A carreira sui generis de Toy Cabecinha

PorAntónio Monteiro,3 ago 2013 9:00

Distinguiu-se como futebolista e como músico, mas atribui a esta indecisão entre as duas vocações como um handicap para a sua carreira. “O meu mal foi ter ficado dividido entre a música e o futebol, de maneira que não fui um ás em nenhum deles”, diz entre uma curta gargalhada. Nesta conversa gravada momentos antes da sua partida para os Estados Unidos, Toy Cabecinha fala-nos da sua carreira como músico das férias e dos encontros com nomes sonantes da nossa música como Ildo Lobo, Bana e Djosinha.

De onde vem este teu nome artístico?

De facto chamo-me António Henrique Macedo de Melo e Pinto. Devo este nome a uma figura de São Vicente que já nos deixou. O nome pegou, mas, como podes ver, a minha cabeça não é muito pequena. Mas fiquei conhecido no mundo do desporto e da música por este nome. Por exemplo, se fizeres um cartaz e escreveres Toy Pinto, muitos não ligarão o nome à minha pessoa. A não ser que haja uma fotografia minha no cartaz. Sem fotografia é para se escrever mesmo Toy Cabecinha, porque senão ninguém vai ao espectáculo.   

 

Começaste primeiro como futebolista. Quando e porque se deu a transição para a música?

A primeira equipa em que joguei oficialmente foi na Juventude na ilha do Fogo. Antes de sair do Fogo joguei ainda na Académica de São Filipe. Em São Vicente joguei no Castilho, depois no Amarante e joguei finalmente na Académica de São Vicente, em 1972, antes de sair de Cabo Verde. Depois fui jogar em Angola. Alinhei em várias equipas como Benfica do Huambo que tinha sido campeão de Angola, depois no Lusitano de Lobito, quando se dá o 25 de Abril. Então entrei na música, porque já cantava  anteriormente. A convite de um grupo Angola que era The Lovers desloquei-me para o Brasil onde permanecemos quatro meses, depois fui para Portugal, onde tivemos várias actuações em Caiscais, depois fizemos uma digressão de quatro meses pela Alemanha. Entretanto regressei a Portugal e comecei a trabalhar na embaixada de Cabo Verde e fui transferido para os Estados Unidos (Washinton DC) onde trabalho ainda.     

  

Tens uma carreira musical muito sui generis. És o que se pode considerar um músico de férias. Como é que funciona?

Toy Cabecinha – Exactamente, de férias mas só aqui em Cabo Verde. Quando preparo as férias, contacto antecipadamente os músicos que tocam comigo para acertarmos o reportório e outros pontos. Mas, de facto, tem sido esta a minha maneira de passar férias em Cabo Verde – musicalmente e convivendo com pessoas amigas.

 

Pelo que vejo nos títulos dos jornais, vens mais do que uma vez por ano a Cabo Verde.

Sim, é que não tomo de uma vez os 22 dias úteis de férias a que tenho direito. Por exemplo, o ano passado vim no mês de Agosto para alguns espectáculos e depois regressei para cantar no tributo a Cesária Évora no mês de Dezembro, em Santo Antão.

 

Qual é o teu reportório para esses concertos de férias?

O meu reportório é constituído por música variada que se tornou moda designar-se World Music, ou Música do Mundo, em português. Basea-se essencialmente em música cabo-verdiana com jazz flavour[sabor a jazz]. O meu estilo de cantar e de tocar tem um cheirinho de jazz que meto seja na morna ou coladeiras.

 

Sei que tens um outro reportório mais oculto baseado nos clássicos dos anos 60 e 70 como Gianni Morandi…

Los Angeles Negros, Julio Iglesias, Roberto Carlos…Fazem parte do meu reportório, porque são músicas do meu tempo.

 

Conheço muitos artistas que deixaram de cantar essas músicas, porque depois do 25 de Abril de 1974 passaram a ter uma conotação negativa.

Acho que não deviam ter problemas em cantar esses temas, embora sem nunca esquecer as nossas raízes. Na altura que eu cresci tínhamos de ter essas músicas no reportório, porque senão não éramos aceites. Mesmo Paulino Vieira e outros músicos daquela época cantaram essas músicas…

 

Acho que exigiam mais do cantor, até porque as letras eram em espanhol ou italiano.

Exigiam muito mais, porque naquela altura passamos horas e mais horas a ouvir as cassetes ou os discos vinil para copiar as letras, porque não havia todas essas tecnologias de que dispomos agora. Depois era tudo em língua estrangeira. Cheguei a cantar em francês, italiano, espanhol, português. Evidentemente que eram músicas para comporem o reportório, mas a base era sempre a nossa boa música cabo-verdiana.

 

Na Praia tivemos um grande intérprete de Gianni Morandi que é o Chindo Morandi cujo nome artístico vem deste tempo.

Conheço o Chindo. É um apreciador desta música dos velhos tempos. Conheci também o Pedrinho Naná, o Secré de Os Apolos, com quem cheguei a cantar em Portugal e num terraço na Fazenda, era eu ainda um rapazinho. Eu tenho uma música obrigatória no meu reportório que é Amor Adios dos Los Angeles Negros. O meu grupo começa a fazer introdução e o público começa logo a bater palmas. Gosto de cantar este tema e sinto-me orgulhoso quando o público pede-me para cantá-lo. Em tudo o que fazes nesta vida, a primeira coisa que deves fazer é agradar a tua pessoa. Agradando a tua pessoa, podes então transmiti-lo para outrem.

 

Ao que parece a nossa juventude já não se comove com estes temas.

As coisas mudam, e tudo muda na vida. Não podemos esperar que os nossos jovens gostem da música daqueles tempos. Há um jovem dos seus 20 e tal anos que costuma acompanhar-me que é o Ivan Medina. Ele toca todas essas músicas como deve ser. É claro que a maioria dos jovens está voltada para outro género de música e eu aceito isso. Todos temos o nosso tempo.

 

Qual é o público para essa música dos anos 60/70?

É para um público mais maduro, pessoas que viveram aquela época e que estimam revivê-lo num concerto.

 

Porque nunca fizeste um concerto temático, só com música dos anos 60?

É possível fazê-lo. Aliás eu tinha agendado um concerto num dos hotéis da Praia, mas que foi cancelado devido a um caso de morte na família. Já me deste uma boa ideia – fazer um concerto só com esta música para um público específico. E espero que apareças.

 

Não chegaste a interpretar músicas do brasileiro Nelson Ned que foi também muito popular nos anos 60?

Tive a honra de compartir o palco com ele num espectáculo em Angola, em Lobito. Foi na altura em que saiu o seu tema Receba as Flores que lhe dou, em cada flor um beijo meu.

 

Acho que essa música não desapareceu completamente em Cabo Verde, ficaram pelo menos alguns acordes em músicos como Zeca Couto…   

Zeca Couto, Chico Serra, Ulisses Português, são músicos que metem ainda esses acordes dentro de qualquer música. Tens razão, sentes que há algo por detrás que vem de longe.

 

As tuas actuações em Cabo Verde dão para pagar as férias?

Não, para isso as deslocações Estados Unidos/ Cabo Verde são muito caras. É apenas uma pequena ajuda para passar umas férias ligeiramente como as quero passar. Parecendo que não, há muita actividade musical em Cabo Verde, mas o pagamento é pouco. A situação financeira está má em todo o mundo e o mercado ressente-se. Tinha uma actuação na quinta-feira na Praia, mas acabou por ser cancelada, porque a organização disse-me que não podia pagar todos os meus músicos.

 

Qual é o cachet para um espectáculos desses?

Cerca de 15 a 20 contos, para uma hora e 15 minutos de música. É claro que há outros que recebem muito mais do que isso. Infelizmente é assim. Mas eu não canto por dinheiro, mas porque gosto de cantar. Exijo apenas bons equipamentos sonoros e bons músicos.

 

Com todos os fãs que tens por aqui e também nos Estados Unidos, porque é que não gravaste ainda o teu primeiro CD?

Já falei com o Kim Alves e ele vai gravar-me o meu CD. O projecto estava há muitos anos nas mãos do Neto Andrade, mas ele tem muitas ocupações.  Tenho sete temas meus, dois de Manuel d´Novas e dois de Antero Santos.

 

Porque está a demorar assim tanto a gravação deste disco?

Bom, já tenho um CD gravado ao vivo, mas não é nada oficial. A demora tem a ver com o meu trabalho, a disponibilidade dos músicos e também o querido dinheiro, porque um CD custa algum dinheiro. Um CD para ficar como eu quero, com violinos e uma pequena orquestra fica-me por perto de 30 mil dólares. Não é brincadeira e eu não tenho dinheiro. 

 

Nas tuas vindas para Cabo Verde há sempre shows para emigrantes. Porquê?

Dou sempre espectáculos para emigrantes quando venho. Há dias cantei num resort em Santo Antão e fui muito acariciado pela directora do estabelecimento, a Albertina Pinto.

 

Que temas não podem faltar num concerto teu?

Não pode faltar Bitina (Cinderela) de Manuel d´Novas e nunca pode faltar também Amor Adios (Los Angeles Negros) que é sempre o prato da noite.

 

Cabo Verde despediu-se recentemente de Bana. Tinhas alguma ligação com o cantor?

Sim, tinha ligações à sua música e à sua pessoa. Conhecia o Bana desde o tempo que ele abriu um restaurante na Matiota, em São Vicente. Cantava sempre com o Bana nas noites cabo-verdianas que ele realiza no primeiro piso do restaurante. Nessa altura Os Tubarões tinham dado o seu primeiro espectáculo em São Vicente ainda com o vocalista Luís Sousa Lobo. O que muita gente não sabe é que quando o Luís Lobo deixou o grupo eu é que fui indigitado para ser vocalista de Os Tubarões. Há dias, no Quintal da Música, a sua viúva [Luísa Lobo]lembrou-me desse aspecto. Mas não consegui adaptar-me na Praia e assim o Ildo Lobo entrou no grupo. Fomos grandes amigos e compartilhamos o palco aqui na Praia, nos Estados Unidos e em Portugal. O que também poucos devem saber é que chamavam o Ildo Lobo na altura Toy Cabecinha. Voltando à conversa sobre o Bana, foi uma pessoa com quem convivemos sempre de perto, cantamos em vários espectáculos, nos Estados Unidos, em Cabo Verde e Portugal, sempre convidado por ele. Participei como cantor no memorial dedicado ao Bana que Tito Paris organizou em São Vicente e participei no cortejo fúnebre do Bana em São Vicente com vários músicos como Tito Paris, Bau, Voginha e muitos outros.

 

Voltando ao Luís Lobo. Em que ano é que Os Tubarões actuaram em São Vicente pela primeira vez?

Se não me engano, em 1969, quando Luís Lobo era vocalista de Os Tubarões, Duia era baterista e Zeca Couto tocava piano. Estou a falar da primeira geração de Os Tubarões, quando Ildo Lobo nem sequer cantava no grupo. Ele actuava aqui na Praia nas serenatas e quem me apresentou o Ildo foi Djonsa di Nha Iva (João Ramos). Tinha vindo actuar  na Praia com o grupo Os Alegres, eles regressaram a São Vicente e eu fiquei mais uns dias aqui na Praia. Como estava hospedado em Monte Agarro, não muito longe da pensão dos seus pais, o Djonsa foi buscar-me para uma serenata e apresentou-me o Ildo Lobo, que morava então na casa do Luís Lobo. Foi o meu primeiro encontro com o Ildo Lobo e a partir daí tornamo-nos grandes amigos.

 

 Os grandes nomes da música cabo-verdiana estão a desaparecer. Iremos ter novos Banas e Cesárias?

Não, nunca iremos ter novos Banas e novas Cesárias. Hão-de aparecer pessoas com o seu próprio perfil e que hão-de contribuir para o desenvolvimento da música cabo-verdiana. Já tivemos Bana, Cesária Évora, Ildo Lobo, Vadú, Sema Lopi, deixaram-nos uma grande lição, mas a geração futura terá de seguir o seu próprio caminho. Ninguém poderá ser Bana outra vez e ninguém jamais poderá ser Cesária.

 

A Divina Providência tem concedido as melhores vozes destas ilhas a artistas cuja aparência física fica muito longe dos nossos ideais de beleza. Será?

Isso é verdade. Inclusive posso até contar uma anedota a este respeito. Uma vez estava a cantar em São Vicente, no Hotel Porto Grande. Era uma sequência de músicos que iam actuar e quando chegou a minha vez, o Djosinha chamou-me ao palco com as seguintes palavras: ‘agora quero apresentar-vos o meu grande amigo e colega musical de Washington DC, Toy Cabecinha’. Ripostei-lhe ‘Djosinha, desculpa-me, mas o meu nome no cartaz está escrito Toy Pinto. Já agora, tenho uma coisa tua, posso contar? Uma vez perguntaram ao Bana porque é que ele não casava com a Cesária e este respondeu ‘eu? Para irmos ter um filho com a cara de Djosinha?’.

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Autoria:António Monteiro,3 ago 2013 9:00

Editado porAntónio Monteiro  em  2 ago 2013 16:24

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