O “elixir milagroso” chinês que ameaça burros por todo o mundo

PorExpresso das Ilhas,20 nov 2018 6:48

​Chama-seejiaoe é apresentado como um «elixir milagroso» obtido a partir da pele de burros. Problema: a China não tem burros suficientes para o produzir. E o comércio legal e ilegal destes «animais sociais e inteligentes» está a ameaçar o seu bem-estar e as comunidades que dependem deles, avisa um especialista português.

O médico veterinário português apercebeu-se da “gravidade do problema” durante uma acção de formação no Peru. A trabalhar junto de uma comunidade que depende do trabalho dos burros para subsistir, João Brandão Rodrigues, 36 anos, especialista na saúde oral destes animais, ouviu relatos de famílias que os vendiam para exportação ou directamente a matadouros. Outros falavam-lhe de burros que desapareciam, misteriosamente, durante a noite. Ou que apareciam mortos, esfolados.

“É quase sempre assim: quando te apercebes, o problema já está institucionalizado”, diz o especialista citado pelo Público. Este, defende, “ameaça as populações de burros em todo o mundo” — culpa das “promessas vazias” de um “elixir milagroso” milenar, o ejiao, uma espécie de gelatina/colagénio obtida a partir da fervura da pele de asnos.

Com o enriquecimento da classe média chinesa, a elevada procura do dispendioso produto — que supostamente trata anemia, tonturas, insónias, acne, falta de energia, melhora a qualidade do sono, aumenta a libido e pode ser usado em cosméticos e na cozinha — deixou, nos últimos quatro anos,
de conseguir ser satisfeita somente com a pele dos burros criados na China. Os comerciantes “responderam com um frenesim estilo febre de ouro” e “têm andado à procura de burros por toda a parte”. Associações estimam que, todos os anos, sejam importadas 2,2 milhões de peles oriundas de África, América do Sul e algumas partes da Ásia.

Para corresponder à procura desejada, diz o especialista, a China precisaria de dez milhões de burros por ano. Em todo o mundo, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura estima que existam 44 milhões (maioritariamente espalhados pelo México, a Etiópia, o Paquistão, o Quirguistão e a própria China). De 11 milhões de burros em 1990, a China tinha, em 2016, cinco milhões, atesta o relatório Under the Skin, apresentado pela Donkey Sanctuary em 2017. No Quénia, desde 2009 que a população ficou reduzida a metade (900 mil). No Botswana houve um decréscimo de 60%, no Quirguistão 20% e no Brasil 5%. Alguns dos animais são transportados por mais de mil quilómetros, muitas vezes sem acesso a alimento, água ou oportunidades de descanso.

“O que antes era um privilégio dos imperadores, tornou-se um produto de luxo do século XXI, promovido, vendido e distribuído numa escala global”, conclui o relatório. A China deverá produzir cinco mil toneladas de ejiao, por ano: números que exigem quatro milhões de peles. A produção naquele país só consegue alcançar 1,8 milhões. Por causa disto, países como o Burkina Faso e o Níger já proibiram o abate e a exportação de burros destinados a este comércio.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 883 de 31 de Outubro de 2018.

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Autoria:Expresso das Ilhas,20 nov 2018 6:48

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  20 nov 2018 6:48

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