Os casos de covid-19 nem sempre se propagam da mesma maneira. Nem todas as pessoas infectadas são igualmente contagiosas, pois a maioria das transmissões parece estar ligada a eventos específicos e supercontagiosos. Segundo o El País, A maioria das infecções tem origem em algumas poucas pessoas, enquanto muitos outros infectados nunca transmitem a doença. Esta é uma notícia boa e má ao mesmo tempo. Por um lado, isso significa que, se esses eventos forem controlados, os contágios podem ser reduzidos sem bloquear completamente um país. Mas isso também requer um trabalho de rastreamento exaustivo para conectar os positivos detectados às circunstâncias em que se contagiaram. Na Espanha, por exemplo, a verdade é que não foi possível vincular a grande maioria dos casos a nenhum surto conhecido.
Fala-se muito sobre R, ou número reprodutivo, que mede quantos contágios ocorrem em média para cada caso. Esse número evoca um padrão típico e homogéneo de transmissão: se uma pessoa infectada contagia três pessoas, essas três infectarão outras três, e assim por diante. Isso representa, mais ou menos, o comportamento da gripe.
Mas há evidências de que os contágios da covid-19 não funcionam assim e que são determinados pelo que ocorre em grupos de pessoas. Pesquisas como a da London School of Hygiene & Tropical Medicine ou um estudo recente publicado na Nature indicam que alguns poucos eventos (como um coral ou uma reunião mal ventilada) e alguns doentes (talvez pessoas com uma carga viral elevada ou com muita vida social) são responsáveis por grande parte dos contágios. Estima-se que 80% das transmissões têm origem em 10% a 20% dos casos. Se imaginarmos cinco infectados, dois não infectariam ninguém, outros dois infectariam talvez uma pessoa cada e o quinto infectaria oito.
Para decidir se o ritmo de uma infecção é de um tipo ou outro, os cientistas usam outro parâmetro,o factor de dispersão K. Quanto mais baixo, mais transmissões ocorrem em grandes grupos de pessoas. O K das covid-19 pode ser tão pequeno como 0,1, de acordo com alguns estudos, menor ainda do que o da SARS (0,16) ou da MERS (0,25) e muito menor do que o da gripe (1).
O debate sobre a transmissão não está encerrado, mas há cada vez mais estudos e evidências que enfatizam a importância dos clusters, que é como são chamados os grupos de pessoas na origem do contágio. Isso teria consequências sobre como combater a epidemia: deveríamos conhecer melhor os surtos e definir outra forma de rastrear os casos.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 988 de 4 de Novembro de 2020.