Em Portugal, onde decorreu até 30 de Outubro, a conferência sobre tecnologia e inovação, organizada pela PT Telecom, Manuel Inocêncio Sousa deu a primeira entrevista desde que é presidente da CV Telecom. Neste exclusivo ao Expresso das Ilhas, Inocêncio assume que ainda está a conhecer a nova realidade e mostra-se pouco preocupado com a entrada de capitais angolanos no negócio das telecomunicações cabo-verdianas, apesar de reconhecer que já estão a ser trabalhadas estratégias para lidar com a concorrência. O responsável fala ainda das relações com a entidade reguladora e responde à polémica que surgiu com a sua nomeação, um ano e meio depois de ter liderado o ministério que tutelava o sector.
Expresso das Ilhas - Já tem uma ideia concreta do que quer para a CV telecom?
Manuel Inocêncio Sousa - Ainda é muito cedo para estarmos a falar de ideias para a administração da CV Telecom. Estou numa fase de conhecimento interno da empresa, uma vez que o sector das telecomunicações de Cabo Verde não é um sector novo para mim, mas a realidade concreta da empresa, os seus desafios, os seus programas, a sua estratégia, e eu estou numa fase de entrada, de apropriação da realidade da empresa, dos seus desafios, para poder fazer o meu trabalho.
Em termos de desafios, quais são os mais imediatos?
O desafio maior da CVT continua a ser aquele que já enfrenta desde que se liberalizou mercado das telecomunicações que é o de adaptar-se a um ambiente concorrencial. A concorrência, em Cabo Verde e no sector, está a aumentar, a empresa fez investimentos importantes nos últimos anos que a colocam numa boa situação de actualização tecnológica, seja para a prestação dos seus próprios serviços mas também à prestação de serviços aos outros operadores de telecomunicações em Cabo Verde. Temos é que continuar a adaptar-nos e sobretudo a inovar e a antecipar em relação à concorrência, contribuindo para o dinamismo que o sector das telecomunicações ganhou em Cabo Verde com a liberalização. É esse o grande desafio da empresa; continuar a liderar o mercado cabo-verdiano.
Ou seja, estar sempre na linha da frente?
Independentemente da capacidade que os concorrentes possam vir a demonstrar.
Um dos grandes investimentos da CVT, falado já há algum tempo, é o de levar fibra óptica à casa das pessoas. Quando estará resolvido o processo com a entidade reguladora?
Há já um diálogo com a entidade reguladora e nós vamos prosseguir de forma a viabili-zar o início da execução deste projecto, que é um plano muito bom para as telecomunicações cabo-verdianas.
Considera-o fundamental?
É. Na medida em que foi o próprio governo quem nos desafiou para o desenvolver. Porque levar fibra óptica às residências significa aumentar a possibilidade de levar banda larga, com largura suficiente, ao utilizador cabo-verdiano. Estamos a falar do melhor que há em termos de tecnologia no fornecimento de comunicação. Em resumo, é um projecto importante para a empresa mas é também um projecto importante para as telecomunicações do país e para os cabo-verdianos que poderão ter um nível superior de serviços.
E em termos de preços. Está nas previsões da CVT descer preços, ter uma política mais competitiva? Principalmente numa altura em que se fala tanto em clusters tecnológicos?
A questão dos preços está permanentemente na ordem do dia em Cabo Verde. Houve já uma enorme evolução em relação aos preços anteriores das telecomunicações em Cabo Verde, principalmente desde 2006 [quando se iniciou o processo de liberalização do sector]. O que nós temos em termos de tarifas hoje, se compararmos com 2006 vemos uma mudança tremenda. E essa dinâmica vai continuar. É a própria concorrência que a impõe e a empresa está a fazer esse caminho e vai continuar a fazê-lo, sempre dentro dos limites do possível.
E quais são esses limites?
Os limites são a garantia da empresa conseguir a sua própria sustentabilidade. Temos de olhar aos custos da prestação dos serviços e será dentro desse limite que faremos o melhor que pudermos para sermos competitivos no mercado e para facilitarmos o acesso de cada vez mais cabo-verdianos aos nossos serviços, que é uma forma de também rentabilizarmos a própria empresa.
Zeinal Bava [PCA da PT Telecom] esteve há pouco a falar com a administração da CVT, a dizer que tinham de pensar na forma de levar algumas das tecnologias inovadoras para o arquipélago. Qual é a importância de ter um parceiro como a PT?
A PT é extremamente importante para a CVT [tem 40 por cento do capital da empresa cabo-verdiana]. É um accionista de referência, foi o parceiro tecnológico da privatização da CVT e há uma relação muito grande entre nós e as empresas do grupo PT. Tudo o que são inovações e soluções desenvolvidas pelo grupo PT são soluções que estão à disposição da Cabo Verde Telecom. Por isso é que estamos sempre atentos para ver o que nos pode interessar para a CVT.
Alguma tecnologia que o tenha deixado mais impressionado e que gostava de levar para Cabo Verde?
Há algumas novidades que, com certeza, vamos avaliar.
Voltando à concorrência. Como analisa a entrada de capitais angolanos numa con-corrente da CVT, neste caso da T+?
Não tenho nenhum comentário especial a fazer, a não ser a minha satisfação de ver que Cabo Verde continua a ser atractivo para o investimento. O sector das telecomunicações parece-me que continua também a ser chamativo para os investidores e está a haver dinamismo no sector. O que temos de fazer é trabalhar muito para tirarmos dividendos dessa dinâmica.
Mas a entrada de um concorrente com grande capacidade económica não preocupa a CVT?
Só quer dizer que a CVT vai ter de enfrentar uma concorrência mais forte. É um desafio para a empresa e para todos os seus administradores, para os técnicos, para os gestores, quer dizer que vamos ter de trabalhar mais para mantermos a posição que temos no mercado. Acredito que isso só pode ser positivo para a CVT.
Já houve conversas entre a administração? Sei que não me vai dizer quais vão ser as estratégias da empresa, mas já pensam na resposta a dar?
Não conhecemos também a estratégia do investidor que comprou as acções da nossa concorrente. Antevemos qual será e naturalmente estamos já a preparar-nos para isso.
Voltando à entidade reguladora, com quem a CVT por vezes entra em choque, qual vai ser a relação com o novo presidente do conselho de administração da Cabo Verde Telecom?
A entidade reguladora tem as suas atribuições e a actuação que temos de respeitar. Temos também de fazer um esforço para termos o melhor relacionamento com o regulador do país, porque isso é incontornável.
Já houve algum encontro?
Já tive a oportunidade de fazer uma visita de cortesia ao presidente da ANAC, como fiz a outros parceiros importantes da empresa, e manifestei-lhe a minha vontade de contribuir para o melhor relacionamento possível entre a empresa e a entidade reguladora.
Houve abertura do outro lado?
Com certeza. Acredito que as entidades públicas agem de boa fé e acredito que o regulador das telecomunicações em Cabo Verde também o faz. Naturalmente estamos em posições distintas, mas temos de respeitar essas mesmas posições e através de negociações chegarmos a um entendimento para cada vez melhor funcionamento do mercado. Sobretudo para que os cidadãos cabo-verdianos e os clientes, e potenciais clientes, da CVT sintam que estão a ter o melhor serviço ao melhor preço.
Para terminarmos, como viu toda a polémica que surgiu por ter sido escolhido para PCA da CVT depois de ter chefiado o ministério que tutelava o sector?
Não dei nenhuma importância especial porque não vi nada de significativo na polémica. Entrei na CVT praticamente um ano e meio depois de ter saído do governo. A única polémica que houve é que eu poderia beneficiar a CVT em relação à concorrência por causa do conhecimento que tinha. Acontece que eu conhecia as políticas e não as empresas. Além disso as coisas mudam todos os dias no mundo dos negócios e principalmente neste campo de negócios. Não houve razões para a polémica, tentou-se apenas criar um pequeno facto. Essa foi a minha leitura na altura e foi por isso que não lhe dei qualquer importância nem reagi.
O Expresso das Ilhas viajou para Portugal a convite da PT Telecom