Enquanto as ilhas recebem os seus filhos que emigraram em busca de novas oportunidades, a temporada de férias transforma-se num momento crucial para a economia local. Emigrantes como Léo Tavares, da Ilha Brava e Djamila Lopes, da ilha de Santiago, desempenham um papel fundamental ao investir e consumir, impulsionando assim os sectores económicos das respectivas ilhas.
Léo Tavares reside em Brockton há mais de quatro décadas, continua a manter fortes laços com a sua terra natal, a Ilha Brava.
A cada ano, reserva um período de dois a três meses para regressar à ilha natal e passar as férias. Enquanto lá está, não só desfruta do seu tempo, mas também trabalha incansavelmente.
Léo aproveita para pescar com o seu próprio barco, vendendo o peixe capturado. Além disso, administra o seu bar local, que este ano vai fechar temporariamente enquanto estiver ausente, com planos de reabertura após o seu regresso no próximo ano.
“Tenho a minha própria casa, mas quando vou à Praia costumo arrendar uma casa para ficar. O que mais faço durante as férias são obras, sempre há algo para fazer em casa. Quando estou em Cabo Verde gasto muito dinheiro, principalmente com as obras”, revela.
Tavares, entretanto, tem ambições maiores. Deseja abrir um negócio de carnes e peixes, com o objectivo de apoiar a sua ilha, família e amigos.
“Estou sempre a inventar algum negócio já que a minha ideia é vir ficar quando eu me reformar, a minha mãe ainda é viva e gosto sempre de estar por perto”, enfatiza.
Por sua vez, Djamila Lopes, que reside na Suíça há cerca de oito anos, também encontra tempo para regressar a Cabo Verde anualmente.
Proprietária de uma casa que construiu após emigrar e à frente de uma empresa de aluguer de viaturas, Djamila mostra o seu compromisso contínuo com a sua terra natal e a sua cidade, Praia.
Conforme conta ao Expresso das Ilhas, viaja acompanhada da sua família, dedicando três semanas para explorar as várias facetas da ilha e, ocasionalmente, das outras ilhas.
“Durante o tempo que cá estamos passeamos muito, aproveitamos para conhecer lugares que ainda não conhecemos, não só na ilha de Santiago, mas também em outras ilhas. Nas outras ilhas temos de alugar carro porque não temos lá ninguém. Então, gastamos com alojamento, deslocação e comida, claro”, narra.
Com uma mentalidade de regressar a cada ano, Djamila está empenhada em não apenas descobrir novos lugares, mas também em contribuir para a economia local através dos seus empreendimentos.
Mais de duas centenas de emigrantes regressaram a Santa Catarina entre Julho e Agosto
A presidente da Câmara Municipal de Santa Catarina, Jassira Monteiro, ressalta o crescimento notável do número de emigrantes que estão retornando ao município durante as férias, excluindo no período da pandemia.
Segundo afirma, esse aumento é reflexo de uma melhoria significativa nos rendimentos e na qualidade de vida nos países de acolhimento.
“É um crescimento que corresponde à melhoria substantiva dos rendimentos e qualidade de vida nos países de acolhimento”, declara.
Monteiro frisa que existem dois períodos de férias fundamentais para esse retorno: os meses de Julho e Agosto, além do mês de Dezembro.
De acordo com as suas estimativas, mais de duas centenas de emigrantes regressaram a Santa Catarina entre o mês anterior e o actual, buscando reviver as suas raízes e fortalecer os laços familiares.
A presidente também aborda o investimento dos emigrantes no município, mencionando que, embora faltem dados estatísticos concretos, os investimentos mais impactantes estão centrados principalmente no comércio, na restauração, na hotelaria e, recentemente, no sector agropecuário.
Além disso, destaca os investimentos indirectos com efeito no sector da construção civil e no comércio de materiais de construção.
“Há facilidades concedidas aos emigrantes no que concerne à criação e fixação de empresas no município, incluindo assessoria técnica disponibilizada pela Incubadora de Negócios de Santa Catarina. Mas também temos um serviço de atendimento específico para emigrantes no Balcão Único. E o Gabinete Técnico Municipal tem como orientação a agilização de processos de construção de habitações e emissão de licenças”, frisa.
Jassira Monteiro realça a integração dos emigrantes na comunidade, graças aos laços familiares, de amizade e à sua ligação à terra.
“Uma das características dos emigrantes é a sua ligação à terra e os laços comunitários sólidos estabelecidos. Portanto, não identificamos qualquer problema de integração”, assegura.
Conforme partilha, muitos emigrantes têm uma visão clara dos investimentos que desejam realizar, muitas vezes ligados ao sonho de abrir um negócio. Nesse sentido, menciona a Incubadora de Negócios como uma forma de orientá-los para áreas de negócios com potencial de crescimento.
Segundo revela, em breve o município poderá contar com uma clínica médica em Assomada, resultado do investimento de uma emigrante.
“Posso dizer, com toda a segurança, que, globalmente, os investimentos de emigrantes são casos de êxito. Temos, ainda, as associações de emigrantes, com sede nos países de residência, que têm sido muito importantes no processo de desenvolvimento de Santa Catarina, muito particularmente no que respeita à mobilização e distribuição domiciliária de água, mas também nos sectores de Educação e da Saúde”, sublinha.
Monteiro enfatiza que a diversidade e inclusão são valores fundamentais para Santa Catarina, que acolhe tanto emigrantes quanto imigrantes de várias partes do mundo.
“Sem a emigração, Santa Catarina não seria o que é hoje, parte muito substantiva do seu desenvolvimento deve-se aos emigrantes, seja no que respeita às remessas e apoio às famílias, seja ao nível do investimento”, aponta.
Artesanato fortalecido nas férias
Durante a época de férias, o mercado de artesanato recebe um impulso significativo graças aos emigrantes que regressam. As suas preferências por peças autênticas e de significado cultural contribuem para fortalecer o sector, como destaca Cláudio Ramos, presidente da Associação dos Artesãos da Praia.
Ao Expresso das Ilhas, Ramos afirma que os emigrantes assumem um papel de destaque como clientes do mercado de artesanato, principalmente durante os meses de Julho, Agosto, Dezembro e Janeiro.
Nesses períodos, eles compram uma variedade de produtos como chaveiros, pulseiras, colares, brincos, mapas de Cabo Verde e pequenos quadros, ou seja, peças leves e transportáveis que carregam consigo como lembranças autênticas do país.
“Ao longo do ano, temos turistas e emigrantes, mas somente nos meses que mencionei ganhamos mais com os emigrantes. Eles são os nossos maiores clientes nessa época”, afirma o presidente da Associação dos Artesões da Praia.
Ramos destaca que o feedback dos emigrantes em relação ao artesanato é extremamente positivo, pois eles valorizam a autenticidade das peças que reflectem a cultura cabo-verdiana.
Este ano, a Associação não conseguiu organizar a feira dos emigrantes, uma prática recorrente e Ramos expressa preocupações sobre a realização limitada de feiras de artesanato ao longo do ano.
Nesse sentido, sugere que a Câmara Municipal da Praia deve considerar a criação de um mercado de artesanato permanente, garantindo que os artesãos tenham um espaço estratégico para exibir e vender os seus produtos.
Ramos propõe que locais como o Mercado do Plateau, com espaços desocupados no andar de cima, seriam ideais para este propósito.
“Ao realizar apenas uma feira por ano perdemos a oportunidade de lucrar mais”, considera.
Também menciona o desafio de distinguir o artesanato nacional do não nacional, alegando que o Centro Nacional de Artesanato deve explorar maneiras de categorizar as peças de forma mais eficaz.
“Os turistas também compram, mas eles não conhecem o artesanato nacional e muitas vezes compram peças enganadas e só depois notam que não tem nada ver com Cabo Verde”, refere.
Além disso, aponta as dificuldades enfrentadas pelos artesãos que dependem exclusivamente deste ofício como fonte de renda.
Durante a pandemia, precisa, muitos enfrentaram dificuldades para pagar as contribuições ao Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) e, como resultado, perderam o selo que autoriza a sua actividade. Em contraste, aqueles que têm outras fontes de renda conseguem manter o selo por meio do emprego e participar, por exemplo, da Feira do Artesanato e Design de Cabo Verde – URDI.
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Rent-a-car também ganha
Não são apenas os restaurantes que se encontram cheios na época alta. O mercado de aluguer de viaturas vive uma grande demanda por parte dos emigrantes, desencadeando um período de prosperidade no sector.
Joel dos Reis, dono e director da Simplycar traz uma perspectiva única sobre os desafios e as oportunidades que esta época proporciona. Com raízes cabo-verdianas, mas nascido em França, Joel dos Reis decidiu investir em Cabo Verde em 2016, criando a Simplycar. Actualmente, a empresa opera na Praia, enfrentando a característica sazonal do mercado.
“Neste momento, eu e todos os meus colegas estamos com todas as viaturas alugadas”, afirma Joel. Actualmente, a Simplycar tem cerca de 40 carros no seu inventário, todos alugados neste momento. A alta procura durante os meses de Verão frequentemente deixa a empresa com escassez de veículos disponíveis para responder às necessidades dos clientes.
A sazonalidade do mercado é um desafio constante para as empresas de aluguer de viaturas, segundo diz.
“Podemos ter muitos carros, mas o problema é que há época alta e época baixa”, explica Joel.
A empresa é obrigada a manter um equilíbrio cuidadoso entre a quantidade de veículos e a flutuação da procura durante o ano.
“Podemos até ter muitos carros, mas, o problema é que há época alta e época baixa, portanto, podemos ter muitos carros que durante o Verão estão todos ocupados e depois em Setembro e Outubro podemos ficar com um stock de carro a mais e sem procura. Somos obrigados a ter uma média de carros que dão para trabalhar o ano inteiro e não apenas na época alta”, explica.
Durante a época alta, os emigrantes representam cerca de 80% do negócio de aluguer de Verão da Simplycar, com 10 a 15% de turistas também a contribuir.
“As empresas nacionais estão mais fortes e hoje também são clientes. Muitas trabalham com o aluguer de carros para não terem de solicitar a compra”, observa Joel, que destaca que, enquanto os emigrantes são os principais clientes durante a época alta, os turistas têm ganhado cada vez mais importância como fonte de rendimento.
Para garantir a qualidade do serviço durante a época alta, Joel e a sua equipa adoptam uma abordagem proactiva.
Antecipam as necessidades e encomendam peças de reposição, como pastilhas de travão e filtros, para manter a frota em perfeitas condições operacionais.
Isso garante que, quando a alta temporada chega, a Simplycar esteja pronta para atender às demandas dos clientes.
Joel acredita que o Governo poderia fazer mais para apoiar o sector de aluguer de viaturas, especialmente em relação à aquisição de veículos.
“Pagamos o mesmo valor que um particular na compra de uma viatura, não temos nenhuma isenção que podia permitir-nos adquirir mais carros para a época alta, mesmo que na época baixa estivessem parados”, argumenta.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1133 de 16 de Agosto de 2023.