Um continente a crescer, mas muito lentamente

PorJorge Montezinho,27 mai 2018 6:57

​Optimismo, mas sem exageros. A economia africana deve crescer este ano e ainda mais no próximo, muito com a ajuda da subida do preço do petróleo. No entanto, há riscos e desafios pela frente. O principal risco: a elevada dívida pública dos países africanos. O principal desafio: a necessidade de electrificar o continente. Estes são os dados do último Africa’s Pulse, publicação semestral do Banco Mundial.

Prevê-se que o crescimento económico da África Subsariana atinja os 3,1 por cento em 2018 e que a média suba para os 3,6 por cento em 2019-20, segundo o mais recente Africa’s Pulse. Estas expectativas baseiam-se nas análises que apontam para uma certa estabilidade nos preços do petróleo e dos metais, mas também nas suposições que os governos da região vão continuar a implementar reformas para enfrentar os desequilíbrios macroeconómicos e para aumentar o investimento.

“Houve uma recuperação do crescimento na África Subsaariana, mas não com a rapidez suficiente. Ainda estamos longe dos níveis de crescimento pré-crise”, escreve no relatório Albert G. Zeufack, economista-chefe do Banco Mundial para a Região da África. “Os governos africanos devem acelerar e aprofundar as reformas macroeconómicas e estruturais para alcançar níveis elevados e sustentados de crescimento”.

Este ritmo moderado da expansão económica acaba por reflectir a recuperação gradual do crescimento nas três maiores economias da região: Nigéria, Angola e África do Sul. Nos outros países, a actividade económica aumentará em alguns exportadores de metais, à medida que a produção e o investimento em mineração aumentem. Já entre os países que não utilizam recursos intensivos, o crescimento sólido, apoiado pelo investimento em infra-estrutura, continuará na União Económica e Monetária da África Ocidental (UEMOA), liderado pela Costa do Marfim e Senegal. As perspectivas de crescimento também progrediram na maior parte da África Oriental, devido às melhorias registadas no sector agrícola, após as secas, e à recuperação do crescimento do crédito ao sector privado. Na Etiópia, o crescimento continuará alto, na medida em que o investimento em infra-estruturas, liderado pelo governo, continuar.

“Para muitos países africanos, a recuperação económica é vulnerável a flutuações nos preços dos bens e na produção”, sublinha Punam Chuhan-Pole, economista-chefe do Banco Mundial e autor do Africa’s Pulse. “Isso salienta a necessidade dos países construírem resiliência, puxando as estratégias de diversificação para o topo da agenda política”.

Este crescimento moderado projectado para a região tem uma considerável variação entre os países. Entre as maiores economias da África Subsaariana, a Nigéria está a ter uma recuperação na produção de petróleo, mas os desafios contínuos na indústria não petrolífera e nos sectores de serviços pesarão na actividade. As previsões de crescimento para Angola e África do Sul foram revistas ligeiramente em alta. Em Angola, as revisões reflectem a expectativa de que um sistema de alocação de divisas mais eficiente, uma maior disponibilidade de moeda estrangeira devido ao aumento dos preços do petróleo, um aumento da produção de gás natural e uma melhoria do sentimento empresarial ajudariam a apoiar a recuperação da actividade económica. Na África do Sul, espera-se que a desaceleração da inflação e a melhoria da confiança nos negócios ajudem a sustentar a recuperação em curso da procura doméstica, especialmente em investimentos. No entanto, embora as transições políticas tenham aberto oportunidades para reformas em Angola e na África do Sul, cada país enfrenta desafios para traduzir as expectativas de reformas em investimentos e crescimento mais elevados.

O risco

Os níveis de dívida pública na região vêm aumentando desde 2013. Antes, houve um período de declínio e estabilidade principalmente devido ao Programa País Altamente Endividado e às Iniciativas Multilaterais de Alívio da Dívida, que representou mais de 100 biliões de dólares. Os principais impulsionadores do recente aumento da dívida pública em relação ao PIB são os crescentes défices fiscais e a depreciação das taxas de câmbio, especialmente nos países exportadores de bens. O desempenho económico mais fraco também contribuiu para o aumento da dívida pública em relação ao PIB. Os riscos de sustentabilidade da dívida na região aumentaram significativamente nos últimos anos. Em Março deste ano, eram 18 os países com alto risco de sobreendividamento, entre eles está Cabo Verde. Há cinco anos, eram só oito os países com alto risco de sobreendividamento.

No fundo, a análise dos Africa’s Pulse mostra que, em média e desde 2009, os países da região têm níveis de arrecadação de impostos que não conseguem cobrir os gastos dos estados. Ao mesmo tempo, os pagamentos de juros são maiores do que as receitas não tributárias, contribuindo para um défice no saldo primário e global do governo. Os principais contribuintes para as receitas fiscais e para o aumento no período pós-2009 são os impostos sobre bens e serviços entre países não-ricos em recursos e impostos sobre rendimentos, lucros e ganhos de capital para países ricos em recursos. Por um lado, dada a sensibilidade à actividade económica, uma desaceleração do crescimento pode estar associada a um abrandamento mais do que proporcional na arrecadação desses impostos. Por outro lado, as despesas com bens e serviços, bem como a remuneração dos funcionários, são os maiores componentes das despesas não relacionadas com juros na região.

A partir de 2013, a dinâmica e a composição da dívida pública mudaram significativamente. A dívida pública aumentou de uma média de 37% do produto interno bruto (PIB) em 2013 para 56% em 2016, com mais de dois terços dos países a experimentarem um aumento de mais de 20 pontos percentuais. A composição da dívida pública também mudou, afastando-a das tradicionais e aproximando-se de novas fontes de dívida. Por exemplo, a parcela de empréstimos concessionais e multilaterais está em clara tendência de queda e a dívida externa baseada no mercado emergiu como uma nova fonte de financiamento para vários países de rendimento médio-baixo. Embora as emissões de títulos internacionais permitam aos países diversificarem a sua base de investidores e complementarem o financiamento multilateral e bilateral, os grandes reembolsos, a partir de 2021, constituem um risco significativo de refinanciamento para a região. O relatório destaca também os aumentos da dívida pública em alguns pequenos estados, atingindo níveis próximos ou acima de 100 por cento do PIB (Cabo Verde, Gâmbia e São Tomé e Príncipe).

O desafio

O número 7 dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável é: “assegurar o acesso à energia acessível, confiável, sustentável e moderna para todos”. De acordo com esta meta, muitos países em desenvolvimento da África Subsaariana fizeram do investimento na electrificação nacional um elemento-chave das estratégias nacionais de desenvolvimento económico. Mas o cenário ainda não é o mais animador. O acesso à electricidade na África Subsaariana é o mais baixo do mundo, com uma média de 42 por cento em 2016, e o consumo de energia da região é igualmente dos menores do mundo (por exemplo, toda a região consome per capita apenas 4 por cento do consumo per capita norte-americano), um indicador da baixa capacidade industrial do continente (como já mostraram outros estudos, a economia africana passou da agricultura para os serviços sem ter passado por uma fase industrial). Há um terceiro factor a ter em conta, a região só utiliza cerca de 40 por cento da capacidade eléctrica instalada, o que mostra a ineficiência do sector. A estas questões têm de somar-se os preços mais elevados do mundo, os constantes cortes de energia e os custos que estes dois fenómenos acrescentam às forças produtivas da região.

Esta edição do Africa’s Pulse tem um foco especial no papel que a inovação terá na aceleração da electrificação da África Subsaariana e as respectivas implicações para se conseguir alcançar um crescimento económico inclusivo e a redução da pobreza. O relatório conclui que alcançar a electrificação universal exigirá uma combinação de soluções envolvendo a rede nacional, bem como “mini-redes” e “micro-redes” que sirvam pequenas concentrações de utilizadores de electricidade. Além disso, melhorar a regulamentação do sector eléctrico e uma gestão mais eficiente dos serviços públicos continuam a ser apontadas como as chaves do sucesso.

Apesar dos avanços, há ainda muitos desafios que permanecem. Há sectores que ainda precisam de recuperar, numa região onde a transformação estrutural é ainda lenta. A disponibilidade de empregos dignos não acompanhou o número dos que ingressaram na força de trabalho e os encargos da dívida pública estão a aumentar, fazendo crescer os riscos de sustentabilidade. E a pobreza é ainda generalizada. Apesar do crescimento do PIB per capita da região se tornar positivo em 2018, continuará insuficiente para reduzir significativamente a pobreza e o número de pessoas que vive com 1,90 dólares por dia diminuirá apenas ligeiramente.


Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 860de 23 de Maio de 2018.

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Autoria:Jorge Montezinho,27 mai 2018 6:57

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  28 mai 2018 10:11

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