Carlos Andrade, ou Artolash, ficou conhecido por publicar vídeos de humor que retratam a tradição das famílias cabo-verdianas. Foi para Portugal e, como diz o próprio, “encontrou no Youtube uma espécie de catarse”.
“Comecei a ver cada vez mais Youtubers (grande maioria dos Estados Unidos) e sketches dos Gato Fedorento, Os Contemporâneos, Os Incorrigíveis, etc. Foi então que resolvi criar o meu canal, porque senti que eu também tinha algo a dizer” comenta.
Carlos conta que começou por publicar vídeos em português, mas após ver os vídeos do cabo-verdiano Miny Blá, resolveu que, a partir, de então os seus vídeos passariam a ser na língua materna. Os vídeos tornaram-se muito populares e são partilhados milhares de vezes nas redes sociais como Facebook e Instagram. O seu canal no Youtube conta com mais de 25 mil subscritores, além dos 31 mil seguidores no Instagram.
Sos Acav
Os criadores de conteúdos distinguem-se de outras pessoas famosas pelo fato de terem construído uma base de seguidores fora do espaço mediático tradicional, como a rádio e a televisão, por exemplo. A profissão de Youtuber é cada vez mais reconhecida em todo o mundo. Podemos encontrar crianças, jovens, adultos e idosos que criam canais e divulgam vídeos com conteúdos variados-desde pais e filhos com vídeos de brincadeiras, vídeo-aulas, entre outros. Conselhos de beleza também são bastante populares.
Quem também se rendeu ao Youtube é Anita Da Veiga, natural da ilha do Fogo, estudante na Praia e dona do canal Sos Acav. Há dois meses criou o canal, onde fala dos cuidados com o seu cabelo, como aprendeu a cuidar melhor dele, entre outros tópicos.
Motivada pelos amigos, começou por publicar pequenos vídeos nos stories do Instragam. À medida que os seguidores aumentavam, a demanda por vídeos mais completos também aumentava, e foi então que decidiu estender o Sos Acav ao Youtube. Apesar de recente, o canal já conta já com 500 subscritores e mais de 3 mil visualizações.
Um canal, várias rubricas
É inegável que o fenómeno ganha força mesmo junto dos meios tradicionais. Por exemplo, agora podemos encontrar vídeos de programas de televisão no Youtube, publicados pelas próprias emissoras. Em Cabo Verde, já existem rádios que transmitem programas em direto no Youtube, em simultâneo com a rádio.
Mas os projectos individuais destacam-se. Um outro Youtuber cabo-verdiano é Anilton Levy, de Tarrafal. Com 223 vídeos, o seu canal, criado em 2010, possui quase 12 mil subscritores. Anilton publicava músicas do irmão Djy Indiferente que, segundo o mesmo “não ligava para redes sociais ”. Em seguida, começou a postar vídeos de comédia improvisada que gravava com os primos, dando origem ao grupo Komikus Tarrafal. Mais tarde, começou a publicar os seus poemas.
“Agora, 2019, 24 de Janeiro para ser preciso, comecei a ser Youtuber, pois apesar de ter o canal há muito tempo, e ter ideias para estar mais ligado a esse mundo, não me sentia preparado para começar e assumir um projecto que pudesse dar sustentabilidade. Tudo na vida tem um momento certo, e foi nesse dia que decidi começar a sério, hoje conto com várias rubricas como: Novidade Kriolo, talentos Fora di Palco, e outras, sem deixar de lado o teatro e poesia. E novas ideias vão surgindo”, diz.
Lifestyle crioulo
Océane Andrade, “Shani Océane” para os seguidores, nascida e criada na cidade da Praia é outra jovem que com um canal na maior plataforma de vídeos online. Assim como a Sos Acav, o seu canal é recente e por isso conta com pouco mais de 200 subscritores. A ideia do canal surgiu após comentários no Instagram, segundo conta.
“Criei o canal porque recebo sempre várias perguntas no Instagram sobre viagens, maquilhagem, moda e outras coisas que costumo fazer. Além disso, o meu objectivo é trazer informações para os meus subscritores sobre todas as coisas que me perguntam e muito mais, partilhar o que gosto, principalmente aqui em Cabo Verde onde é difícil encontrar os produtos. Recorro a outros Youtubers como referências de consumo, levo muito em conta as suas opiniões antes de comprar algo. Sempre quis criar um canal, mas nunca tive tempo nem coragem, até há pouco tempo”, diz.
A exposição
É comum ver os vídeos dos Youtubers serem partilhados e, inevitavelmente, bastante comentados. Os comentários nem sempre são simpáticos. Mas Carlos diz filtrar os comentários e não se deixar abalar.
“Quanto às críticas, ligo e não ligo ao mesmo tempo. Quero saber tudo o que quem me critica diz, e ‘pôr a mão na consciência’ sobre o assunto, mas ao mesmo tempo não ligo. Ou seja, não deixo que os julgamentos nos comentários ditem o meu comportamento”, afirma.
Anita considera que por ser nova no mundo dos Youtubers ainda não se deparou com muitas críticas negativas, o que não significa que elas não existam.
“As críticas construtivas encantam-me ainda mais e motivam-me a continuar. Quanto às críticas negativas, eu procuro sempre conversar com quem já está há mais tempo no ramo (Youtubers cabo-verdianos) e sempre tenho o apoio deles”, conta.
Para Anilton, as críticas, sejam positivas ou negativas são bem-vindas.
“Se houver crítica, é bom, é sinal de que há pessoas que acompanham e que querem ver evolução, e isso contribui para melhorar a minha atuação. Sou grato às pessoas que fazem isso com respeito e dão sugestões, tenho melhorado bastante com isso”, afirma.
Já Océane revela que ainda não foi criticada.
“De forma geral o feedback que tenho recebido é muito positivo, há sempre piadas de uma parte ou de outra, mas nada de negativo. Ainda não tive críticas más ou negativas”, conclui.
Actualmente, a percepção é que os internautas se sentem cada vez mais, no direito de invadir o espaço pessoal, principalmente de quem publica vídeos na Internet. A exposição é um preço a pagar pela fama.
Océane relata que não se sente exposta, “o meu canal é pequeno ainda”, justifica.
Para Carlos e Anita a exposição depende do conteúdo partilhado com os internautas.
“Na minha opinião, nós expomos o que queremos que fique exposto. O "muito exposto", para mim, é quando alguém passa a viver para as redes sociais e não a fazer das redes sociais um meio de comunicar ou criar um projecto. Hoje é possível viver das redes sociais mas torna-se perigoso quando se vive para elas”, assegura Carlos.
“A exposição é real. Mas eu procuro sempre partilhar apenas o necessário, não mostro a minha vida pessoal, nem os meus problemas, não acho necessário”, complementa Anita.
Cuidado e equilíbrio são as peças -chave para controlar a exposição, segundo Anilton.
“A minha cidade, Tarrafal, tem cerca de 20 mil pessoas, e tenho vídeos que ultrapassam esse número de visualizações. É, de certa forma, uma responsabilidade para mim saber que há tantas pessoas vendo os meus vídeos, e nessa onda de ser um influenciador digital, temos que ter cuidado e equilíbrio”, garante.
Família vs Youtube
A base de tudo é a família. E para esses Youtubers, não é diferente.
Carlos diz que não mostra os seus vídeos à família, mas pelo facto desses serem muito partilhados é impossível que esta não veja alguns. Nas suas palavras “geralmente gostam”.
“Quando publiquei o meu primeiro vídeo, a família inteira partilhou. Gostaram muito, isso foi o que me deixou ainda mais feliz”, conta Anita.
Anilton, por sua vez, conta que grava os vídeos quando está sozinho em casa ou quando todos estão dormindo.
“Eles vêem depois de serem publicados, e não chegam a comentar comigo. Quando o vídeo é de humor, só oiço risos”, diz.
“A minha família encara isso de forma muito normal, os meus pais não ligam muito estas coisas de redes sociais”, revela Océane.
Entretanto, um ponto comum a esses jovens é que, tal como no caso de Anilton, são eles mesmos a gravar e editar os vídeos, sem a ajuda de qualquer pessoa.
Os ganhos
Carlos, Anita, Anilton e Océane, garantem que, por enquanto, não ganham dinheiro com o Youtube, embora alguns já comecem a receber presentes e propostas de parcerias.
“Eu já recebi alguns presentes. Mas as marcas só oferecem algo a quem sabem ser uma mais-valia para o seu produto/serviço. Nós somos capazes de chegar a mais pessoas, e onde há pessoas a publicidade vai atrás, nada contra. Contudo, no meu caso pede-se bastante publicidade de graça e isso rejeito logo. Muitos pensam que quando se tem muitos seguidores temos um dever extra para com eles, o que é simplesmente risível”, alega Carlos.
“Não ganho nenhum dinheiro com o canal. Mas isso não é problema para mim, pois tenho pessoas que me motivam a manter o canal, além disso, considero-o mais como um passatempo, e eu amo gravar os vídeos. Também não ganhei muitos presentes mas os que eu tive foram bastantes significativos, porque vejo que essas poucas mini empresas confiam no meu trabalho e na minha divulgação. Houve três empresas que me contrataram para divulgar os produtos, eu tinha que escolher um produto de acordo com o que eu sei que o meu público vai querer ver e obter”, relata Anita.
Para esses jovens Youtubers as empresas cabo-verdianas ainda não vêm o seu potencial comercial e por isso não pagam para serem divulgadas, ao contrário do que vemos no exterior.
“Não criei o canal com intuito de ganhar dinheiro ou de ficar famosa. Só queria mesmo partilhar coisas, é um hobby. Até porque é muito difícil ganhar dinheiro com Youtube em Cabo Verde”, informa Océane.
“Ainda não recebi presentes. Mas já recebi propostas no Instagram. Há os "recebidos", de marcas que te pagam para fazeres um vídeo sobre produtos, também há marcas que te escolhem como imagem de marca e aí tens que estar sempre a promover a marca, hotéis que pagam viagens, e muitas outras coisas. Mas aqui em Cabo Verde não acontece muito. Já fui contactada por uma Boutique mas ficou só na conversa”, finaliza.
“Normalmente divulgo lançamentos e novos artistas, e têm surgido pessoas ligadas a eventos com interesse em publicitar. E espero que empresas nacionais nos dêem atenção, a nós criadores de conteúdo online, e comecem a divulgar os seus produtos connosco, pois temos público. Então para além de estarem a divulgar os produtos junto aos possíveis clientes, estarão ajudando a manter o nosso projecto”, diz Anilton.
O cenário em Cabo Verde
Quanto ao fato de Cabo Verde estar ou não preparado para o fenómeno youtubers, as opiniões dos quatro divergem.
“Acho que nada está preparado até acontecer. As coisas vão acontecendo e acho que Cabo Verde tem muito potencial, mas as referências ainda são poucas. Precisamos de mais referências”, opina Carlos.
Anilton também pensa que é preciso mais referências.
“Acho que podemos conquistar o mundo com isso, sei que a língua em que, no momento, comunico no meu canal, me impede de ir mais longe, mas é a língua em que eu me sinto mais confortável, por isso a escolhi. Acredito que com a dinâmica que os que já estão nessa actividade estão tendo, novos rostos vão surgir, e quero isso, pois assim cresceremos todos. O mais difícil é o começo, vejo muitos que começam e antes de um mês desistem. Um projecto para ter sustentabilidade, é preciso tempo e acreditar. Certamente demorei muito tempo para começar, mas esse tempo foi bom, pois fiquei observando e estudando a melhor forma de iniciar, e hoje estou motivando outros a entrar nessa aventura”, diz o Youtuber de Tarrafal.
“Ter um canal no YouTube já é difícil, ter uma grande repercussão, é ainda mais difícil quando falas a língua cabo-verdiana, o público é restrito, como se trata de um país pequeno vamos ter de fazer “muito barulho” para sermos “notados” pelos representantes do YouTube. Com isso quero dizer que se tens um talento ou sabes fazer algo, não hesites em criar um canal no YouTube, mostra ao mundo o que sabes fazer, chame-os para a nossa terra, e fala em crioulo ou português, o que te apetecer, mas não deixes de mostrar.
Estou orgulhosa por cada um dos meus inscritos por poucos que sejam, orgulhosa de cada vídeo publicado e feliz de fazer parte dos que estão a fazer “barulho” no YouTube”, afirma Anita.
Para Océane, além de referências há outros obstáculos ao reconhecimento dos Youtubers nacionais.
“Cabo Verde ainda não está preparado para Youtubers. O primeiro problema é o acesso à Internet que ainda é difícil para muitos. Aqui a Internet é muito cara; uma grande parte dos meus subscritores vive fora. Também há ainda muitos empresários e marcas que não conhecem essa plataforma, então não é fácil encontrar parcerias comerciais. Sem deixar de falar que ainda não existe um "Youtube Cabo Verde," então a divulgação de vídeos em crioulo é muito complicada”.
Negócio de milhões
Há aspectos que limitam o alcance destes Youtubers cabo-verdianos que se aventuram numa actividade cada vez mais estabelecida e proveitosa em outras partes do mundo.
Com 90,1 milhões de subscritores (o maior número de seguidores), o Youtuber que consegue a maior receita directamente do Youtube é Felix Arvid Ulf Kjellberg, mais conhecido pelo seu nome de Youtuber PewDiePie. Por ano, segundo a Forbes Brasil, este digital influencer consegue uma receita que varia entre 383,2 mil euros e 6,1 milhões de euros. Além do dinheiro que recebem do Google, os Youtubers recebem produtos e dinheiro de várias marcas, para serem divulgados.
Shani Océane - Océane Andrade
https://www.youtube.com/channel/UCk2TzxtnUnbVRWUZQLojtHA
Sos Acav - Anita Da Veiga
https://www.youtube.com/channel/UCWSvaX_M4G4jaJRNZjVooKg
Carlos Andrade - Carlos Andrade
https://www.youtube.com/user/TheCarlos9669
Anilton Lévy - Anilton Lévy