Clusters, um ensino preparado para os desafios, uma aposta em negócios que criem valores acrescentados, facilidades de financiamento, capacidade de inovação. A médio e longo prazo, estas são algumas das soluções para a falta de trabalho em Cabo Verde enumeradas por Manuel Pinheiro, Coordenador do Centro de Políticas Estratégicas, unidade que funciona há quase três anos e que quer transformar-se num centro de conhecimento.
Estar desempregado não pode ser sinónimo de estar resignado. Há janelas de oportunidade, mas também é necessário que o sector público apoie, que os privados aproveitem e que a sociedade civil se engaje num caminho de inovação. Uma coisa é certa, “são necessárias medidas para combater o desemprego”, diz ao Expresso das Ilhas o coordenador Centro de Políticas Estratégicas de Cabo Verde, Manuel Pinheiro, para quem os números dos que estão sem trabalho são preocupantes.
Principalmente, sublinha, porque afectam essencialmente jovens com escolaridade secundária ou superior e, acrescenta, “não é desejável, nem é saudável, que tenhamos 32 por cento de jovens entre os 15 e os 24 anos no desemprego”.
Nem tudo é mau. Manuel Pinheiro salienta que há janelas de oportunidade, têm é de ser criadas as condições para que estas sejam aproveitadas, como por exemplo o Fundo de Garantia, da responsabilidade do Ministério do Turismo, Indústria e Energia, que está em vias de ser publicado, ou o Fundo de Financiamento a Micro e Pequenas Empresas, para apoiar sobretudo os jovens. “Porque há projectos que precisam de financiamento. Com esse dinheiro, com monitorização e orientação técnica, poderá estar aí uma oportunidade para os jovens desempregados. E são áreas de atracção, relacionadas com o turismo, com as pescas, com o desporto e mesmo com a beleza. Se juntarmos os sectores de transformação de produtos agrícolas, que podem ser canalizados para o sector turístico ou de restauração e se acelerarmos a formação nas áreas de ciência e tecnologia, com esses mecanismos haverá oportunidades”.
Como reconhece Manuel Pinheiro, Cabo Verde tem algumas fraquezas na área económica. Por isso, o CPE quer ser um organismo que possa dialogar, formular, conceber e ajudar a encontrar o caminho de transformação de forma sólida, coerente e sustentável.
As cadeias de valor
Neste momento, por exemplo, está a desenvolver um estudo sobre as cadeias de valor do turismo, pesca e da agricultura, que será publicado em breve. “Como sabemos, 95 por cento do turismo está concentrado nas ilhas do Sal e Boa Vista e o consumo de produtos locais é pouco”.
Só produtos do mar, para dar um exemplo, são provenientes na sua grande maioria, cerca de 80 por cento, da importação, principalmente peixe congelado. “Quer dizer que há oportunidades de penetrar nessa cadeia de hotelaria”, adianta Manuel Pinheiro, “há também uma grande diferença de preços. Um quilo de peixe importado fica pelos 15 euros, enquanto localmente é comprado a 5 euros. Mesmo capturando peixes na sub-região continuamos a conseguir preços competitivos. Digamos que mesmo que tenhamos de investir mais 5 euros por quilo, em todo o processo de tratamento, conseguimos vender o peixe a 10 euros. Mesmo o importador sairia a ganhar”.
Uma outra possibilidade de crescimento, e que também está a ser objecto de estudo, é o agro-negócio. “Obviamente que precisamos de outros sectores, porque podemos ter o agro mas ainda não há o negócio”, analisa o coordenador do CPE. “Temos toda a problemática da rede de distribuição, que implica não só o transporte marítimo e terrestre, como o manuseamento, a embalagem e a certificação. Se houver investimento na qualidade, conseguiremos valorizar o produto”.
E por falar em produto, os de valor acrescentado também podem representar uma possibilidade de investimento. Cabo Verde não tem capacidade de produção para alimentar todo o seu povo, muito menos para alimentar também os turistas, mas apostando em certos nichos e em certos produtos “podemos vender mais caro e contribuir de melhor forma para a balança de pagamentos. Temos produtos que trabalhados e com boa aposta poderão chegar lá. Associar, por exemplo, a cultura do Fogo com o vinho do Fogo. É pena que o marketing não seja desenvolvido. Mas se encontrarmos no sector privado gente capaz de desenvolver essas valências, de certeza que vamos conseguir valorizar o potencial agrícola”.
O regresso ao mar
Os cabo-verdianos têm de voltar-se novamente para o mar é outra das ideias principais defendidas por Manuel Pinheiro. O CPE, juntamente com o Banco Mundial, está também a fazer um estudo sobre a cadeia de valores das pescas. “Criarmos uma espécie de recolha de peixe. Porque temos super produção na ilha da Brava, do Maio,em São Nicolau, na Boa Vista, se conseguirmos recolher essa produção, e se juntarmos também toda a costa africana, com quem temos acordos regionais e bilaterais de pesca, havendo boa frota podemos ser muito ricosem peixe. Falta-nosa frota e falta-nos promover o sector privado. E espero que o código de benefícios fiscais que aí vem, bem enquadrado, possa atrair mais investidores para estas águas. Não só estamos a falar de exportação mas também no consumo local – os hotéis, onde há esse mercado de 80 por cento por explorar”, reforça o coordenador do CPE.
Mesmo o turismo, que já contribui para cerca de 21 por cento do PIB, tem uma possibilidade de crescimento, mas convém que esse potencial surja através da diversificação: principalmente ligado às pescas e às indústrias criativas. “Embora aqui, o nosso conceito ultrapasse o do sector da cultura. Achamos que é um sector [a indústria criativa] que pode fazer diminuir o desemprego. Porque agir em áreas estratégicas leva tempo, tanto na criação de emprego como de crescimento económico, por isso precisamos de sectores que possam absorver, a médio prazo, a pressão causada pelo desemprego e a cultura é uma delas. Mesmo a desporto é uma área criativa. Se pensarmos na Espanha dos anos 80/90, não era uma potência do ténis, da fórmula 1, do basquetebol. Qual foi a decisão? Apostaram fortemente. E a seguir será a Alemanha, onde os clubes foram quase obrigados a criar clubes de futebol.Em Cabo Verde, por exemplo, temos a possibilidade de desenvolver os desportos náuticos. Mas, quem está a implementar as poucas escolas que vão havendoem Cabo Verde? Há ainda poucos cabo-verdianos envolvidos”.
O mar, apostar nas micro, pequenas e médias empresas, a agricultura, o turismo, tudo áreas com grande potencial de crescimento e exploração, resume Manuel Pinheiro, mas onde também é necessário que haja uma aposta forte tanto do sector público como do privado. A começar, por exemplo, na formação. “Aí haverá algumas questões, como a adequação da procura e da oferta e a qualidade dos recursos humanos que estão a sair das universidades e dos centros de formação cabo-verdianos. Há países pequenos onde os cursos não abrem anualmente.Em Cabo Verde, por exemplo, o curso de sociologia, ou de psicologia, não deviam abrir anualmente. Mas, também temos de adequar as áreas de crescimento económico com as áreas de formação. Já não é a primeira vez que um operador estrangeiro, holandês, vem a São Vicente procurar marinheiros, mestres, ou mecânicos navais, e não há. Temos de adequar os sistemas de formação. Claro que não esperamos que os jovens vão todos para a agricultura Será principalmente nos sectores inovadores e tecnológicos que eles vão procurar trabalhar. Para isso, terão de estar bem formados, com ensino de qualidade”, conclui o coordenador do Centro de Políticas Estratégicas.
O Centro de Políticas Estratégicas
O CPE surgiu na sequência de um fórum, realizado em Abril de 2003, sobre a estratégia de transformação de Cabo Verde – Para a construção de um quadro de consenso nacional para a transformação de Cabo Verde. O enquadramento legal só surgiu em 2005, mas, por razões várias, o centro só arrancou mesmo em finais de 2009 e em termos de acções começou a funcionar no final de 2010. Financiado principalmente pela Fundação Africana de Fortalecimento de Capacidades [ver caixa] tem desempenhado o papel de intermediário de diálogo entre os sectores público, privado e a sociedade civil e também na realização de alguns estudos e fóruns com o objectivo de trazer novas ideias e apoiar todas as partes integrantes do processo de transformação o que, no fundo, está em linha com o programa do governo. Ao mesmo tempo, o CPE tenta conciliar os diferentes interesses do público, do privado e da sociedade civil. No entanto, o Centro de Políticas Estratégicas não tem mandato para ordenar a implementação de qualquer política, simplesmente aconselha e organiza a publicação dos estudos feitos pelo organismo. “Podemos considerar que algumas acções já realizadas têm tido algum efeito pela positiva. Como o grande fórum, realizado em 2010, sobre as energias renováveis, que teve como objectivo trazer novas ideias, principalmente no campo da formação, e que criou um ambiente favorável para a existência de novos instrumentos, no quadro normativo e legal, assim como novos projectos”, afirma Manuel Pinheiro.
“Ainda faltam implementar alguns elementos, como a eficiência energética, mas nós concentramo-nos em questões estratégicas, e a energia renovável é uma delas. Não só para Cabo Verde como para toda a região. Se Cabo Verde apoiar a sério as energias renováveis, desde que os níveis de conhecimentos técnico e tecnológico sejam elevados, e haja formação, temos uma vasta área de penetração na nossa sub-região, principalmente na área da CEDEAO onde há cerca de 250 milhões de possíveis consumidores”.
Fundação Africana de Fortalecimento de Capacidades (ACBF – The African Capacity Building Foundation)
Fundada em Fevereiro de 1991, a ACBF é o resultado da colaboração entre os governos africanos e a comuni¬dade internacional de doadores. A missão é construir capacidade humana e institucional sustentável para um crescimento sustentável e a redução da pobreza em África. A visão da ACBF é que a África seja reconheci¬da pelas suas capacidades sócio-políticas e económicos - um continente com instituições e políticas eficazes, adquiridas através de um investimento sustentado em pessoas e instituições.
Desde o início, trinta e cinco países africanos têm apoiado ACBF, juntamente com quatro organizações internacionais: o Banco Mundial, o Banco Africano de Desenvolvimento, o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas e o Fundo Monetário Internacional.
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