O objectivo da Mara Phones – que integra o universo Mara Group, com sede no Dubai – é produzir equipamentos de qualidade a preços acessíveis. Mercado não falta, já que o segmento móvel não pára de crescer e cada vez mais africanos têm um smartphone no bolso. Estima-se que em 2021 possam existir acima de 900 milhões de dispositivos no continente, algo a que não será indiferente o facto de 77% dos africanos terem menos de 35 anos.
Mais do que um dispositivo capaz de fazer e receber chamadas, o telemóvel é desde há muito uma ferramenta multifuncional. Isso é particularmente relevante em África, onde o aparelho é muitas vezes a forma mais prática (e até viável) de transferir dinheiro, fazer pagamentos ou aceder a serviços públicos, permitindo levar soluções tecnológicas e de comunicação a geografias remotas.
A 7 de Outubro, na Zona Económica Especial situada a poucos quilómetros da capital do Ruanda, o presidente Paul Kagame inaugurou uma das fábricas da qual estão a sair os modelos Mara X e Mara Z.
“Os Mara Phones são testemunho do nosso compromisso em assegurar que, como africanos, produzimos e consumimos os nossos próprios produtos, sem comprometer os padrões internacionais”, disse na ocasião o CEO da empresa, Ashish Thakkar.
A poderosa China já tinha percebido o significado e alcance do mercado africano de telemóveis, com uma oferta ajustada à realidade local. A Transsion antecipou-se à concorrência e desenvolveu produtos económicos – com um catálogo que começa abaixo dos 10 mil escudos – mas sem descurar as funcionalidades esperadas pelos utilizadores, inclusive a muito popular possibilidade de usar dois cartões SIM, de duas operadoras diferentes.
Em 2018, a gigante chinesa vendeu 124 milhões de telemóveis em todo o mundo. Em África, as suas marcas Tecno, Infinix e Itel representam 54% do mercado local de smartphones.
É esta experiência que a Mara Phones procura agora reproduzir, com produtos de gama média e média-baixa, a preços entre os 13 mil (Mara X – Mediatek MT6739, 16GB de ROM, 1GB de RAM, câmara de 13MP) e os 19 mil escudos (Mara Z - Snapdragon 435, 32GB de ROM, 3 GB de RAM, câmara de 13MP).
Ao Expresso das Ilhas, Rona Kotecha, directora da tecnológica, é categórica ao garantir “telemóveis de alta qualidade”.
“Smartphones com um som excepcional, resistentes e com sistema operativo da Google. São smartphones de alta qualidade, produzidos em África, por africanos, para África e para o mercado global”, afirma.
Os Mara foram projectados em conjunto com a gigante de Cupertino, como parte do programa Android One. Nem todas os componentes têm produção local, mas o mais importante – motherboard e sub-boards – sai das recém-inauguradas fábricas no Ruanda ou na África do Sul.
Kotecha não tem dúvidas sobre o potencial do continente no mercado global de tecnologia. “O continente pode produzir produtos de alta-qualidade”, defende.
Avaliado em 200 milhões de dólares, o investimento contou com o apoio institucional do governo ruandês.
“O Ruanda tem um ambiente propício para que as empresas iniciem e cresçam”, explica a directora da Mara Phones.
No último relatório Doing Business, do Banco Mundial, que mede a facilidade de se fazer negócio num determinado país, o Ruanda surge na posição 38, em 190 países (Cabo Verde é 137º). O país ocupa o lugar 100 no Índice Global de Competitividade 2019 (Cabo Verde é 112º), uma melhoria de oito posições face a 2018.
Para o economista Joseph Martial Ribeiro, a chegada ao mercado dos smartphones ruandeses é um novo marco na “narrativa positivamente discordante” apresentada no pós-genocídio de 1994.
“Os aparelhos terão uma maior proporção de componentes fabricados localmente, ou seja, uma maior apropriação da cadeia de valor. Desta forma, haverá um processo de transferência tecnológica amplificado e criação de empregos qualificados”, destaca.
As aspirações do país de Kagame são mais vastas. Em 2018, a Volkswagen inaugurou a primeira fábrica no país e há duas semanas anunciou com a Siemens uma aposta na mobilidade eléctrica, prevendo ter a circular 50 eGolfs no prazo de alguns meses. Nos arredores da capital, o projecto Kigali Innovation City (KIC) garantiu em Agosto um financiamento de 400 milhões de dólares, através do projecto África50. Espaço de desenvolvimento tecnológico, o KIC espera atrair investimento directo estrangeiro na cifra dos 300 milhões de USD e gerar exportações anuais fixadas na casa dos 150 milhões.
“De forma geral, os investidores estrangeiros dizem-se atraídos pela disponibilidade de mão-de-obra qualificada e não dispendiosa, uma postura anticorrupção muito forte por parte das autoridades e uma economia que cresceu a 8% entre 2001 e 2015, o que significa cada vez mais poder de compra no seio da população local”, analisa Martial Ribeiro.
Ao fazer a ponte entre Ruanda e Cabo Verde, o economista defende uma aposta nacional no mercado externo, capaz de contrariar a reduzida dimensão da economia nacional.
“Dada a qualificação da força laboral e a sua posição geográfica, Cabo Verde tem condições para encontrar sucesso na produção e exportação de tecnologia”, estima.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 938 de 20 de Novembro de 2019.