Há compra de votos em Cabo Verde

PorJorge Montezinho,4 ago 2011 23:00


A conclusão é de João Alvarenga, professor de Ciência Política, que realizou o estudo "Fraude e corrupção do eleitor nas eleições legislativas de 2011 na Cidade da Praia". Às portas das presidenciais, quando o assunto vem novamente à luz do dia, o autor afirma que a percentagem de votos comprados, só no círculo da Praia, foi a suficiente para eleger entre um e dois deputados. O assunto voltou à actualidade, durante a campanha para as presidenciais, onde Carlos Veiga, Aristides Lima e Felisberto Vieira deixaram alertas para o "jogo sujo", durante as eleições de 7 de Agosto.

Expresso das ilhas - A primeira pergunta que queria fazer era se há, ou não, compra de votos em Cabo Verde, mas depois de ver o seu estudo só podemos afirmar que há.

João Alvarenga - Há compra de votos em Cabo Verde. De acordo com o estudo que fiz, em Maio de 2011, cobrindo 1233 eleitores na Cidade da Praia, descobri que cerca de 6 por cento dos eleitores, no dia ou na véspera das eleições, receberam dinheiro ou foram pressionados para votarem em determinado partido político.

Em termos de justificação. Porque é que as pessoas vendem o seu voto?

Posso avançar algumas hipóteses. O perfil do eleitor que vende o voto é o das pessoas mais humildes, de um estrato social mais pobre, ao contrário daqueles que não o vendem, que é a grande maioria. Outro factor é que, institucionalmente, não há nenhuma penalização para essa prática. As pessoas sempre falaram disso, que há compra de votos, mas ninguém chegou a levar casos ao tribunal. Há um mês, publiquei um artigo num jornal, denunciando esse facto, e não soube de nenhuma providência até ao momento.

Este estudo já foi enviado às autoridades?

Já o apresentei ao Presidente da Assembleia Nacional. Disse-me, na altura, que não sabia nada sobre o artigo que eu já tinha escrito. Acho estranho, e acho grave, que o Presidente da AN não tivesse sido informado sobre uma denúncia de fraude eleitoral. As instituições têm de tomar providências. Refiro-me à Procuradoria-Geral da República, à imprensa que eu acho que devia ter um papel maior de fiscalização, e à sociedade civil, através das suas organizações, que devem desempenhar papeis mais activos na defesa da democracia.

Democracia que é posta em causa com casos deste género.

Um dos princípios da democracia é a liberdade. Quando há compra de voto, desvaloriza-se o eleitor. É igualá-lo a uma batata, a uma mandioca, ou a um saco de feijão. Ou seja, da mesma maneira que se compra uma batata ou um pão, compra-se um eleitor. Precisa-se de certo número de eleitores, compra-se essa quantidade de eleitores. Acho que isso desvirtua a representatividade, desvirtua a democracia e desmoraliza o próprio sistema político eleitoral cabo-verdiano.

Como se faz essa compra?

A pergunta que eu fiz foi se as pessoas receberam dinheiro, ou alguma outra vantagem ou se foram pressionadas para votar em determinado partido político. A resposta foi afirmativa. Fiz duas perguntas, uma relativamente à véspera ou ao próprio dia da eleição e a outra sobre o período da campanha. As respostas afirmativas variam entre 4,1 por cento e 5,8 por cento. Com a margem de erro de 3 por cento, tanto para cima como para baixo, é só calcular o número de eleitores que podem estar envolvidos [um intervalo entre os 1,1 por cento e os 8,8 por cento, só no circulo eleitoral da Praia. O suficiente para eleger entre um a dois deputados]. Mas, se fosse só um a responder afirmativamente já era preocupante. A maneira como isso ocorre é agora caso de polícia. As autoridades têm de investigar os procedimentos utilizados.

Sei que as perguntas não indicavam que partidos compraram os votos. Mas, o fenómeno é transversal a todos os partidos?

Não posso identificar quais são os partidos que compram votos, porque não fiz essa pergunta. Agora, nós sabemos quais são os partidos que operam no nosso sistema. Uma investigação mais aprofundada poderá descobrir os culpados. Já sabemos a percentagem, podemos identificar quem são esses eleitores. As autoridades só têm de chegar até eles e perguntar a quem venderam os votos. Se nesse período, num meio tão restrito como é a Cidade da Praia, cheguei a estes valores, sabendo que há 13 círculos, acho que esse número devia preocupar não só as autoridades mas principalmente a sociedade cabo-verdiana. Porque são números expressivos, que podem comprometer a legitimidade da representação que temos.

A atribuição de bolsas, subsídios ou materiais, seja pelo Estado, seja pelas autarquias, não pode ser considerada também compra indirecta de votos?

Acho que sim. A nossa administração pública, assim como a política feita em Cabo Verde, necessitam de muita transparência. Nem seria necessário dizê-lo, porque consta dos princípios da administração pública na nossa Constituição. Se isso não ocorre, é porque há uma falha na administração pública. Quando se oferece uma bolsa, ou uma vantagem para alguém, se isso acontece de forma indevida torna-se um comportamento reprovável. Mas eu não perguntei o que acontece além do período eleitoral.

Haverá forma de, algum dia, acabar com a compra de votos?

Eu acho que as instituições têm de funcionar de forma mais plena. Todas elas. Outro aspecto é a própria imprensa, que eu penso que tem de estar muito mais presente. Tentar saber qual é, e como funciona, este círculo de compra e venda de votos. A própria sociedade civil devia ser mais activa neste processo de fiscalização. O voto é comprado em algum lugar. Portanto, a sociedade também deve intervir. Denunciar os casos às autoridades. O exercício da cidadania pressupõe que se respeitem as leis, as normas e que se exija às autoridades que também as cumpra. Portanto, por um lado, se tivermos cidadãos mais activos, mais conscientes, mais responsáveis em relação aos seus deveres e, por outro, as autoridades funcionarem efectivamente, não digo que acabaremos com a corrupção, mas teremos um resultado diferente. Temos de fazer um esforço para minimizar um problema grave. Se ninguém fizer nada, de certeza que as coisas vão piorar.

 

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Autoria:Jorge Montezinho,4 ago 2011 23:00

Editado porExpresso das Ilhas  em  4 ago 2011 23:00

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