Antigo Governador do BCV prevê crescimento económico de 3,5%

PorJorge Montezinho,3 nov 2017 14:24

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Carlos Burgo não concorda com os números avançados pelo governo e antecipa um crescimento 2 por cento abaixo do projectado pelo executivo.

 

“À luz das mais recentes informações, a minha previsão de crescimento para o corrente ano é de cerca de 3.5%, podendo variar no intervalo de 3.2 a 3.7%. A prevalecer a mais recente tendência evidenciada pelas últimas estimativas publicadas e a verificar-se uma provável aceleração da inflação, o crescimento poderá vir a situar-se próximo do limite inferior do intervalo”, escreveu o antigo governador do Banco Central cabo-verdiano no Facebook. Carlos Burgo junta-se assim aos que olham com mais cautela para as contas do governo, como, por exemplo, o Presidente da República. Ainda na passada quinta-feira, numa conversa com os jornalistas, Jorge Carlos Fonseca afirmou que Cabo Verde terá que “acelerar e correr muito” para alcançar a meta de 7% de crescimento económico, classificando a meta como “muito optimista”, mas dificilmente atingível no mandato do Governo.

“Um crescimento no intervalo 3 a 4% estará em linha com o actual potencial de crescimento da economia”, diz Carlos Burgo. “Apesar da conjuntura internacional favorável, a aceleração do crescimento para níveis superiores a 5% - o anunciado para o OE 2018 é 5.5% - requererá políticas sectoriais adequadas e reformas estruturais eficazes que necessariamente têm um período de implementação e maturação e cujos efeitos só se fariam integralmente sentir a médio prazo”.

Este crescimento significa uma diminuição em relação ao último ano (3.8%) e fica muito aquém da previsão que serviu de base à elaboração do Orçamento de Estado (5.5%) e aquém mesmo da previsão do Banco de Cabo Verde, que no último Relatório de Política Monetária teve uma revisão em alta para 3-4%, indicando que poderia até vir a situar-se num nível próximo do limite superior do intervalo: 4%. 

Ainda segundo o BCV, a recente tendência de desaceleração, visível no seu indicador de investimento, poderá vir a ser contrariada por uma aceleração na execução orçamental e pelos efeitos de políticas adoptadas pelo Governo. Mas, como sublinha Carlos Burgo, “nesta altura, porém, os efeitos mais imediatos da acção governativa sobre a confiança dos agentes económicos estarão já integralmente internalizados. Digno de registo é o facto de as previsões do BCV não incorporarem as últimas informações publicadas pelo INE”, conclui o antigo governador do Banco Central.

E afinal, o que mostram as últimas informações do Instituto Nacional de Estatísticas? As estimativas das Contas Nacionais Trimestrais (CNT) do 2º Trimestre dão conta que nesse trimestre o ritmo de crescimento da economia abrandou de 4% para 3.1% relativamente ao trimestre homólogo do ano anterior. O desempenho da economia foi grandemente penalizado pelo agravamento da contracção da agricultura (-21.3%). Essa evolução da agricultura junta-se à persistência da contracção num outro importante sector da economia: o da Construção (-13.4%) para condicionar negativamente a dinâmica da economia.

Por outro lado, a evolução positiva nalguns sectores foi insuficiente para compensar os efeitos negativos da evolução da agricultura, tanto mais que persistiu a contracção no sector das pescas. Isto tudo, apesar do desempenho positivo dos sectores das Indústrias Transformadoras (11.%) e da Electricidade e Água (31.6%) e, sobretudo, o comportamento do Comércio (3.0%) e dos Transportes (11.6%), dois sectores determinantes para um crescimento sustentável da economia e que vinham experimentando dificuldades.

Analisando com base na evolução num período de 4 trimestres (um ano). Em termos acumulados, o crescimento é de 3.7%. É assim visível a influência negativa da agricultura (-0.8%) no desempenho da economia, por um lado, e por outro, a contribuição positiva das Indústrias Transformadoras (0.8%).

 

Contribuições positivas

Outro dado a registar é que, pela primeira vez desde que começaram a ser publicadas as estimativas das CNT, registam-se simultaneamente contribuições positivas nos principais sectores da economia de serviços – Alimentação e Alojamento (0.6), Comércio (0.4), Transportes (0.4), Serviços Financeiros (0. 4) e Imobiliária e Outros Serviços (0.3). Este facto dever-se-á provavelmente à contínua melhoria da confiança dos agentes económicos.

No entanto, os sectores da Construção (-0.2) e das Telecomunicações e Correios (-0.3) continuam a constituir um arrasto negativo para o crescimento. A redução da produção agrícola e pecuária deve-se essencialmente à aleatoriedade climática. No sector da construção está-se provavelmente num processo de ajustamento da capacidade de produção para um nível mais sustentável. Quanto às Telecomunicações e Correios o problema residirá em grande medida em insuficiências a nível da regulação e da inovação, como aliás ficou patente nos vários trabalhos sobre o sector publicados no Expresso das Ilhas.

Por outro lado ainda, o crescimento continua ainda muito dependente do sector público – Administração Pública (1.0) e Impostos líquidos de Subsídios (0.7%), o que tem de ser tido necessariamente em conta na avaliação do potencial de crescimento, já que não é sustentável que a Administração Pública, de longe o maior sector da economia com um peso de cerca de 17%, continue a expandir-se a um ritmo mais acelerado que o conjunto dos outros sectores, pois trata-se de serviços não mercantis, logo financiados por impostos. Refira-se a este propósito o já elevado nível da carga fiscal na economia cabo-verdiana (mais de 20% do PIB, sem considerar os impostos municipais e as contribuições para a o INPS), ou seja, não há margem para tributar mais para assim conseguir dinheiro para gastar.

Pela primeira vez, o Instituto Nacional de Estatística publicou estimativas do PIB na óptica da despesa. Sabe-se, assim, que o crescimento do PIB deveu-se à procura interna já que a contribuição da procura externa líquida (-11.0) foi negativa por causa do aumento significativo das importações e da simultânea redução das exportações. Esse efeito foi neutralizado pela contribuição do investimento (11.0), restando um crescimento de 3.7%, resultante do aumento do consumo privado (3.6). A contribuição do consumo público é praticamente nula. 

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 831 de 31 de Outubro de 2017. 

 

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Autoria:Jorge Montezinho,3 nov 2017 14:24

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  6 nov 2017 9:48

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