Novo modelo estratégico para mais impacto no desenvolvimento

PorJorge Montezinho,17 ago 2025 8:05

A arquitectura da ajuda global transformou-se nas últimas duas décadas, com os fluxos financeiros oficiais a aumentar e a beneficiar os países de rendimento baixo – Cabo Verde, apesar de ser considerado país de rendimento médio-alto continua a usufruir do apoio ao desenvolvimento. No entanto, esta mudança tornou a arquitectura de ajuda complexa, fragmentada e com menos recursos concessionais

Quando falamos de arquitectura da ajuda referimo-nos à estrutura de normas e instituições que regem a distribuição de ajuda aos países em desenvolvimento, bem como o fluxo de assistência aos países em desenvolvimento através dessa estrutura. Este esquema está cada vez mais complexo nas últimas décadas, com mais países doadores, com mais agências de desenvolvimento e mais canais de assistência.

Os fluxos financeiros oficiais chegaram a um trilião de dólares em 2021 [um milhão de biliões], um aumento de 53% em relação a 2010. No entanto, apesar desse crescimento significativo, a arquitectura da ajuda enfrenta desafios substanciais, porque a procura por financiamento para o desenvolvimento é maior do que os fluxos financeiros. Os países de rendimento baixo precisam de 2,4 triliões de dólares, anualmente, até 2030 para enfrentar crises climáticas, conflitos, pandemias e problemas de saúde. Embora o volume de fluxos financeiros oficiais tenha aumentado, o número de canais de doadores também cresceu rápida e organicamente, sem beneficiar a arquitetura geral da ajuda.

Entre 2002 e 2021, os dadores oficiais de financiamento aumentaram de 62 para 112. Essa proliferação reflete o surgimento de novos doadores e a criação de novas instituições multilaterais. No mesmo período, o número de agências doadoras que forneceram financiamento mais que duplicou, de 215 para 565.

O crescimento descontrolado levou a uma significativa evasão dos orçamentos governamentais. Além disso, muitos doadores e diversos canais criaram obstáculos para países de rendimento baixo, com fraca capacidade de implementação, especialmente os que já enfrentam dívidas ou se encontram em situações de conflito e fragilidade.

Por exemplo, o número médio de agências doadoras na Etiópia aumentou 24% nos últimos 20 anos, deixando ao país a administração de mais de 200 agências doadoras. A situação é particularmente grave em países pequenos. O Tajiquistão (com uma população de menos de 10 milhões) precisa administrar 130 agências, e o Malawi (19 milhões de habitantes) tem 171 agências. Não há dados totais sobre Cabo Verde, mas o país tem várias agências no terreno, nacionais, internacionais, empresas e diversas ONG.

Os países que recebem a ajuda enfrentam desafios de múltiplos doadores, cada um com as exigências próprias: auditorias de projectos, avaliações ambientais, relatórios de aquisições, demonstrações financeiras e atualizações. Isso torna a situação mais complexa para os países doadores e beneficiários.

IDA como Parceiro de Escolha

Neste contexto, a IDA [sigla em inglês da Associação Internacional para o Desenvolvimento, parte do Grupo Banco Mundial] é uma parceira que oferece uma solução para os desafios impostos por uma arquitetura de ajuda complexa. Representa uma comunidade global de países, que inclui 59 doadores (tradicionais e não tradicionais, incluindo todos os BRICS – entre 2011 e 2023, 19% dos empréstimos bilaterais para países em desenvolvimento tiveram origem em economias emergentes como China, Rússia, Índia e Arábia Saudita.) que formam o maior fundo do mundo para países de rendimento baixo.

A presença global da IDA e a capacidade de reunir diversas partes interessadas, incluindo governos, organizações da sociedade civil e outros parceiros de desenvolvimento, facilitam uma melhor coordenação e alinhamento de esforços. O modelo financeiro híbrido exclusivo da IDA permite impulsionar recursos adicionais para países de baixo rendimento.

Nas últimas duas décadas, os canais de doação aumentaram para mais de 200 agências doadoras em alguns países. A ajuda destinada também aumentou rapidamente, com os fluxos financeiros oficiais reduzidos a parcelas menores. Essas tendências reforçam o papel crítico da IDA. Mais de 90% do financiamento da IDA é canalizado através dos governos dos países beneficiários, o que ajuda a reduzir o risco de desvio de ajuda. Cada doação da IDA é multiplicada entre três e quatro vezes para os países beneficiários.

As mudanças de quadro

Nos últimos 20 anos, o cenário global da ajuda foi transformado. Actores de economias emergentes e outros contribuintes estão a investir recursos consideráveis no financiamento do desenvolvimento global — uma área tradicionalmente dominada pelos países do G7.

Entre as economias emergentes, os BRICS já representam uma parcela maior do PIB global, com base na paridade do poder de compra, do que os países do G7. Na última década, 22% dos empréstimos bilaterais para países em desenvolvimento vieram dos BRICS.

A Turquia e a Arábia Saudita são agora os dadores bilaterais mais generosos de assistência oficial ao desenvolvimento per capita do mundo. A China é o maior fornecedor individual de empréstimos para países em desenvolvimento, tanto em termos concessionais quanto não concessionais.

Desafios emergentes na ajuda global

Mais recursos para o desenvolvimento global é inegavelmente algo positivo. Mas essas mudanças ocorreram num momento em que a arquitetura global da ajuda se tornou cada vez mais fragmentada. O equilíbrio entre os fluxos financeiros públicos e privados mudou, com o financiamento privado representando quase 70% dos fluxos atuais. Combinadas, essas tendências criaram quatro grandes desafios para os países mais pobres do mundo, segundo os dados da OCDE/CAD [Comité de Ajuda ao Desenvolvimento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico].

Primeiro, a proliferação de doadores e agências doadoras sobrecarrega os países receptores com capacidade limitada e aumenta os custos de transação para aqueles que já lutam para lidar com crises múltiplas e sobrepostas.

Em segundo lugar, as atividades financiadas por doadores tornaram-se mais fragmentadas. O valor médio de uma doação oficial de assistência ao desenvolvimento caiu mais da metade, de 1,7 milhão de dólares em 2000 para menos de 800.000 dólares em 2021. Ou seja, há mais dinheiro, mas está dividido em parcelas menores, resultando em custos mais altos para os países destinatários — muitos dos quais já estão em situação de sobreendividamento.

Em terceiro lugar, uma proporção crescente da ajuda ao desenvolvimento ignora os orçamentos dos governos beneficiários, limitando a capacidade de soberania. Atualmente, três em cada quatro projectos são implementados por entidades não governamentais e metade desses fundos evitam os orçamentos dos países beneficiários, prejudicando a eficácia da ajuda. O financiamento dos doadores também é cada vez mais destinado a questões específicas, limitando as oportunidades de promover recursos e aumentar o financiamento geral disponível para os países.

Em quarto lugar, houve um grande aumento no volume de ajuda alocada a mecanismos não alavancados, dedicados a sectores ou temas específicos. O total de compromissos de doações para esses mecanismos cresceu dezasseis vezes nas últimas duas décadas, enquanto as contribuições financiamentos concessionais dos bancos multilaterais de desenvolvimento vêm diminuindo em termos reais. Isso representa uma oportunidade perdida de incentivar recursos concessionais escassos.

O que é que essas tendências significam a nível global? Que a comunidade global de ajuda precisa de trabalhar em conjunto para evitar a sobreposição e o apoio fragmentado, que atrapalham em vez de ajudar. Para garantir que os países obtenham o máximo benefício do apoio ao desenvolvimento, doadores tradicionais e não tradicionais precisam de comunicar e trabalhar em conjunto, de forma transparente, em prol de objectivos comuns, reduzindo os encargos enfrentados pelos países de rendimento baixo.

Apoio ao desenvolvimento em Cabo Verde

Actualmente, o Grupo Banco Mundial tem um portfólio activo de projectos em Cabo Verde, com compromissos que totalizam 77,5 milhões de dólares. Em Julho, por exemplo, Cabo Verde recebeu um financiamento adicional de 18,5 milhões de euros da IDA para reforçar o Projecto Digital Cabo Verde, com foco no fortalecimento da base digital do país e na expansão do acesso a serviços digitais de qualidade.

O Grupo Banco Mundial tem apoiado projectos de desenvolvimento do turismo resiliente e da economia azul, melhoria da conectividade e infraestruturas urbanas, e o desenvolvimento de energias renováveis.

Em Abril do ano passado, o Banco Mundial aprovou um crédito, também da IDA, no valor de 30 milhões de dólares para o Segundo Financiamento Adicional do Projectos de Desenvolvimento do Turismo Resiliente e da Economia Azul, aumentando o valor global deste projecto, inicialmente aprovado em maio de 2022, para 75 milhões de dólares americanos.

O objectivo é promover práticas de turismo que sejam amigas do ambiente e benéficas para as comunidades locais. Pretende também expandir os seus objectivos iniciais, melhorando a diversidade das ofertas turísticas nas diferentes ilhas e mercados. Os progressos serão medidos através de indicadores como o aumento das despesas dos turistas e estadias mais longas em destinos emergentes. Além disso, o projecto procura aumentar a participação das comunidades locais nos benefícios económicos do turismo, o que será acompanhado através do número de contratos adjudicados a empresas locais no setor do turismo.

A expansão do projecto abrange actividades em seis ilhas: Santiago, Santo Antão, São Vicente, Sal, São Nicolau e Boa Vista e incluem a melhoria das infraestruturas turísticas e da economia azul, apoio às pequenas e médias empresas (PME) locais e às empresas lideradas por mulheres e estabelecimento de políticas públicas de apoio.

A classificação de Cabo Verde como país de rendimento médio-alto – efectiva a partir do próximo ano – para já, não vai alterar o apoio ao desenvolvimento. Aliás, em Maio deste ano, durante uma visita a Washington, o Primeiro-Ministro assinou uma nova parceria estratégica para a próxima década entre Cabo Verde e o Banco Mundial.

No contexto desta nova parceria, será elaborado um plano de transição específico para Cabo Verde nos próximos 4 a 5 anos, uma vez que o país ultrapassou o limiar de rendimento médio-alto. Este plano tem por meta assegurar uma transição suave e sustentável, garantindo o acesso a instrumentos adequados de financiamento e apoio técnico durante esta nova fase do desenvolvimento.

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A Associação Internacional para o Desenvolvimento (IDA)

Parte do Grupo Banco Mundial, é a principal instituição de financiamento para os países mais pobres do mundo. Oferece empréstimos com juros baixos e doações para projectos que promovem o crescimento económico, reduzem a pobreza e melhoram as condições de vida nesses países.

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A IDA actua como uma plataforma global para que governos, organizações da sociedade civil e agências de desenvolvimento coordenem e alinhem os esforços, para reduzir a fragmentação no sistema de ajuda internacional.

Ao combinar contribuições de parceiros com empréstimos do mercado de capitais com juros baixos, a IDA pode mobilizar até 4 dólares para cada dólar que os seus parceiros contribuem.

Os projectos apoiados pela IDA abrangem diversas áreas, como infraestruturas, saúde, educação, agricultura, governança e combate à pobreza.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1237 de 13 de Agosto de 2025.

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Autoria:Jorge Montezinho,17 ago 2025 8:05

Editado porJorge Montezinho  em  18 ago 2025 11:02

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