O Instituto Tricontinental de Pesquisa Social - uma instituição internacional norteada pelos movimentos populares e políticos da Ásia, Africa e América Latina, e que tem como objectivo promover o pensamento crítico e estimular o debate intelectual - lançou nesta quarta-feira (8) o dossiê “Soberania de Recursos: a agenda para que a África saia do Estado de Saque”. O documento esmiúça como empresas multinacionais de mineração exploraram o continente africano nas últimas décadas e quais foram os impactos para a região.
Segundo o relatório, desde a época colonial, o continente tem sido usado como fonte para extracção de matérias-primas. Essa exploração mineira que durou vários anos, tornou o continente dependente das exportações resultantes dessa mineração, o que acabou por implicar um reduzido investimento na indústria “ou mesmo a desindustrialização precoce em diversos países da África”.
O jornal Brasil de Fato, que divulgou a publicação, diz que o documento avança que a intensificação das explorações no continente ocorreu a partir da crise da dívida dos anos 1980.
“Como consequência do período, a África, que tentava proteger suas matérias-primas e conquistar melhores acordos comerciais, perdeu seu poder de barganha e passou a ser pressionada por instituições financeiras internacionais e por empresas transnacionais”.
Ainda conforme aquele online o relatório traz dados de como a exploração ocorreu de forma predatória após a flexibilização dos acordos comerciais.
“Dos 5,2 bilhões de dólares em ouro exportados por empresas de mineração estrangeiras em Gana, o governo recebe apenas 68,6 milhões de dólares em pagamentos de royalties e 18,7 milhões em impostos sobre a renda das empresas. Em outras palavras, o governo recebe menos de 1,7% dos retornos globais de seu próprio ouro. […]”.
Com base na mesma análise o documento conclui que a parcela da riqueza que vai para as comunidades directamente impactadas pela mineração é de 0,11%.
Segundo o texto o desenvolvimento regional foi negativamente impactado o que gerou “o colapso da produção industrial antes que ela se integrasse à economia. Se a indústria não se desenvolve, então a classe política recua e obtém recursos por meio de exportação de matérias-primas. As economias domésticas retrocederam, o emprego produtivo e mobilização de recursos encolheram e a demanda agregada caiu”.
O relatório lembra que a maioria dos problemas de África são atribuídos à má governança e fragilidade das instituições quando muitos deles são consequência desse processo exploratório.
“Não é a ‘corrupção’ dos funcionários do governo que traz a Gana apenas 1,7% das receitas do ouro para os cofres do Estado. Todo o sistema foi estabelecido desde os anos 1980 para forçar os países a dependerem das exportações de matéria-prima e se tornarem dependentes de compradores estrangeiros é o que deixa nações como Gana com uma quantidade tão minúscula da riqueza retirada de suas terras”, cita o jornal.
O estudo diz ainda que a estrutura criada enfraquece as capacidades domésticas e o planejamento económico democrático e participativo “que é o que melhor pode assegurar a responsabilidade e a eficácia do Estado”.
Como soluções para melhorar a situação económica do continente o dossiê sugere replicar o que fazem os países ricos: “em momentos de alta no preço das commodities, países ricos geralmente criam Fundos de Riqueza Soberana (FRS). Essa espécie de poupança serve como reserva para momentos de queda nos preços”. E aponta a Noruega como um exemplo de país que aplica essa medida.
Para os países mais pobres manter esses fundos é um desafio. Angola é um dos casos de países africanos que conseguem ter um FRS mas investe em títulos financeiros. O estudo lembra que países que optaram por essa via “perderam muito” com a iniciativa.
“Estados como Angola e Nigéria poderiam ter feito investimentos directos na produção através de bancos de desenvolvimento. Esses bancos forneceriam crédito para cooperativas agrícolas, industriais e outras iniciativas que gerassem emprego e bens e serviços para satisfazer necessidades reais”, cita o Brasil de Fato.
O dossier do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social aponta ainda como saída para os problemas de África, “a completa nacionalização de minas ou incluir reformas mais brandas, como a imposição de impostos mais altos a empresas estrangeiras. Também poderia incluir um salário mínimo mais alto para os trabalhadores, o que se traduziria em uma maior parcela de recursos advindos da actividade mineradora permanecendo nas comunidades onde estão essas riquezas”.