe é: haverá interesse suficiente, mesmo nos mercados externos, pela dívida pública cabo-verdiana? José Pedro Martins acredita que sim. “Os grandes investidores procuram duas coisas: dimensão – os chamados buckets grandes – e Cabo Verde não tem capacidade de atingir os grandes bancos porque não tem buckets suficientemente grandes, mas pode atrair fundos que queiram compor carteiras, porque os títulos de Cabo Verde têm boa remuneração. E com o acordo de cambial assegura a estabilidade. Portanto, os investidores têm em Cabo Verde um título, que não é isento de risco porque isso não existe, mas têm um título soberano de um país ligado por um acordo cambial à zona euro com juros de 4,5%. Eu diria: porque não?”.

Mas em todo este processo existem ainda desafios, e falamos só dos desafios do mercado secundário. O principal? A internacionalização, até porque a entrada de investidores de outros países é uma questão de atenuação de risco. “Geralmente a diversificação dos investidores, o que se chama de alargamento da base, é um aspecto importante para conseguir melhores juros para o Estado e mitigação do risco, que assim não fica concentrada nos bancos. Se algum dia acontece alguma coisa à dívida pública arrasta os bancos todos, portanto, este alargamento da base passa pelos investidores internacionais”, sublinha José Pedro Martins.

E no fundo, a grande questão que quem quer investir está a pôr neste momento é: há oportunidades? Mais uma vez, o consultor internacional acredita que sim. “Face ao acordo com a zona euro que garante a estabilidade cambial, face às boas perspectivas de crescimento e devido a ser um país com uma economia aberta, estou convencido que oportunidades para investimento na dívida pública de Cabo Verde existem e fazem sentido. De certeza que quando se lançarem as coisas vão correr bem. Como disse, não será investimento para a Goldman Sachs ou a JP Morgan, mas já me falaram, em Portugal, investidores interessadíssimos na dívida pública cabo-verdiana”.

 

Olavo Correia contra paninhos quentes

Na abertura do workshop, o Ministro das Finanças Olavo Correia considerou que está em curso um debate importante para o futuro do país: Cabo Verde é confrontado hoje com a necessidade de encontrar soluções para financiar as suas necessidades de desenvolvimento num contexto de restrição orçamental e financeira devido às políticas de endividamento público dos últimos anos.

Para o governante há três desafios, sendo o primeiro o de mobilizar cada vez mais recursos endógenos para financiar o desenvolvimento do país. “Não há alternativa”, sublinhou Olavo Correia. “Cada um de nós, interessado em construir um país melhor, tem de estar disponível para colaborar no financiamento deste futuro, não podemos apenas querer um Cabo Verde melhor, é preciso contribuir”.

Os alvos estão identificados, a informalidade económica, a fuga e a fraude e a eficiência da administração fiscal. “Em toda a parte do mundo não pagar impostos é crime, fornecer informações falsas é crime, e em Cabo Verde, até hoje, ninguém foi condenado por estas más práticas. Este país não pode desenvolver-se neste clima de impunidade”, avisou o ministro, “porque não pagar impostos é por em causa a saúde, a educação, a segurança”.

O segundo desafio é o de desenvolver o mercado de capitais na perspectiva interna e externa. Para isso, explicou Olavo Correia, é preciso avançar em várias matérias, como o desenvolvimento do mercado secundário. “Estamos disponíveis para criar as condições em termos de incentivos, para termos um mercado moderno e assim conseguir financiar o desenvolvimento, mas também remunerar quem quiser arriscar nesse mercado”.

E o terceiro desafio é o sobreendividamento. O ministro das Finanças sublinhou que a curto prazo não é possível diminuir o peso da dívida, mas que a médio prazo terá de ser estabelecida uma estratégia para baixar uma dívida pública que está nos 130 por cento do PIB. “O que fizemos no passado, recorrer a endividamento acelerado para estruturar o país, foi um descalabro. Mas não vale a pena chorar sobre o leite derramado, temos de encontrar soluções e não repetir os mesmos erros. Endividar hoje para pagar daqui a dez anos é fácil, é só assinar um papel e fazer as obras. A médio prazo é gravoso. Temos passivos contingenciais de um conjunto de empresas públicas, TACV, IFH, Fast Ferry, que têm de ser reestruturadas porque essas empresas estão praticamente em falência técnica. Temos de avançar para alterações radicais, os modelos de negócios vão ser descontinuados, as empresas vão ser reestruturadas e alguns serviços vão ser concessionados e privatizados. Não vale a pena barulhos, não há alternativas em relação a este caminho”, concluiu Olavo Correia.  

Os Títulos do Tesouro representam produtos financeiros emitidos e garantidos pelo Governo, de rentabilidade pré-fixada conforme o prazo determinado para a sua maturidade. Têm como principal objectivo, cobrir a necessidade de financiamento do Estado, bem como, incentivar a poupança e captação de investimento estrangeiro. Porém, representa ainda, um instrumento de política monetária capaz de controlar o nível das taxas de juros, a expansão monetária e consequentemente, a inflação. 

Os Títulos do Tesouro são considerados um dos activos financeiros de menor risco da economia de um País, por se tratar de um compromisso público do Governo, pelo que o risco de incumprimento é muito reduzido ou quase nulo.

 

QUE GARANTIAS?

O Pagamento de juros e reembolso do capital investido são Garantidos pelo Governo de Cabo Verde, através da Direcção geral do Tesouro.

Mínimo para se Investir

Um investidor deverá adquirir no mínimo, um Título do Tesouro, seja ela um BT (Bilhetes do Tesouro) ou uma OT (Obrigações do Tesouro), cujos respectivos valores nominais serão de mil escudos Cabo-verdianos.

 

Riscos e Rentabilidade

O investimento nos Títulos do Tesouro é sinónimo de segurança, estabilidade e rentabilidade. O risco de crédito é praticamente nulo e equivalente ao risco do País. Proporciona uma rentabilidade atractiva e os juros auferidos são isentos de quaisquer impostos e taxas.

Como Investir?

 

No Mercado Primário:

Dirija-se ao seu Banco e preencha o Formulário de Subscrição de BT ou OT, disponível para o efeito.

Deste Formulário deverá constar informações da Conta do Cliente, a descrição do Título (BT ou OT) e a quantidade que pretende investir, entre outras informações.

O Intermediário Financeiro, através da Plataforma de Leilões, irá inserir a ordem de subscrição dada.

Para saber se a sua ordem foi executada com sucesso, consultará o extracto da sua conta bancária onde deverá confirmar o débito, no valor investido, acrescidos dos custos associados à operação.

Poderá ainda, solicitar ao seu Banco, um certificado comprovativo da detenção dos títulos.

 

No Mercado Secundário:

Caso não tenha adquirido os Títulos no Mercado Primário ou queira vendê-los, poderá ainda fazê-lo no Mercado Secundário.

Dirija-se ao seu Banco e dê a sua ordem de compra/venda, de BT ou OT, preenchendo o Formulário destinado a esse efeito, colocando de entre outras informações, a quantidade de títulos e o respectivo preço que pretende comprar/vender.

O Banco, por sua vez irá inserir a ordem no Sistema de Negociação, e esta só será executada existindo compradores/vendedores disponíveis para comparar/vender aquela quantidade e naquele preço.

Executando a ordem, o Banco procederá na conta do comprador, ao crédito dos títulos e débito do valor e, na conta do vendedor, ao débito dos títulos e crédito do valor.

Para confirmar a operação, basta consultar o extracto da sua conta bancária, de onde deverá constar a operação de compra/venda de títulos.

Poderá ainda, solicitar ao seu Banco, um certificado comprovativo da detenção dos títulos.

 

Fonte: Ministério das Finanças

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 824 de 13 de Setembro de 2017. 

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Autoria:Jorge Montezinho,16 set 2017 6:00

Editado porJorge Montezinho  em  17 set 2017 10:48

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