“Segurança no Atlântico toca a todos os países que constituem a sua bacia”

PorAndré Amaral,13 out 2024 16:09

Contra-Almirante Nuno Bragança, coordenador do Atlantic Center
Contra-Almirante Nuno Bragança, coordenador do Atlantic Center

Cabo Verde recebe, desde ontem, a conferência internacional ‘Segurança Marítima 2024: Inovações e Parcerias para o Futuro’. Nuno Bragança é Contra-Almirante da Marinha Portuguesa e coordenador do Atlantic Center e um dos oradores deste evento conversou com o Expresso das Ilhas e defendeu que a segurança marítima no Atlântico deve ser uma preocupação de todos os países.

“Eu costumo dizer que a segurança começa em cada país e que, face àquilo que são os riscos, as ameaças, o tipo de riscos e ameaças que se nos apresentam, dificilmente, em todo o espaço atlântico, os países irão ter sucesso agindo sozinho”, começa por referir o Contra-Almirante Nuno Bragança quando questionado sobre qual a importância da cooperação entre os diversos países banhados pelo Atlântico no que respeita à segurança marítima.

Garantir um oceano seguro “apela à cooperação entre os Estados numa lógica regional e numa lógica multilateral que é muito importante”, acrescenta o militar português que coordena o Atlantic Center, um Think Tank que promove o reforço das capacidades de defesa do Atlântico como um Centro de Excelência Multilateral. Acolhido por Portugal, tem como objectivo fomentar a participação de vários peritos militares e civis nacionais, dos países da bacia atlântica e parceiros.

Nuno Bragança defende que a defesa da segurança no Atlântico deve envolver tanto o sector público como o privado e, também, organizações não governamentais “numa abordagem envolvente de toda a sociedade, no sentido de discutir e procurar soluções que podem trazer novas ideias e novos desenvolvimentos”.

Na conferência de imprensa de apresentação do evento, o representante da Organização Marítima Internacional, Phil Heyl, usou a expressão “No Shipping, no shopping” para se referir à necessidade de garantir uma navegação segura não só no Atlântico como em todos os oceanos e por forma a garantir a estabilidade da cadeia de abastecimentos.

Nuno Bragança concorda com esta ideia. “Eu costumo falar em quatro vectores. É a questão da segurança alimentar, a importância que o oceano Atlântico tem nessa matéria e aqui estamos a falar de pesca, estamos a falar de outras matérias relacionadas com aquilo que é a segurança alimentar. Estamos a falar no trade, no comércio, no transshipment. Mas estamos a falar também de outro factor importante que é começar a olhar para os portos e para as infraestruturas portuárias como um todo, que não terminam em terra e se prolongam para o mar.

E, finalmente, aquilo que é fundamental no futuro, que é a ligação digital e a criticidade das infraestruturas neste processo, porque o shipping é muito importante, mas cada vez mais as tecnologias estão abraçadas a todas estas tarefas”.

“A segurança marítima, hoje em dia, é o garante de toda a cadeia de abastecimento”, acrescenta o coordenador do Atlantic Center.

Alternativa ao Canal de Suez

A instabilidade que se tem vivido no último ano na zona do Médio Oriente colocou em causa a navegação através do Canal do Suez e veio trazer um novo protagonismo à rota marítima do Cabo da Boa Esperança e, consequentemente, a um aumento do número de navios que cruzam o Atlântico.

“Efectivamente foi um aumento significativo, mas já noutras alturas isso aconteceu, em situações menos gravosas, mas foi, por exemplo, o encalho do navio no canal de Suez durante algumas semanas que originou a necessidade de alterar a rota utilizada. Mas de facto houve um incremento em determinados momentos superior a 100% daquilo que é a navegação, com todo o impacto que isso traz para a região, para os países, não só em termos da segurança, mas também na salvaguarda daquilo que pode ser o potencial de incidentes de poluição, de incidentes de segurança marítima, e, portanto, houve aqui de facto um reforço da atenção sobre essa matéria”, explica Nuno Bragança.

Quanto a um possível aumento do número de ataques piratas, “felizmente, a tendência tem vindo, ao longo destes últimos anos, a decrescer”, refere acrescentando que “se houve uma perspectiva de que ia haver novamente uma subida exponencial para números de há três ou cinco anos atrás isso não se verificou, o que é um bom sinal”.

Para explicar que não se tenha verificado o aumento de ataques piratas, Nuno Bragança aponta para a possibilidade de “os países com responsabilidade na área” estarem “mais bem preparados. O conhecimento situacional marítimo cresceu e as pessoas estão a ter uma maior noção da realidade daquilo que acontece, permitindo-lhes actuar em tempo”.

Mais do que navios

Por norma, quando se fala em segurança marítima, há o hábito de se pensar como sendo a segurança dos navios. Mas a verdade é que segurança marítima, actualmente, é muito mais do que isso.

“Temos os cabos de fibra óptica que cruzam o oceano, temos todo esse negócio ligado à economia azul e à economia digital que também é preciso proteger”, aponta Nuno Bragança.

“Eu já referi a questão, de facto, deste incremento da conectividade digital, da ligação digital, que é tão importante para as sociedades actualmente. Vemos um aumento da conectividade digital. Nesse sentido, sendo essa também uma infraestrutura crítica ligada à segurança marítima, temos de reforçar aquilo que é a salvaguarda do espaço marítimo”, ou seja, se antes se falava em navios hoje deve-se falar em ecossistema marítimo.

“Todos esses espaços são importantes”, assegura Nuno Bragança.

Novas formas de vigilância

A guarda-costeira de Cabo Verde tem actualmente ao serviço um navio de médias dimensões e outros três de pequenas dimensões para patrulhar toda a Zona Económica Exclusiva. A cooperação internacional assume por isso uma grande importância.

“Eu costumo olhar sempre para o copo meio vazio ou meio cheio. Cabo Verde e outros países do Atlantic Center estão em níveis de desenvolvimento distintos. Mas é nessa diversidade e nessa discussão que é importante também ter a participação de todos. Eu entendo que Cabo Verde fez aqui um enorme investimento nesta matéria”, explica o Contra-Almirante Nuno Bragança que defende o recurso a outras soluções tecnológicas para garantir a vigilância e segurança marítimas. “Temos agora um instrumento que começa a ser utilizado cada vez mais recorrentemente, que é a utilização dos drones, a capacidade de irmos mais longe e ver o que se está a passar, podermos antecipar a nossa actuação e actuar de uma forma mais eficiente. Ou seja, se não temos muitos recursos, temos de os utilizar de forma dirigida”.

“Cabo Verde, tal como outros países, como já referi, deve resolver em primeiro lugar as suas necessidades em termos nacionais, depois cooperar regionalmente e sempre que necessário o apoio internacional. E é isso que o Atlantic Center faz. Cabo Verde tem sido um parceiro activo, tem participado e o Atlantic Center também tem vindo a apoiar Cabo Verde nessa matéria, por exemplo, naquilo que é o apoio à formação dos operadores do Multinational Maritime Coordination Center ou do Centro de Operações de Segurança Marítima de Cabo Verde”, conclui Nuno Bragança. 

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O que é e quais são as funções do Atlantic Center?

O Atlantic Center promove a construção de capacidades de defesa para o Atlântico como um Centro Multilateral de Excelência. Acolhido por Portugal, tem como objectivo fomentar a participação de vários peritos militares e civis nacionais, dos países da bacia do Atlântico e parceiros.

O Centro é actualmente liderado pelo Contra-Almirante Nuno Bragança mandatado para liderar o processo de criação do Centro.

As actividades do Centro articulam-se em torno de três níveis principais:

Um Think Tank para pensar o espaço atlântico comum, dedicado à produção e difusão de conhecimentos de ponta e ao apoio ao desenvolvimento de políticas sólidas em todo o Atlântico.

Uma plataforma de diálogo político. Para os seus membros e para a comunidade atlântica institucional mais ampla disposta a participar, a fim de identificar desafios comuns, partilhar as melhores práticas e identificar as principais prioridades políticas de acção.

O Reforço das Capacidades de Defesa. Planear, desenvolver e implementar doutrina, educação e formação, com o objectivo de melhorar a capacidade dos Estados ribeirinhos para exercerem uma soberania responsável e contribuírem para manter o Atlântico como um espaço de paz, segurança e liberdade.

Esta construção por escalões apoiará a actividade do Centro nos domínios da recolha de informações, da cibersegurança e da informação espacial. A monitorização das ameaças transnacionais, a implementação e o desenvolvimento de projectos, incluindo a cooperação delegada, e a avaliação das lições aprendidas estão também entre as actividades desenvolvidas pelo Centro Atlântico.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1193 de 9 de Outubro de 2024.

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Autoria:André Amaral,13 out 2024 16:09

Editado porEdisângela Tavares  em  14 out 2024 10:13

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