Entrevista a Adalgiza Vaz, Secretária de Estado do Fomento Empresarial.
Começamos pelo Plano de Retoma da Economia, assente numa linha de crédito de 9 milhões de contos. Quando estará disponível para os empresários?
O plano ainda não foi operacionalizado. Acabámos de realizar um encontro com todas as instituições financeiras para podermos definir os mecanismos para melhor utilizar e operacionalizar essa linha. As linhas serão operacionalizadas em finais de Março.
Falaram com os empresários, presumo.
Claro. Ao assumir as funções de secretária de estado para o fomento empresarial, o primeiro processo que me foi transferido pelo vice-primeiro-ministro foi uma exposição das câmaras de comércio do Sotavento e do Barlavento relativamente às propostas que fizeram ao governo para o melhor acompanhamento da situação das empresas e para mitigar o efeito da covid. E foi com base nessa exposição do sector privado que renovámos por cinco vezes as moratórias e por cinco vezes o lay-off até Dezembro de 2021, a data que acordámos em sede de concertação social. Temos sempre tido um diálogo com a classe empresarial e definimos o plano tendo como base os instrumentos disponíveis e tentando não excluir empresas de nenhuma dimensão, por isso avançamos com proposta de linhas de crédito desde microempresários até empresas de grande dimensão. E temos também avançado com uma abordagem integrada do lado da oferta de financiamento, do lado da procura de financiamento e do lado dos actores do fomento empresarial.
O que traz este plano de transformador?
Em particular, as condições que negociámos com os bancos. No encontro, que referi antes, todas as instituições financeiras reiteraram a sua adesão ao plano de retoma e nas condições que anunciámos, ou seja, taxas de juro de 3,5% para apoio à tesouraria e crédito ao investimento num prazo de 10 anos, com um período de carência de seis meses, o que vai permitir às empresas diferirem o período de pagamento e com a garantia da Pró-Garante, num montante de 5 milhões de contos e aval do Estado para o montante de 4 milhões de contos, no que diz respeito a crédito para empresas de maior dimensão. Essas condições de financiamento distinguem o plano. Nunca foram aplicadas condições tão vantajosas para o apoio a empresas no âmbito de um pacote com intervenção do Estado.
De qualquer maneira, agora é preciso também o lado das empresas, têm de mostrar planos sólidos.
Exactamente. Porque nós vamos partilhar os riscos com os bancos. Cabe aos bancos seleccionar as empresas e fazer uso dessas facilidades que o Estado está a colocar à disposição dos bancos e que não se limita apenas a instrumentos financeiros, temos também outros instrumentos de apoio não financeiros através da Pró-Empresa, que poderá acompanhar as empresas na fase de elaboração dos planos de negócios, e temos também parceiros internacionais que poderão também disponibilizar facilidades para preparação de projectos de maior dimensão: o BAfD [Banco Africano de Desenvolvimento], a Sociedade Financeira Internacional [membro do grupo Banco Mundial], entre outros parceiros.
As empresas em Cabo Verde já não estavam a passar dificuldades antes da pandemia?
As empresas estavam a passar por dificuldades, mas surpreendentemente, antes da pandemia começámos a registar a diminuição do crédito em incumprimento no sistema, o que significa que, apesar das dificuldades, as empresas fizeram um esforço para honrar os seus compromissos com os bancos. De sublinhar ainda que, no âmbito do ecossistema, o Estado facilitou a concessão de crédito no montante de cerca de 2 milhões de contos, desde 2018, e até esta data registamos apenas um caso de acionamento da garantia de mil contos. O que significa, novamente, que as empresas estão a cumprir e os bancos estão a demonstrar qualidade de análise de crédito. É um sistema bancário que demonstra uma certa maturidade na gestão do crédito com garantia do Estado.
Quando as empresas antes falavam de uma série de problemas, o maior de todos o acesso ao crédito. O que a senhora secretária de estado me está a dizer é que afinal não havia assim tantos problemas como eram sistematicamente referidos?
O que posso dizer é que em todos os países há sempre essa questão: da dificuldade de acesso ao financiamento. Mas em Cabo Verde, posso garantir, que a partir de 2017, com apoio do Banco Mundial, lançámos o projecto de melhoria de acesso de financiamento, que permitiu ao governo atacar, ou apresentar propostas, para eliminar as falhas do mercado, tanto ao nível da procura do financiamento, como da oferta do financiamento.
E isso traduziu-se em quê?
Na procura, com base no diagnóstico que foi feito, os bancos justificaram a aversão ao crédito, nomeadamente às pequenas e médias empresas, como resultado da baixa qualidade dos planos de negócio, da falta de garantia e da insuficiência de capitais próprios. Com base nesse diagnóstico, em 2017, o governo, com assistência financeira do Banco Mundial, criou o ecossistema de financiamento da economia, com a concepção da Pró-Empresa, para responder à insuficiência detectada pelos bancos em relação à qualidade dos planos de negócios, com a Pró-Empresa a ter todo um pacote de assistência às empresas para puderem submeter aos bancos planos de negócios de qualidade. Criámos também a Pró-Capital para responder a outra falha do mercado, a insuficiência de capitais próprios, que permite à Pró-Capital comprar acções das empresas, que demostrem interesse, como é evidente. E por último, criámos a Pró-Garante para gerir um Fundo de Garantia que permite ultrapassar a limitação em termos de risco das pequenas e médias empresas.
Os bancos estão hoje também mais preparados para apoiar o empreendedorismo? Até porque a banca cabo-verdiana era bastante conservadora nos riscos.
Estamos a registar, e isso já consta dos relatórios do Banco de Cabo Verde, o aumento do crédito em cerca de 5 por cento. Isso demonstra que os bancos têm feito um esforço para responder aos instrumentos que o governo definiu para estimular a actividade de crédito do sistema bancário.
Quais deverão ser as apostas das empresas nacionais para se prepararem para os novos tempos?
As empresas não podem fazer o mesmo com mais. O que estamos a fazer, no âmbito do plano de retoma, é a direccionar indirectamente as empresas para a economia digital, para a transição energética e para a diversificação do sector de actividade. Entendemos que o governo tem uma visão no âmbito da Agenda 2030 para diversificar a economia, tendo já selecionado os sectores prioritários: a economia azul, a economia digital, ou no sector dos serviços com a plataforma aérea.
Li um texto da senhora secretária de estado, em que defendia a economia azul, mas na prática quando é que o sector vai começar a funcionar em Cabo Verde?
Já temos as condições. Criámos a Zona Económica Especial, em São Vicente, em termos legais já temos o quadro e os incentivos e já começámos a registar interesse de investidores externos nesse sector, principalmente na gestão portuária, no transhipment [transbordo num destino intermediário], bunkering [fornecimento de combustível aos navios] e já é uma realidade a aquacultura em São Vicente.
Na sua opinião, quais são as principais fragilidades em que Cabo Verde deve focar-se para superar os problemas do desenvolvimento económico?
Prefiro falar nas forças e dizer que Cabo Verde deve tirar proveito do seu soft power, a sua credibilidade internacional, a sua estabilidade, a transparência da sua política económica e todo o esforço que tem sido feito na atração e, cada vez mais, na retenção do investimento externo. Temos de identificar os sectores que neste momento poderão atrair o investimento externo, tirando também proveito dos mercados em que estamos inseridos a nível regional e internacional, assim como tirar proveito dos acordos comerciais já negociados.
Já temos falado do empreendedorismo, até porque este plano, como referimos, está direcionado para a economia digital, para os jovens, mas sabemos que empreender não é fácil e muitas destas novas empresas acabam num espaço de tempo curto. Há o cuidado de preparar os empreendedores para falharem? Para lidarem com o fracasso e recomeçarem?
É por causa disso que a Unidade para a Competitividade está, há cerca de 2 ou 3 anos, com o apoio do Banco Mundial, a finalizar todo o regulamento para a lei da insolvência. Quando falamos do fomento empresarial temos de ver a empresa num ciclo: criação, desenvolvimento e, caso haja, liquidação. E temos de ter respostas para todas estas fases. Nesse sentido tem havido uma intensa actividade para podermos apresentar um quadro legal que facilite a entrada, mas também a saída das empresas.
Qual é a sua visão para o futuro do fomento empresarial?
É uma visão optimista, porque posso aqui sublinhar que foi com muita satisfação, e até alguma emoção, quando apresentamos em Sede de Concertação Social o plano de retoma, que vi as duas maiores centrais sindicais a oferecerem-se para divulgar o plano de retoma e para terem um papel activo na formação profissional. O que significa que o fomento empresarial deixa de ser apenas uma responsabilidade do governo. Todos os actores se têm posicionado como parceiros e isso é muito encorajador.
Acha então que começam a reunir-se as condições para que o Estado se possa retirar? Ir acabando com todos os apoios à economia? Ou ainda é cedo?
O Estado não vai retirar-se dos apoios à economia. O Estado elegeu o sector privado como o motor de desenvolvimento e tem, continuamente, garantido as condições para que isso venha a acontecer. O que o Estado está a fazer é a retirar-se da actividade produtiva, para a poder transferir para o sector privado. Por isso é que no plano de retoma apresentamos um quadro, nesta fase e no contexto actual, para partilhar com a sociedade civil o montante de investimento em curso para poder acompanhar os investimentos privados. O Estado vai acompanhar continuamente, e é por isso que consta na nova orgânica do ministério das finanças e do fomento empresarial dois conselhos nacionais que criámos – o do desenvolvimento do sector privado e do desenvolvimento do sector financeiro – ou seja, institucionalizamos o diálogo com o sector privado e o plano de retoma tem uma ferramenta essencial, o mecanismo de acompanhamento, porque é um plano que queremos dinâmico, vamos reajustando, acompanhando, absorvendo, com os subsídios da classe empresarial, das associações financeiras, ou seja, o governo quer acompanhar sempre e não poderia dar melhor sinal do que a criação da secretaria de estado do fomento empresarial (risos).
Estamos a atravessar um período económico complicado e incerto, tanto a nível interno como externo – a pandemia, os preços dos alimentos, os transportes – das suas análises, quando começaremos a voltar a uma certa normalidade?
As projecções nacionais e das instituições nacionais e internacionais apontam 2023 como o ano em que voltaremos ao PIB de 2019. Isto antes do conflito na Ucrânia.
Mesmo a pandemia ainda está aos altos e baixos, melhora, depois regressa. Sendo a senhora secretária de estado uma defensora da diplomacia económica, como a conseguem pôr em prática com todas estas limitações às viagens? Fazem à distância?
Exactamente. Essa diplomacia económica continua. Ainda em Dezembro acompanhei o ministro dos negócios estrangeiros ao Médio Oriente, aos Emirados Árabes Unidos, onde realizamos o fórum de investimento, no Dubai, e na sequência desse fórum países do Médio Oriente já começaram manifestar o interesse em investir em Cabo Verde. Ainda há duas semanas recebemos, através da Embaixada da Arábia Saudita em Dakar, a manifestação de interesse de investidores sauditas que querem identificar sectores de investimento no arquipélago.
Acha que as empresas nacionais vão sair desta crise mais robustas? Ou seja, será uma espécie de separação das águas em que as que fecharem tinham mesmo de fechar e as que continuam é porque são as melhores?
Isso é o ciclo normal do negócio. Mas o que estamos a fazer é introduzir medidas, definir novos instrumentos, para mitigar os efeitos da crise provocada pela pandemia. Acreditamos que estamos a assegurar uma transição suave para as empresas.
Uma visão optimista do futuro, portanto.
É um acreditar. Estamos confiantes porque estamos a reunir consensos ao nível da classe política, dos parceiros sociais, das instituições financeiras e da classe empresarial. Estamos todos alinhados com o plano de retoma.
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Perfil da secretária de estado do fomento empresarial
Adalgisa Barbosa Vaz é licenciada em Ciências Económicas e Planeamento, pós-graduada em Desenvolvimento Económico e Planeamento e Mestre em Banca e Finanças internacionais.
Foi Administradora Suplente do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), Presidente do Conselho de Administração da Pró-Capital – Sociedade Capital de Risco, Presidente do Conselho de Administração da Sociedade de Desenvolvimento Empresarial, Assessora Especial do Vice Primeiro-Ministro e Ministro das Finanças, Consultora Nacional e Internacional nas Áreas de Micro-finanças, Planeamento Estratégico e Banca.
Foi, também, Administradora Financeira do Sambala Investimentos, Administradora Executiva do Banco Interatlântico, Administradora Executiva e Presidente do Conselho de Administração da Caixa Económica de Cabo Verde. Desempenhou, ainda, as funções de Project Officer no Escritório da UNICEF, cidade da Praia, e responsável pelos sectores de Agricultura, Recursos Hídricos e Pescas do Ministério do Plano e da Cooperação Internacional.
Foi, também, Presidente da Comissão de Vencimentos do Banco de Cabo Verde e Presidente da Comissão de Remunerações da Autoridade Reguladora das Aquisições Públicas (ARAP).
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1057 de 2 de Março de 2022.