Foi uma subida em todos os prismas. A vertente bilateral da APD registou um aumento de 31% em relação a 2021, um total de 186 milhões de euros e teve como principais beneficiários Moçambique, Ucrânia e São Tomé e Príncipe, seguidos pela Guiné-Bissau e Cabo Verde.
Os fluxos multilaterais também registaram um crescimento de 19% em comparação com o ano anterior, atingindo 294 milhões de euros, em resultado do reforço do contributo de Portugal para as parcerias com a União Europeia, o Banco Africano de Desenvolvimento e a Associação Internacional para o Desenvolvimento do Grupo Banco Mundial, para o desenvolvimento sustentável e inclusivo dos países parceiros.
O aprofundamento das parcerias com as organizações da sociedade civil registou igualmente um incremento, na ordem dos 26%.
“Estes dados reafirmam o forte compromisso nacional com o aumento gradual e sustentado da APD, em linha com a Estratégia da Cooperação Portuguesa 2030, e estão acima da taxa de média de crescimento dos membros do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento que registou um aumento de 13,6% face a 2021”, refere em comunicado o Ministério dos Negócios Estrangeiros português.
A APD Portugal – Cabo Verde
Cabo Verde tem sido dos principais beneficiários da Ajuda Pública ao Desenvolvimento concedida por Portugal. Os valores da APD incluem a utilização de linhas de crédito/empréstimos concessionais, destinados, na sua maioria, a projectos de construção/reabilitação de infra-estruturas.
Em termos sectoriais, a APD bilateral portuguesa para Cabo Verde privilegiou os sectores da Educação e da Saúde.
Dentro do Programa de Cooperação com Cabo Verde, os governos de Portugal e Cabo Verde assinaram, no dia 7 de Março de 2022, na cidade da Praia, o novo Programa Estratégico de Cooperação (PEC) para o período 2022-2026, no quadro da realização da VI Cimeira Bilateral entre os dois países.
Este PEC define seis grandes áreas de intervenção na cooperação entre os dois países: (i) Educação, Ciência, Desporto e Cultura; (ii) Saúde, Assuntos Sociais e Trabalho; (iii) Justiça, Segurança e Defesa; (iv) Ambiente, Energia, Agricultura e Mar; (v) Finanças Públicas, Economia, Digital e Infraestruturas; (vi) Áreas Transversais.
Este programa representa uma continuidade da cooperação nos domínios sectoriais prioritários, ajudando a promover o desenvolvimento de Cabo Verde e apoiando, também, na melhoria das condições de vida da população do país. O novo PEC vem reforçar os laços de cooperação entre Portugal e Cabo Verde e tem um envelope financeiro indicativo de 95 milhões de euros para a execução dos programas, projectos e acções de cooperação até 2026.
Cooperação em números
Cabo Verde tem sido, desde 2010, um dos principais beneficiários da APD portuguesa. Parte significativa dos montantes corresponde à utilização de linhas de crédito/empréstimos concessionais para construção de equipamentos e infra-estruturas e investimentos nos sectores da habitação social e das energias renováveis.
Desde 2015 que a menor utilização destas linhas, bem como o reembolso de linhas de crédito/empréstimos concessionais no sector dos “Transportes” por parte de Cabo Verde, originou a tendência descendente.
O agrupamento sectorial “Infraestruturas e Serviços Sociais” assume tradicionalmente a maior concentração em contrapeso com os valores negativos de “Infraestruturas e Serviços Económicos,” em virtude do reembolso de linhas de crédito/empréstimos concessionais.
Entre os projectos desenvolvidos estão a operacionalização da Rede de Bibliotecas Escolares em estreita complementaridade com o Plano Nacional de Leitura; a valorização do património arqueológico da Cidade Velha de Santiago, através da musealização in situ das ruínas da Igreja de Nossa Senhora da Conceição; ou a recuperação dos Acervos Documentais de Cabo Verde no Arquivo Histórico Ultramarino.
Volume e Evolução da APD portuguesa
A APD portuguesa tem vindo a assinalar uma tendência crescente. Entre 2018 e 2021 o rácio APD/RNB [Ajuda Pública ao Desenvolvimento/Rendimento Nacional Bruto – o conjunto dos rendimentos dos residentes de um país em actividades produtivas desenvolvidas dentro e fora do país] oscilou entre 0,17% e 0,18%, colocando Portugal em 23º lugar nos 29 doadores do CAD [Comité de Ajuda ao Desenvolvimento, uma organização multilateral inserida na OCDE].
A APD Bilateral portuguesa representa, em média, 35% da APD Total, confirmando a concentração geográfica nos PALOP e em Timor-Leste, enquanto a APD Multilateral atinge 65%, sendo maioritariamente dirigida às instituições da União Europeia (UE), ao Grupo Banco Mundial (BM) e às Nações Unidas (NU).
A APD Bilateral portuguesa é fortemente influenciada pelas linhas de créditos/empréstimos concessionais. As flutuações devem-se ao grau de utilização destes instrumentos pelos países parceiros, assim como aos reembolsos efectuados.
A distribuição da APD Bilateral por tipo de financiamento ilustra a tendência em baixa da componente linhas de crédito/empréstimos concessionais e o incremento na componente donativos. Entre 2018 e 2021 a componente de donativos representou 28% da APD líquida.
A APD portuguesa apresenta uma regular e forte concentração geográfica nos PALOP e Timor-Leste. Esta característica, muito sublinhada no passado (90%), tem registado uma diminuição continuada (média 53%). Em contrapartida, a tendência de crescimento do grupo “Outros países/agrupamentos” reflecte a política de diversificação geográfica da APD portuguesa.
A análise da distribuição da APD Bilateral em valores brutos (totalidade dos desembolsos efectuados) revela que Moçambique (51M€) e Cabo Verde (16M€) continuam, tradicionalmente, a ser os principais destinatários da ajuda bilateral. Uma parte expressiva destes montantes refere-se a linhas de crédito/empréstimos concessionais destinadas a infra-estruturas e a investimentos nos sectores prioritários dos países parceiros.
Prioridades Sectoriais
O agrupamento “Infra-estruturas e Serviços Sociais” (Educação, Saúde, População e Saúde Reprodutiva, Água e Saneamento, Governo e Sociedade Civil, Outras Infraestruturas e Serviços Sociais) concentrou, em média, nos últimos anos, 75% da APD bilateral.
O agrupamento “Sectorialmente não Alocável”, que inclui componentes gerais como ajuda a programas, acções relacionadas com a dívida, ajuda humanitária ou apoio a refugiados, representou 17%, em resultado da utilização de linhas de crédito/empréstimos concessionais por alguns países parceiros, mas também pelo gradual aumento dos apoios concedidos a refugiados e ajuda humanitária.
Os grupos “Infra-estruturas e Serviços Económicos” (Transportes, Comunicações, Bancos e Serviços Financeiros) e “Multisectorial/Transversal”, categoria que abrange projectos que beneficiam vários sectores em simultâneo e inclui a protecção ambiental, o desenvolvimento rural e a segurança alimentar, abrangeram, em conjunto 7%.
A componente multilateral por entidade beneficiária registou em 2021, um aumento face a 2020 na ordem dos 9%, impulsionada especialmente pelo aumento da contribuição para a parcela do Orçamento da Comissão Europeia destinada aos países em desenvolvimento.
Entre 2018-2021, 89% destinou-se a instituições da UE, principalmente via Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) que financia a ajuda da UE aos países de África, Caraíbas e Pacífico (ACP), e para o orçamento da Comissão Europeia destinado aos países em desenvolvimento não contemplados pelo FED. As contribuições para os Bancos Regionais de Desenvolvimento, para o Banco Mundial e para a OMC, representaram em conjunto 10% da ajuda. A ONU canalizou 6% da APD multilateral portuguesa.
A ajuda externa global em 2022
Segundo o relatório da OCDE, a ajuda externa de doadores oficiais teve no ano passado um aumento de 13,6% em termos reais em relação a 2021, à medida que “os países desenvolvidos aumentaram os seus gastos com ajuda humanitária e com processamento e acolhimento de refugiados”, refere o documento.
A ajuda externa dos doadores oficiais atingiu o recorde histórico de 204 mil milhões de dólares, (186 mil milhões em 2021), na medida que os países desenvolvidos aumentaram os gastos no acolhimento de refugiados e na ajuda à Ucrânia, de acordo com dados recolhidos pela OCDE.
O aumento de 13,6% em termos reais é um dos maiores aumentos de Apoio Oficial ao Desenvolvimento e o quarto ano consecutivo em que esta ajuda estabeleceu um novo recorde.
Um dos factores por trás desta subida foi o salto na ajuda à Ucrânia depois da invasão russa. A ajuda ao desenvolvimento direcionada para a Ucrânia, no ano passado, totalizou 16,1 mil milhões de dólares, incluindo 1,8 mil milhões em ajuda humanitária.
“A pandemia da Covid-19 e a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia agravaram a instabilidade global, a fome e a pobreza extrema, destruindo décadas de progresso no desenvolvimento dos países em desenvolvimento, particularmente entre os mais pobres e vulneráveis”, escreve o secretário-geral da OCDE, Mathias Cormann, no relatório. “Sem surpresa, recursos adicionais significativos foram fixados por países doadores no apoio aos refugiados que fogem da guerra na Ucrânia e na ajuda à Ucrânia. É importante salientar que os países doadores forneceram ajuda a um nível recorde pelo quarto ano consecutivo. Além de facultar apoio para lidar com as pressões de curto prazo, devemos continuar focados e acelerar o progresso na procura dos nossos objectivos de desenvolvimento de longo prazo, particularmente no apoio aos países mais pobres e vulneráveis do mundo”.
A ajuda ao desenvolvimento aumentou em 26 países do CAD em 2022, as maiores subidas aconteceram na Polónia (+255,6%), República Checa (+167,1%), Irlanda (+125,1%), Lituânia (+121,6%), Eslovênia (+48,7%) e Áustria (+36,2%).
A ajuda oficial ao desenvolvimento representa mais de dois terços do financiamento externo dos países menos desenvolvidos.
O total do apoio oficial ao desenvolvimento, em 2022, foi equivalente a 0,36% do Rendimento Nacional Bruto combinado dos doadores. Embora essa proporção ainda esteja abaixo da meta da ONU, é a maior proporção registada em 40 anos, ultrapassando os 0,33% de 2021.
A ONU tem como objetivo que os dadores disponibilizem 0,7% do seu Rendimento Nacional Bruto para a Ajuda Pública ao Desenvolvimento. Actualmente, só cinco países cumprem este objetivo: o Luxemburgo (1% do RNB), a Suécia (0,9%), a Noruega (0,86%), a Alemanha (0,83%) e a Dinamarca (0,7%). Os cinco países que menos contribuem são os Estados Unidos (0,22% do RNB), a Austrália (0,19%), a Coreia do Sul (0,19%), a Eslováquia (0,15%) e a Grécia (0,14%). Portugal usa 0,23% do Rendimento Nacional Bruto para a ajuda pública ao desenvolvimento.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1125 de 21 de Junho de 2023.