Cyberbullying: a violência virtual

PorSheilla Ribeiro,20 out 2019 8:02

A pessoa recebe uma foto constrangedora de alguém e, sem pensar, partilha com os amigos. Nisto surge uma página de humor no Facebook, ou outra rede social, que faz piada com a imagem. Quem vê, por vezes, e sem notar o problema, faz um “gosto”, comenta e até partilha a imagem. Mas a verdade é que quem é gozado numa rede ilimitada não considera as piadas como sendo algo inocente. Tixa Helena, por exemplo, é um “meme” constante nas páginas de humor crioulo.

A expressão Memes de Internet é utilizada para caracterizar uma ideia ou conceito que tanto pode ser uma frase, como um link, imagem ou vídeo e que se propaga através da web rapidamente. Geralmente, um meme é associado ao humor. 

Os comentários, as partilhas e os alvos 

Tixa Helena, ou simplesmente Tixa, “gosta de publicar fotos ousadas e sensuais” quer no seu perfil de Facebook quer no seu Instagram. Ela mesma considera-se como sendo a rapariga “mais criticada de Cabo Verde”, pelo facto de “fazer o que gosta”. 

“Si tudu mudjer testona e bunita, ‘ntom Tixa furta testa” ou ainda, ”Tixa largatixa”, são algumas das frases associadas a esta jovem, por vezes em forma de publicação em páginas de humor e outras comentadas por pessoas nas suas fotos. Em alguns comentários, as pessoas culpam-na por ser alvo de piadas, por causa das fotos que publica. 

“Muitas pessoas perguntam porquê que eu publico essas fotos. Antes eu respondia porque o telemóvel é meu, eu é que pago a internet e eu mando nas minhas publicações”, conta a modelo. 

A jovem relata que teve acompanhamento psicológico devido às críticas incessantes, além da força de amigos e familiares. “Sufoco” é a palavra que Tixa usa para descrever momentos vividos, resultantes de cada palavra, cada comentário forte e cada crítica rebaixante”.

“Há comentários que machucam no fundo do meu ser. Porque sou humana e também sinto”, expressa, mencionando que acostumou-se a esses acontecimentos, porém, que não pretende deixar de publicar as suas fotos, apesar dos “comentários tóxicos e cheios de ódio”.

Kelvin e Vanessa, são um casal de namorados, que resolveu criar uma página com os seus nomes no Facebook. Na página, partilham com os amigos as suas fotos, vídeos de dança e outros momentos vividos pelo casal. Todavia, mesmo sendo uma “página de amor” não deixaram de ser “memes” e alvos de “comentários críticos”. 

“Unde td alguém tá Odja dois pombinhos Mi nta Odja 4 corninhos kkkk”, lê-se num comentário. 

Segundo o relato do casal, a página surgiu após sugestões de amigos que viam as publicações constantes dos jovens. 

“Mas, depois alguém fez um comentário maldoso, surgiram outros e mais outros que fizeram o mesmo”, relata o casal. 

A partir daí, de acordo com Kelvin e Vanessa, começaram a surgir os memes, que por serem muito partilhados e com centenas de comentários tornaram-se conhecidos por todos. Indignação, segundo Vanessa, foi a primeira reacção, depois o casal passou a ignorar.

“Por acaso nenhum dos comentários nos abalou pelo facto de sabermos quem somos e como é a nossa relação, então esses comentários, vindos de desconhecidos não tiveram grande impacto”, alegam. O casal, Kelvin e Vanessa, explica que se sentiu incomodado pelo facto de muitas páginas exporem as suas imagens sem autorização.

Cyberbulling, o que é? 

Conforme o psicólogo Nilson Gonçalves, os computadores, a Internet, os jogos virtuais, os telemóveis, as mensagens instantâneas e as redes sociais virtuais são lugar-comum dos jovens de hoje.

“Sem estes, qualquer jovem do mundo ocidental sente-se desamparado, chegando mesmo a sentir-se desenquadrado e inseguro, senão for cliente habitual destas tecnologias e do mundo da tecnologia. Tal como tudo, tem o seu lado bom e o seu lado mau. E os serviços que nos põem à disposição podem, facilmente, aliciar para criticarmos e humilharmos o outro”, explana. 

Prosseguindo, descreve que o Bullying, no recinto escolar, ocorre “quando se pensa existir perseguição e humilhação prolongada por parte de uma ou mais pessoas que se servem do seu poder para intimidar outro mais fraco que passa a ser vitima num relacionamento em que, precisamente o poder e a desigualdade dificultam que a última se proteja.” 

Entretanto, o Cyberbullying, conforme diz, corresponde às práticas de agressão moral organizadas por grupos, contra uma determinada pessoa e alimentadas via internet. 

“É um assédio moral que corresponde à manifestação de práticas hostis, via tecnologias da informação. Mantém-se desta forma o intuito de ridicularizar, assediar e ou perseguir alguém de forma agravada”, especifica. 

Consoante o psicólogo, no Cyberbullying os agressores aproveitam-se das fotos das vítimas para difamarem a sua imagem. A grande diferença do Bullying para o Cyberbullying, para Nilson Gonçalves, é que no último, o agressor vale-se das tecnologias para manter se no anonimato.

Porquê acontece o Cyberbullying? 

Para Kelvin e Vanessa, os memes e comentários partiram de pessoas que “querem esconder suas tristezas e infelicidades”. 

“Desejam ser iguais àqueles que tentam rebaixar”, afirmam alegando que os memes deixaram de surgir quando os agressores notaram que o casal não se abalava. 

Na opinião de Tixa, as páginas criam memes com a foto dos outros para ganharem notoriedade, principalmente com as suas fotos. Tixa alega que “preferem rebaixar alguém para conseguirem mais, do que usarem a página para algo”. 

Nilson Gonçalves diz que o Cyberbullying, na maioria das vezes, acontece porque as pessoas querem sentir-se “famosos, poderosos e populares” no ambiente em que se encontram. Por outro lado, prossegue, “querem aparecer” e acham que o meio para isso é insultar ou ofender os outros. 

“Mas também, às vezes, por detrás está uma pessoa carente e sozinha, insegura e com problema de auto-estima que quer um pouco de atenção”, justifica. 

Problemas gerados pelo Cyberbullying 

Isolamento, choro, tristeza, medo, silêncio, queda no rendimento escolar ou aumento das horas de estudo, queda no rendimento profissional com a atenção virada para uma tarefa e não querer estar com amigos e colegas, são alguns dos problemas desencadeados pelo Cyberbullying, segundo Nilson Gonçalves. 

“Pode causar ainda problemas de socialização, vergonha de si próprio, baixa auto-estima, insegurança e, em alguns casos, a morte (pensamentos destrutivos - desejo de morrer) ”, adianta. 

Muitos jovens, segundo este psicólogo, procuram ajuda psicológica devido aos efeitos devastadores do Cyberbullying. Avança ainda que algumas vítimas precisam de acompanhamento psicológico conjuntamente com o uso de medicamentos para superar os traumas.

“Adolescentes que foram agredidos correm o risco de se tornar adultos ansiosos, depressivos ou violentos, reproduzindo traumas nos seus relacionamentos sociais e pessoais devido aos episódios vividos “explana.

A legislação

A Lei nº8/IX/2017 de 20 de Março, ou ainda a Lei do Cibercrime tem como objecto “estabelecer as disposições penais materiais e processuais, bem como as disposições relativas á cooperação internacional em matéria penal, relativas ao domínio do cibercrime e da recolha de prova em suporte electrónico”. 

Apesar disso, aparentemente, não é possível identificar no regulamento, um dispositivo que se aplique aos memes. 

Tixa confessa que nunca pensou em denunciar as páginas que usam as suas fotos para fazer memes, por considerar algo incontrolável e que não deixaria de circular na rede. Além disso, segundo diz, uma vez que as fotos foram publicadas primeiramente por ela no seu perfil, poderia não se considerar que não autorizou o uso das mesmas. 

“É o velho ditado: o que já está na internet lá fica. Eu sou consciente dos meus actos e eu sei que quando faço algo numa terra onde tu és obrigada a seguir as regras e ser igual a toda a gente, usam as minhas fotos para criar memes”. 

Por sua vez, o casal Kelvin e Vanessa reconhece que apesar dos incómodos causados pelos memes na exposição das suas imagens sem a sua autorização, não cogita fazer uma denúncia. Isso porque, de acordo com o casal, a lei do Cibercrime “não protege as vítimas das piadas constantes das páginas de humor”. 

Recomendações relativas ao Cyberbullying 

Nilson Gonçalves diz que são necessárias medidas preventivas. Para evitar o perigo, o psicólogo recomenda a orientação e vigilância dos pais além da observação de práticas simples como instruir os filhos menores a não aceitarem convites de estranhos nas redes sociais, Evitar que exponham fotos e vídeos pessoais na rede, que possam vir a ser usados para montagens maldosas. 

“O Cyberbullying não pode ser visto apenas como simples brincadeira. Já ficou provado a gravidade dos efeitos que estes tipos de agressões são capazes de provocar. Por isso, é fundamental aplicar penalidades para quem pratica estas agressões”, afirma. 

Para o psicólogo, é preciso falar sobre Cyberbullying e sobre as relações humanas, de modo a se construir um mundo onde as pessoas não precisarão morrer para “chamar a atenção de sociedade e mostrar que há algo de errado em suas brincadeiras inofensivas”.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 933 de 16 de Outubro de 2019. 

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Autoria:Sheilla Ribeiro,20 out 2019 8:02

Editado porSara Almeida  em  20 out 2019 18:01

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