“Durante o ano de 2021, em plena pandemia, através do mercado de capitais, foram mobilizados para o financiamento da economia um montante nunca antes visto em Cabo Verde”, disse Miguel Monteiro, em conferência de imprensa, na cidade da Praia, para fazer o balanço do ano passado e perspectivar 2022.
Segundo o responsável, em 2021 o volume de operações de financiamento no mercado primário atingiu o valor de cerca de 25 mil milhões de escudos, mais cerca de 10 mil milhões de escudos, correspondendo a 68% face a 2020.
Grande parte dos recursos mobilizados para a economia cabo-verdiana em 2021 foi através da emissão de títulos de tesouro.
“Face às medidas de combate aos efeitos da pandemia, a bolsa de valores apresentou-se como alternativa de financiamento ao Governo de Cabo Verde”, sublinhou Miguel Monteiro, referindo que em pouco mais de cinco meses a bolsa realizou quatro operações de financiamento a entidades distintas.
“É de notar que este foi o segundo melhor ano de sempre em termos de emissão de empréstimos obrigacionais na BVC. O melhor tinha sido em 2010, em que houve seis”, comparou Monteiro, prevendo realizar mais de 10 operações obrigacionistas durante este ano.
Quanto ao mercado secundário, que alberga as transacções de títulos entre investidores, o presidente da bolsa notou que no ano passado “foi mais dinâmico”, tendo sido realizadas 120 operações, num montante global de cerca de 932 mil milhões de escudos, valor superior em 14 vezes a 2020.
Relativamente às operações realizadas na central de liquidação e custódia (CLC), onde são processados eventos corporativos, como juros, reembolsos e dividendos, avançou que foram realizados 399 eventos relativos ao processamento de juros em 2021, num montante de cerca de 3,5 mil milhões de escudos.
Em relação aos reembolsos, a CLC realizou 59 eventos, num montante de 14,6 mil milhões de escudos, o que representa um aumento de 53,8% face ao ano anterior.
No que concerne à distribuição de dividendos, foram realizados dois eventos durante o ano findo, sendo um com a Sociedade Cabo-verdiana de Tabacos e outro com o Banco Comercial do Atlântico.
Por tudo isto, o presidente da bolsa considerou que 2021 foi “o melhor ano de sempre” no mercado de capitais em Cabo Verde, confirmando que a instituição está a cumprir com o seu papel em termos de financiamento à economia e na estratégia de maior aproximação aos agentes económicos.
“Esta aproximação resulta, e vai resultar ainda mais num médio e longo prazo, em um maior conhecimento do mercado de capitais, maior utilização por parte dos investidores e de quem precisa de recursos na bolsa”, salientou, destacando a importância do conhecimento do funcionamento, dos produtos e das vantagens em recorrer à bolsa.
Para este ano, a Bolsa de Valores de Cabo Verde vai rever o regulamento para diminuir os custos de acesso ao mercado, permitindo que empresas de menor dimensão possam aceder ao mercado de capitais no arquipélago.
“E isso vai aumentar o número de empresas que podem recorrer ao mercado de capitais para financiar-se. E assim estaremos a cumprir com este desígnio de estarmos a servir a economia real de uma forma sustentável”, explicou.
Ainda este ano, Miguel Monteiro garantiu que será marcado pela “implementação efectiva” da plataforma Blu-X, que tem como objectivo promover o financiamento do desenvolvimento sustentável em Cabo Verde, em particular da economia azul.
“Será um ano de demonstração do papel central da bolsa na recuperação da economia, com a promoção de novos produtos e serviços, com destaque para o papel comercial, desmaterialização de títulos, ‘diáspora bond’, fundos de investimentos, entre outros”, enumerou.
Capitalização recorde
A capitalização da Bolsa de Valores de Cabo Verde aumentou 12,89% em 2021, face a 2020, atingindo, também aqui, um valor recorde de 92 mil milhões de escudos.
“Acreditamos que este sucesso em muito se deve à nova política de aproximação dos agentes económicos”, explicou Miguel Monteiro, lembrando que entre Junho e Dezembro de 2021 foram realizados mais de 50 encontros personalizados com os principais agentes económicos do país, mais de 40 acções de formação em educação e literacia financeira.
Ainda em 2021, Miguel Monteiro avançou que a BVC lançou concursos para universitários e jornalistas e esteve presente em diversos eventos nacionais, regionais e internacionais, tudo enquadrado no Plano Estratégico 2021-2025.
A Lusa noticiou há um ano que no terceiro trimestre de 2020 a capitalização bolsista (aproximação do valor de mercado das empresas e títulos) da BVC chegou aos 79.930 milhões de escudos, um crescimento de 4% face ao terceiro trimestre de 2019.
Nessa altura, a capitalização da bolsa de Cabo Verde passou a equivaler a cerca de 41% do Produto Interno Bruto (PIB) do arquipélago, ainda sem considerar o valor do PIB que sofreu o impacto da covid-19.
A capitalização da bolsa tem registado valores máximos consecutivos e um crescimento de 12,5% de 2016 a 2019, segundo dados noticiados anteriormente pela Lusa.
Ainda segundo a BVC, em 30 de Junho de 2020 estavam admitidos à cotação no mercado de cotações oficiais da bolsa cabo-verdiana um total de 1.860 títulos, 174 dos quais eram títulos do tesouro, seis eram obrigações ‘corporate’, duas eram obrigações municipais e quatro referentes a ações ordinárias de empresas.
A Bolsa de Valores de Cabo Verde foi criada em Maio de 1998 e conta ainda com quatro empresas cotadas, nomeadamente o Banco Comercial do Atlântico (BCA, detido pelo grupo Caixa Geral de Depósitos), a Caixa Económica, a Enacol e a Sociedade Cabo-verdiana de Tabacos (SCT).
Os accionistas da Cabo Verde Telecom (CV Telecom) aprovaram em 2018 a entrada da empresa em bolsa, que ainda não se concretizou.
10 empresas cotadas
Durante a conferência, Miguel Monteiro sugeriu a redução para menos de metade do valor de capital mínimo exigido e ter pelo menos 10 empresas cotadas na bolsa em 2025.
O presidente da BVC apontou que neste momento Cabo Verde está a ser prejudicado no índice Doing Business (fazer negócios) do Banco Mundial, em que o país ocupava o 127.º lugar em 2018, num universo de 180 países, porque os países com bolsa de valores têm de ter pelo menos 10 empresas cotadas.
“E naturalmente nós pensamos que a bolsa de valores deve desempenhar esse factor de tentar ajudar o país a conseguir atingir esse desígnio de chegar às 10 empresas cotadas, no sentido de estarmos melhor colocados em termos do índice Doing Business”, traçou.
O presidente disse que um dos aspectos que dificulta a entrada de mais empresas na BVC são os critérios, em que, por exemplo, têm de ter no mínimo um capital próprio de 100 milhões de escudos.
“Nós consideramos que, face à realidade do país, estamos a pensar que, eventualmente, seria de bom tom diminuir esse critério”, sugeriu, dando conta que há muitas empresas no país, que dão lucro, são dinâmicas e têm futuro, mas que não podem estar cotadas na bolsa porque por não atingirem esse capital mínimo exigido.
O dirigente deu como exemplo as bolsas de Angola, Moçambique, Geórgia, Maurícias e Seychelles, em que nenhuma delas tem valores superiores a 50 milhões de escudos como exigência para as empresas serem cotadas.
“Só por isso, dá uma ideia de que o valor, eventualmente, deverá ser abaixo de 50 mil contos”, continuou, exemplificando que, das bolsas estudadas, o valor que se aproxima da exigência cabo-verdiana é a Euronex, em Lisboa, que tem um valor de 110 milhões de escudos.
Nos restantes países, disse, a maior parte anda à volta dos 40, 30, 20 milhões de escudos de capital próprio para as empresas poderem entrar na bolsa de valores.
O presidente avançou que tem estado a abordar neste sentido a Auditoria Geral do Mercado de Valores Mobiliários (AGMVM), criada na dependência do Governador do Banco de Cabo Verde (BCV), e que é o serviço responsável pela supervisão do mercado de valores mobiliários e instrumentos financeiros.