“Para onde vai o turismo? Onde queremos ir? E como chegamos lá?”. Em Cabo Verde, a ilha do Maio foi escolhida para palco das actividades. Da cidade de Porto Inglês o presidente do Instituto do Turismo, Humberto Lélis, falou com o Expresso das Ilhas sobre o presente e o futuro do sector no arquipélago.
Que balanço podemos fazer, até ao momento, deste ano turístico?
Passámos por uma crise – a pandemia da covid – que impactou tremendamente na dinâmica económica do país, onde o turismo representa 25 por cento do PIB, cerca de 20 por cento dos empregos, é o sector que contribui de maneira muito significativa para a balança de pagamentos do país e, por isso, passámos por momentos de aflição. Entretanto, houve pacotes de apoio às empresas e aos trabalhadores e temos de fazer uma leitura dinâmica desses programas do governo, porque acabaram por contribuir para que o país fosse criando condições para a retoma turística.
Ou seja, sem essa ajuda, não haveria o turismo que há hoje?
Sem essa ajuda estaríamos numa situação social mais complicada. O turismo desenvolve-se e evolui em contextos de coesão social. Portanto, os apoios foram determinantes e isto sem falar das melhorias que houve na saúde. Em relação ao turismo, com satisfação registamos uma dinâmica boa. Até Junho conseguimos atingir 71 por cento dos indicadores de 2019, o que é bom, uma vez que toda a programação de 2022 foi construída no sentido de atingir 50 por cento de 2019. Portanto, o Verão correu muito bem. Ainda não temos dados de Setembro, mas para Julho e Agosto também pensamos que estarão ao mesmo nível de Junho, ou mesmo acima.
Como acha que será a próxima época alta, quando sabemos que a economia global continua a atravessar um período delicado?
A questão que me coloca, a julgar pelas informações que temos e por vários encontros que temos tido com vários operadores turísticos, faz-nos ter razões para estarmos crentes quanto a um bom período de uma boa época alta, ou seja, a que começa em finais de Outubro e vai até ao mês de Abril. Aliás, com este Verão que tivemos, posso dizer que foi quase uma época alta.
Acha que esta dinâmica de Verão também se deveu à vontade que as pessoas tinham de viajar depois destes dois anos de confinamento?
Sem margem para dúvida. Isto resulta dessa vontade de querer voltar a viajar. O turismo é um fenómeno extraordinário. O turismo vive da liberdade. Do livre arbítrio. E acho que as pessoas estavam ávidas do exercício pleno dessa liberdade. Em parte, certamente, isso terá contribuído para estes indicadores positivos em termos de dinâmica de crescimento. Mas também há aqui um trabalho feito pelos operadores económicos do país, dos hotéis, mas também – e é preciso reconhecê-lo – por parte das entidades públicas, o próprio Instituto de Turismo esteve activamente envolvido nas negociações com os países na fase inicial de abertura dos corredores aéreos. Conseguimos realizar operações e dessa forma suscitar o interesse dos mercados. E agora estamos a ver o resultado tanto da vontade das pessoas quererem viajar até Cabo Verde, como do aprimoramento das condições do país que conseguiu responder aos desafios sanitários, como do esforço extraordinário do tecido empresarial nacional e estrangeiro. São estas as três componentes determinantes para o que estamos a observar em termos de dinâmica de retoma do sector.
Estas últimas notícias, com o Banco Mundial a falar numa possível recessão económica global, deixa-os mais cautelosos?
Obviamente que terá de haver alguma cautela, mas também não vamos antecipar uma perspectiva negativa. Somos um país de bem, de paz e estamos expectantes que haja uma solução negocial para o conflito na Europa. O mundo está exausto de crises e é fundamental que haja paz. Aliás, o turismo é o sector da paz. Estamos atentos ao que se passa na Europa, estamos atentos ao que diz o Banco Mundial e o FMI, mas seria prematuro fazer o exercício de eventuais impactos de crises no turismo.
Mas esta falta de previsibilidade não gera indefinição nas estratégias?
Como referi. Há sempre alguma cautela, mas sem perder o optimismo. Estamos atentos à evolução dos mercados, mas estamos optimistas. As informações que temos dos operadores levam-nos a crer que vamos ter um bom Inverno. Seja em termos de voos, seja marcação de hotéis, não há nada que nos indicie um desvio dos números actuais.
Dos estudos que têm feito no Instituto de Turismo, quais são as forças e os desafios actuais do turismo cabo-verdiano?
Como forças temos o posicionamento geográfico do país, os recursos naturais, a nossa realidade cultural e histórica única, somos politicamente um país estável, um país de morabeza – um capital enorme para o turismo – portanto, temos vantagens extraordinárias. Obviamente, temos algumas fragilidades e desafios, como a melhoria da conectividade, com o exterior e dentro do país. Temos o desafio da qualificação e da diversificação da oferta, uma vez que o país, no seu todo, tem um manancial de oferta para além do Sal e da Boa Vista, já destinos bem estabelecidos por mérito próprio. Temos de melhorar a conectividade, de facto. Há trabalho feito, mas o nosso objectivo tem de ser a excelência. Cabo Verde tem de cumprir a qualificação da oferta, a diversificação – não só do produto mas também dos mercados emissores – com uma governança sectorial mais presente. No Instituto de Turismo [entidade reguladora do sector] já aprovámos o plano estratégico, temos o novo organigrama, o plano de carreira e remuneração, estamos a trabalhar o nosso departamento de marketing, que vai assumir a promoção do destino, estamos a posicionar-nos para dar resposta aos grandes desafios do sector.
Falou da diversificação do turismo e, como mostram estudos, muitas vezes as comunidades que entram pela primeira vez no mercado de turismo, fazem-no de forma ingénua e até perigosa – e perigosa porque as expectativas são demasiado grandes e não são cumpridas, o que pode provocar frustração. Ou seja, as pessoas têm de estar cientes que muitas vezes há um trabalho grande a fazer antes de se atingir o sucesso.
Sem dúvida. Mas a diversificação é uma componente importantíssima. Por exemplo, o programa de desenvolvimento das aldeias turísticas no contexto rural. Há um trabalho enorme, houve a identificação dos locais para desenvolver formação e aqui não é apenas uma questão de infra-estruturas, ou de acessibilidades, é preciso criar conteúdos. O ministério do turismo está a trabalhar com as câmaras municipais, em breve vamos poder contar com um especialista, para melhor programar e estruturar a oferta dos produtos turísticos. Há um potencial enorme – seja no interior das ilhas, seja nos espaços de montanha – tem de ser trabalhado e acredito que vamos chegar lá.
No fundo, planificar o destino é criar experiências únicas e inesquecíveis aos turistas, claro, mas também aumentar a autoestima e a qualidade de vida dos residentes.
Sem dúvida. A grande preocupação que temos é pôr o turismo ao serviço do desenvolvimento local. Criar oportunidades para as microempresas, mas também para os sectores económicos do país, como o agronegócio, a pesca, às indústrias criativas. Uma abordagem para fazer do turismo o sector que vai alavancar os outros sectores. A própria necessidade de diversificar a economia cabo-verdiana tem no turismo um manancial enorme de oportunidades. Temos de pensar que a nossa agricultura, a nossa pesca, a nossa cultura, podem dar passos gigantes estando ligadas ao turismo. Logo, estamos a falar de mais rendimento para as famílias, mais coesão social.
Ligação à economia local que também continua a ser um dos desafios.
Há dias ainda fizemos uma leitura da dinâmica de importação do país e em relação ao turismo – não só as necessidades para a hotelaria como as necessidades de investimentos – representa um potencial enorme. O turismo não é um fim. O turismo é um meio. O foco tem de estar nas pessoas. Nas famílias. Cuidar do turismo é, antes de mais, criar das pessoas e criar das famílias cabo-verdianas. Isso é fundamental.
Alguma mensagem em especial para o Dia Internacional do Turismo?
O turismo é um sector com muita complexidade, não se podem fazer leituras simplistas. Não há turismo nenhum que possa florescer sem ser em ambientes sãos. E temos esse ambiente aqui em Cabo Verde. Temos de o preservar e fazer com que haja cada vez mais ganhos.