Nos últimos tempos, a IA e os 'chatbots' (programas de computador baseados em IA capazes de manter uma conversa em tempo real por texto ou por voz), como o ChatGPT, entraram no léxico comum, levantando ameaças à produção de textos originais por um autor e aumentando o risco de plágios.
No entanto, mais do que os textos, começa a suscitar real preocupação a criação de obras artísticas visuais, nomeadamente pelo programa DALL-E, da empresa OpenAI (a mesma empresa que desenvolveu o ChatGPT), em que não se consegue encontrar o autor na origem, disse à Lusa o advogado Manuel Lopes Rocha, especialista em Direito de Propriedade Intelectual e Tecnologia.
"Há duas fases na discussão recente sobre a protecção dos autores por direito de autor. O direito de autor é muito antropocêntrico. O que a jurisprudência está a dizer em toda a parte do mundo, neste momento, e sobre as questões da IA, é que tem de haver sempre um humano por trás das criações", explicou.
Esta discussão a nível mundial tem sido impulsionada pelo britânico Stephen Thaler, que tem tentado patentear uma obra toda feita por um sistema de IA, o DABUS ('Device for Autonomous Bootstrapping of Unified Sentience'), de que é proprietário.
Stephen Thaler tem tentado mudar a posição dos tribunais e das entidades que registam direitos, mas até ao momento perdeu o contencioso de patentes em todo o lado, excepto na África do Sul, que reconheceu o DABUS como um inventor.
"Só que agora entrámos numa nova fase: até aqui era possível encontrar um ser humano na base de tudo isto. Neste momento, com esse software [DALL-E], da OpenAI, o problema que se põe é que já não se consegue encontrar, quase, o humano na origem".
Isso está a colocar problemas a um direito de autor que sempre foi, desde o seu princípio, antropocêntrico.
"Se a utilização das bases de dados do 'chatbot' derem origem a uma infracção de uma obra divulgada de um autor, aí haverá violação do direito de autor. No caso da pintura, em que esse 'software', o DALL-E, que faz obras onde é muito difícil encontrar o autor inicial, já se põem problemas de direito de autor, problemas dogmáticos e essa é uma questão extremamente interessante", considerou o jurista.
Numa altura em que se caminha sobre solo desconhecido, vão-se experimentando algumas variações na área do direito de autor: nos Estados Unidos, foi registada uma obra contendo imagens, as chamadas "IA generativas", em que o Gabinete de Direitos de Autor do país aceitou o registo dessa obra, dizendo que essas imagens foram geradas, apesar de tudo, sob controlo de autor, "mas [vai-se] chegar a um ponto em que é difícil encontrar um autor, mesmo remoto".
Manuel Lopes Rocha recordou que em 1988 houve uma alteração à lei de propriedade intelectual inglesa, ainda antes da directiva do 'software', que inseriu uma norma, segundo a qual o direito de autor pode pertencer também a quem arranjou os meios para produzir a obra.
"Na altura, aquela norma foi muito criticada, foi considerada completamente futurista, uma coisa [ao estilo do autor de ficção científica] Philip K. Dick. Ainda hoje é muito criticada pela melhor doutrina, mas é uma norma que foi recuperada nos debates recentemente. O que me parece é que em áreas como o 'software' de IA, na área da pintura, está-nos a colocar problemas, porque pode não se encontrar já o autor inicial. É muito complicado e isso coloca de facto problemas ao direito de autor tradicional".
O advogado reconhece que é preciso começar a actuar para preencher este vazio legal, mas afirma que ainda não se está a legislar sobre a matéria, porque "isto é algo muito surpreendente" e "grande parte da discussão vem de Novembro do ano passado".
O que está a acontecer neste momento é que a OpenAI procura criar "um sistema, uma espécie de código ético, em que serão identificadas aquelas obras que são totalmente criadas por IA".
Por outro lado, "a União Europeia está a estudar, neste momento, legislação sobre IA, mas isto é uma grande novidade, porque pela primeira vez está em causa o autor humano, sem dúvida".