Há alguns dias, vários utilizadores da referida plataforma relataram estar a enfrentar dificuldades para levantar os valores aplicados, após o bloqueio de saques.
Ao Expresso das Ilhas, J. conta que entrou na plataforma com cem mil escudos e, ao fim de um mês, conseguiu levantar mais de duzentos mil escudos. “Convenci duas pessoas a entrarem também e elas não conseguiram fazer nenhum levantamento porque, antes de completarem um mês, houve o bloqueio para os levantamentos”, relata.
A princípio, no dia 11 de Dezembro, tudo estaria resolvido e as pessoas poderiam reaver o seu dinheiro. Entretanto, não foi o que ocorreu.
“Quando chegou o dia 11, disseram que havia um problema na plataforma em que era preciso mudar para uma outra e investir outro dinheiro”, prossegue.
Com a nova plataforma, foram introduzidas novas exigências financeiras para aceder ao dinheiro acumulado. Teriam de pagar entre dez mil escudos, para aqueles que nunca antes tinham feito levantamento dos seus USDT (criptomoeda criada para manter sempre o mesmo valor do dólar americano) e 20 mil escudos para aqueles que já tinham feito levantamentos.
No momento do bloqueio, J. tinha cerca de cinco mil USDT na plataforma, valor que, segundo disse, corresponde a cerca de quinhentos contos. As pessoas que incentivou a entrar aplicaram quantias ainda mais elevadas.
“Uma entrou com trezentos mil escudos e a outra com quatrocentos mil escudos e nenhum conseguiu fazer o levantamento”, lamenta.
Segundo J. o emocional dessas pessoas não é dos melhores actualmente. “Uma delas investiu toda a sua poupança e até falou em matar-se porque não sabe o que vai fazer a partir de agora, e ainda por cima uma parte deste valor é empréstimo”, diz, mostrando-se preocupada e sentido-se culpada.
De acordo com a investidora, há quem acuse directamente quem recomendou a plataforma. “Algumas até culpam quem os incentivou a entrar no investimento e acham que essas pessoas estão com o seu dinheiro e que têm de explicar o que aconteceu”.
A nova plataforma, explica, além de exigir novos montantes, também impôs um prazo limite para reaver o valor acumulado na plataforma anterior.
“Se até o dia 18 de Dezembro não activarmos a plataforma com a introdução desses 10 ou 20 mil escudos, não conseguiremos transferir o valor que está na plataforma Optcoim (OPT) para este novo aplicativo. Depois disso não conseguiremos tirar nada”, diz.
Apesar das dúvidas, J. admite ponderar pagar novamente. “Estou a pensar pagar para ver se consigo tirar o dinheiro, mas também não tenho certeza. Poderá acontecer o mesmo do dia 11. Será mais um dinheiro perdido”, pondera.
As consequências, conta, atingem directamente planos pessoais e familiares. “O Natal de muita gente foi por água abaixo porque tinham planos em fazer levantamento desse dinheiro. Sem contar que muitos recorreram a empréstimos”, afirma.
“Outros nem sequer tinham dinheiro para investir e fizeram empréstimo e muito mais para conseguirem o dinheiro”. Aliás, J. ajudou financeiramente terceiros a entrarem na plataforma.
“Emprestei 19 mil escudos para outra pessoa completar o que já tinha e fazer investimento, mas já nem conto receber esse dinheiro porque ela não tirou ganho nenhum”, aponta.
Apesar de ter conseguido recuperar o valor investido e obter lucro, a preocupação centra-se nos outros.
“Não me afecta em nada não conseguir fazer levantamento, porque eu consegui tirar o valor que investi e até mais. O que me preocupa são as pessoas que entraram através de mim e que não conseguiram fazer nenhum levantamento”, enfatiza.
Além disso, J. diz-se receosa em relação à segurança dos dados pessoais. “Estou com medo até de colocar o meu dinheiro no banco, e se alguma coisa acontece?”, confessa. Isto porque, para investir, foi necessário enviar fotografias do documento de identificação e imagens pessoais juntamente com o documento.
“Iludi-me mesmo consciente dos riscos”
P., assim como J., decidiu investir o seu dinheiro após indicação de uma amiga que tinha ouvido falar da plataforma através de terceiros.
Apesar de reconhecer os riscos desde o início, P. admite que se deixou levar pela percepção de que outras pessoas estavam a lucrar, sobretudo quando soube que alguns eram funcionários de bancos, polícia, entre outros.
“Iludi-me mesmo consciente dos riscos. Na minha cabeça, apesar dos riscos ainda as pessoas estavam a lucrar, então eu também poderia lucar”, admite.
Após conversar com uma prima residente nos Estados Unidos, decidiu avançar com o investimento inicial. A familiar apoiou a decisão e enviou mil dólares para serem aplicados na plataforma.
O acordo inicial previa que apenas uma pessoa testaria a plataforma, mas, face aos vários convites para novos investimentos, a prima acabou também por investir três mil dólares, utilizando o link da própria entrevistada.
Entretanto, antes de completar um mês na plataforma WS, surgiu uma nova oportunidade de investimento noutra aplicação com um funcionamento semelhante.
P. decidiu retirar 500 dólares do WS para aplicar nesse novo esquema, que acabou por colapsar poucos dias depois. “Consegui tirar 20 mil escudos, mas perdi 30 mil. Se eu soubesse, teria colocado esses 50 mil escudos no meu bolso”, lastima.
Apesar desse episódio, manteve o dinheiro acumulado no WS, motivada pela promessa de ganhos diários mais elevados quanto maior fosse o saldo investido.
“O Optcoin acaba por nos iludir porque quanto maior o saldo na plataforma, maior é o ganho diário. Por isso adiava constantemente o levantamento do dinheiro”, explica.
A situação agravou-se no dia em que decidiu finalmente fazer o levantamento dos fundos. “Maldito dia. Porque nesse mesmo dia o WS bloqueou os levantamentos”, completa. À data, tinha acumulado pouco mais de três mil dólares, resultado também da entrada de outras pessoas através do seu link.
O pior era que a mãe da prima necessitava do dinheiro investido e, perante a urgência, a entrevistada recorreu às suas poupanças para cumprir o compromisso.
“Preferi tirar da minha poupança e pagar com confiança de que recuperaria tudo na WS. E ainda pedi emprestado à minha mãe para completar o valor porque o que eu tinha não era suficiente”, acrescenta.
P. também emprestou dinheiro a outra pessoa para que esta pudesse entrar no esquema com o seu link. Após o bloqueio dos levantamentos, essa pessoa tentou contactá-la, mas a conversa não chegou a acontecer. “É claro que não vou afrontá-la para devolver-me o dinheiro”, comenta.
Segundo diz, há pessoas em situação pior, já que a WS prometia inclusive apoiar o pagamento de prestações bancárias de viaturas, criando uma sensação de segurança adicional.
“O esquema WS oferecia até dinheiro para as pessoas darem entrada no banco e comprarem as suas viaturas. É por isso que ultimamente muitas pessoas compraram o seu carro e até mandavam fotos nos grupos de conversas nos stands com os seus carros, isso nos iludia ainda mais. Porque depois pagam a WS com os seus USDT e pagam o banco as prestações mensais. A questõ que fica é como vão pagar agora? ”, questiona.
Impossibilidade de levantar dinheiro não é modelo financeiro legítimo
Em declarações ao Expresso das Ilhas, Denis Rodrigues, especialista em Crimes Financeiros, afirma que desde o momento em que surgiram alertas por parte do Banco de Cabo Verde (BCV), da Auditoria Geral do Mercado de Valores Mobiliários (AGNVM) e da supervisão bancária, os utilizadores deveriam ter percebido que estavam perante entidades não autorizadas a exercer esse tipo de actividade.
Aliás, explica que a impossibilidade de resgatar o dinheiro investido não é compatível com qualquer modelo financeiro legítimo. Segundo o especialista, a partir do momento em que uma plataforma deixa de permitir o levantamento dos fundos, os investidores devem assumir que “o pior já aconteceu” e evitar colocar mais dinheiro na expectativa de recuperar o que foi perdido.
Quando uma entidade actua sem licença, os cidadãos ficam automaticamente desprotegidos. “Se as coisas correrem mal, não há a quem reclamar. Isso é típico destes esquemas: desaparecem, reaparecem com outro nome e o prejuízo fica com as pessoas”, explana.
O especialista explica que estes tipos de plataformas seguem um padrão conhecido. “Os primeiros que entram até podem receber algum dinheiro, mas esse dinheiro vem dos novos investidores. Chega sempre o dia em que a torneira fecha e os últimos a entrar perdem tudo”, refere.
De acordo com Denis Rodrigues, o aparecimento de novos sites ou plataformas semelhantes faz parte da mesma lógica. “São mutações do mesmo esquema. Mudam o nome, a imagem, mas o modelo é exactamente o mesmo”.
Mesmo com o bloqueio dos levantamentos, muitas vítimas continuam a acreditar que se trata apenas de um problema técnico. “Há pessoas que justificam o bloqueio dizendo que o sistema caiu porque muita gente investiu. Depois são encaminhadas para outra plataforma e pressionadas a investir mais para recuperar o dinheiro”.

As consequências vão muito além da perda financeira. Segundo o especialista, começam a surgir problemas sociais graves. “Muita gente arrastou familiares e amigos. Agora surgem conflitos, deterioração das relações pessoais e problemas de endividamento”, indica.
Há também relatos de pessoas que contraíram empréstimos bancários ou recorreram a terceiros para investir. “Tudo isto caiu e agora surgem dificuldades para pagar dívidas, com impacto directo na saúde mental”, acrescenta.
Riscos criminais para investidores e promotores
Denis Rodrigues alerta ainda para as consequências legais. “Quem ganhou dinheiro através de um esquema ilícito pode enfrentar problemas fiscais e de branqueamento de capitais, porque não consegue justificar a origem dos fundos”, explica.
Em casos mais graves, pode haver acusações de associação criminosa. “Se ficar provado que houve angariação de pessoas, as penas podem ser agravadas e chegar a vários anos de prisão”, refere.
O especialista chama também a atenção para funcionários do sector financeiro envolvidos na divulgação destes esquemas. “Essas pessoas estão sujeitas a códigos de conduta e podem enfrentar processos disciplinares, incluindo despedimento, por colocarem em causa a reputação das instituições onde trabalham”.
Recuperação do dinheiro é pouco provável
Quanto à possibilidade de recuperar os valores investidos, Denis Rodrigues é cauteloso. “A recuperação só pode acontecer no âmbito de uma investigação criminal. O dinheiro deixa rasto, mas o crime não tem fronteiras e as autoridades têm”, pontua.
Ainda assim, admite que a probabilidade de recuperação é reduzida, sobretudo quando os esquemas operam a partir do estrangeiro e continuam a pedir mais dinheiro às vítimas.
Para o especialista, este caso evidencia a urgência de investir na educação financeira da população. “Promessas de retornos elevados e garantidos, falta de transparência, ausência de autorização regulatória e dificuldades no resgate são bandeiras vermelhas que as pessoas têm de aprender a reconhecer”, evidencia.
Denis Rodrigues considera ainda essencial cautela por parte de figuras públicas. “Quando pessoas com responsabilidade social falam destes negócios como algo normal, isso aumenta a confiança de quem tem pouca literacia financeira”, alerta.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1255 de 17 de Dezembro de 2025.
Foto: depositphotos
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