Expresso das Ilhas - António Indjai disse que “Cabo Verde voltou a escapar” que comentário de pode fazer a estas declarações?
Aly Silva – A Guiné-Bissau tinha mais a ganhar em ter Cabo Verde como aliado, como sempre teve. E a Guiné quer que Cabo Verde pactue com os desmandos que acontecem no país. Não pode ser. Não é possível a Guiné continuar neste poço sem fundo, com partidos políticos com exércitos privados, ter uma população constantemente assustada e com o coração nas mãos. O António Indjai, já o disse, tem de ser parado. Eu apoio incondicionalmente todas as sanções a que a Guiné-Bissau está sujeita. Porque a Guiné-Bissau tem de saber que a democracia, ainda que não seja perfeita, é baseada na vitória e na derrota.
Mas como é que o António Indjai chega onde chegou?
Na Guiné-Bissau, infelizmente, os analfabetos é que mandam. Quando se tem ministros que assinam com um carimbo e onde temos directores gerais que não passaram sequer pelos bancos de escola. Quando temos tudo isso a acontecer já não falamos em democracia, falamos em anarquia e em lei da força. Não podemos ter um país onde a tropa invade a polícia judiciária, tira de lá um agente, leva-o para a rua dá-lhe um tiro e depois deixa-o lá. Isto não são coisas que possam acontecer num país democrático. Apelo aqui à comunidade internacional por uma oportunidade mais. Mas uma oportunidade com regras de jogo bem definidas. A Guiné precisa, como um doente nos cuidados intensivos, de um tratamento de choque para sair do estado vegetativo em que se encontra para que os guineenses durmam em paz, acordem em paz, tenham emprego, educação e saúde.
Como é que pessoas como Indjai e todo este governo de transição são vistas na Guiné-Bissau?
Muito mal. Eu saí da Guiné depois do golpe. Fui preso, espancado. Sai de Bissau a 26 de Outubro por causa das ameaças que todos conhecem.
O povo da Guiné foi preparado para tudo isto. Num país normal, como Cabo Verde, o ano lectivo dura nove meses, na Guiné-Bissau dura três e ainda com greves pelo meio.
A Guiné a partir do 14 de Novembro de 1980 [n.d.r. data do golpe de estado que depôs Luís Cabral], tornou-se num poço sem fundo e estamos sempre a pique. Mais do que palavras, é preciso acção. A Guiné está tomada pelo Hezbollah. Sabe lá deus no que aquele país pode tornar-se porque o que já é, é uma afronta.
Mas há presença de células de extremistas islâmicos?
Completamente. É isso que eles querem. Eles querem um país desses, um ninho de víboras onde podem estar e subornar tudo e todos e depois afrontar quem? A Europa e países de África onde há interesses europeus e americanos.
A Guiné está em vias de se tornar uma base operacional…
A Guiné é uma base se não operacional pelo menos de logística. Porque ali não há controlo, só há controlo até onde existe alcatrão. Por isso é que no nosso país existem cerca de 300 ONG’s. E depois há outro risco. Somos um país com cerca de 60% de analfabetos, quando se prepara um povo assim, ele não reclama. Sabemos como é África. Cada homem tem duas mulheres e três, quatro ou cinco filhos. A preocupação de um chefe de família é ir todos os dias ao porto tentar conseguir um quilo de arroz para sustentar a família. Isto é triste. Um povo que teve uma luta brilhante de libertação. Brilhante. Como nunca se viu em África. Timor, que tem um seu filho ilustre, um prémio Nobel da Paz na Guiné-Bissau, não pode deixar sujar o emblema da paz que ele ostenta.
E qual é a relação da Guiné-Bissau com a CEDEAO, com a União Africana?
Logo depois do golpe a CEDEAO foi a primeira organização a condenar e a exigir a reposição da normalidade. Mas como os políticos da Guiné são manhosos, mais do que mentirosos são manhosos, dois dias depois a CEDEAO volta atrás.
O que motivou esse volta-face da CEDEAO?
Já disse. Por causa da manha dos nossos políticos. Não há um político na Guiné que diga a verdade. É tudo uma cambada de traiçoeiros, de gente sem nível. Portanto, o apelo que eu deixo enquanto cidadão da Guiné-Bissau é pedir à União Africana que façam um esforço para estancar a hemorragia que aquele país tem. A Guiné-Bissau precisa de estabilidade. A Guiné não tem o nível de desenvolvimento de Cabo Verde. Já andei por aí, vi o desenvolvimento que este país tem. É disso que a Guiné precisa. O Senegal não nos deixa respirar, a Nigéria tem dor de cotovelo por causa de Angola. Mas Angola não estava na Guiné para fazer guerra, Angola deitou tudo abaixo, quartéis, esquadras de polícia, para construir de novo. Gastou muito dinheiro para alimentar a tropa. Mas Angola fez isso porquê? Porque a Guiné tornou-se durante o tempo da guerra em Angola no principal ponto de apoio logístico do governo angolano. A Guiné teve milhares de combatentes caídos lá naquelas matas de Angola a fazer a guerra junto dos seus irmãos angolanos. Angola não precisa da Guiné para se tornar rica. Só que no Senegal, quando souberam que Angola ia construir o porto de águas profundas em Buba, entraram em parafuso. Aquele seria o porto mais estratégico da costa ocidental africana e o Senegal não quer. Mas quem é o Senegal, um país soberano como a Guiné para querer ou não o desenvolvimento da Guiné? Nos não podemos aceitar que o Senegal ou qualquer outro país nos imponha a sua vontade. Não gostam de nós? Deixem-nos em paz.
Vêm aí eleições na Guiné. O que se pode esperar?
Isso é outra chachada. A Guiné não tem condições, nem meios. E não são as eleições que vão resolver os problemas da Guiné-Bissau. Como é que vão recensear as pessoas naqueles locais onde não chega um carro? Como vão recensear as pessoas sabendo eu como chove naquele país? Por sms?
Entretanto fala-se em recenseamento com dados biométricos…
Mas a Guiné-Bissau sonha alto. A Guiné-Bissau parece um elefante a dormir e a sonhar que cruza o Kilimanjaro. Na Guiné-Bissau é tudo ilusão. Já disse e repito, a Guiné tem de ser encarada como um doente nos cuidados intensivos de um hospital, precisa de todos os cuidados para voltar a andar com os seus pés.
Entretanto, por causa destas eleições, Carlos Gomes Jr. disse que ia voltar à Guiné. A solução pode passar por ele ou não?
Eu não sou do PAIGC, isto não é uma declaração de interesses, eu nunca fui do PAIGC. Mas tenho a certeza que se ele regressar, ganha na primeira volta. O povo gosta dele…
Uma coisa é o povo gostar dele, outra é ele ser parte da solução para a Guiné.
Mas ele não é parte do problema. Ele teve foi um problema nas mãos que foi o golpe de estado. Como é possível a comunidade internacional dar-te milhões de dólares para fazer eleições e na véspera da segunda volta andarem aos tiros nas ruas da capital e dizer que agora não há eleições. Mas com que direito? Um criminoso é para estar na cadeia e não no Estado-maior ou no governo. Um analfabeto é para ir à escola primeiro. Cabo Verde tem algum ministro analfabeto, algum deputado analfabeto? Não me parece. Mas na Guiné talvez 40% dos deputados sejam analfabetos. Quem confunde catana com caneta é para estar à margem, não precisamos disso. No golpe do ano passado foram mortos com tortura dezenas de guineenses.
Domingos Pereira, antigo secretário executivo da CPLP disse que ia concorrer à presidência do PAIGC. Este sangue novo que surge neste e noutros partidos pode ajudar a Guiné?
Sim. Mas é preciso que os deixem trabalhar. A Guiné precisa de reorganizar o estado, dar uma volta de 180 graus e reorganizar-se. Um país constrói-se todos os dias, não é só quando há eleições ou quando o rei faz anos. Constrói-se to dos os dias, não se constrói é com analfabetos. Cabo Verde não consegue controlar toda a droga que cá entra. Os Estados Unidos não o conseguem. Mas o que é que acontece quando são apanhados? São processados, julgados, condenados e vão para a cadeia. E é lá que um criminoso deve estar, não é cruzarmo-nos com essa canalha nas praças de Bissau.
Mas como é que a Guiné chegou a este ponto?
14 de Novembro de 1980. Com esse fatídico golpe de estado. A partir dali perdemos o rumo. Agora nem com 40 bússolas encontramos o rumo. Isso é triste. Triste. Eu estou aqui e vejo como funciona Cabo Verde. E não precisava de ca vir para saber, porque eu leio, vejo televisão, fui à escola. Ninguém me deu um diploma por causa dos meus olhos azuis. Trabalhei em algumas das melhores publicações em Portugal, fundei um jornal meu. E chego ao meu país para ser preso, espancado e torturado. Para quê? Tenho dois filhos. Eu não sou herói. Não quero nada. Só quero fazer o meu trabalho o melhor que sei e posso. Se falhar… tribunal, não é espancamentos, tortura. Não! Isso só cria ódio. Temos jovens inteligentes, sedentos de estar a frente do país, mas ninguém os deixa. Porque os que lá estão, para assegurar o amanhã já estão a formar uma nova corja de bandidos. E se queres que te diga, não há melhor catálogo de bandidos como aquele país.
A prisão de Bubo, pode levar num futuro próximo à prisão de Indjai?
A prisão do Bubo foi como uma segunda independência. A prisão do António Indjai não será a libertação da Guiné, mas será um aviso muito sério. Ele disse que preferia suicidar-se. É um cobarde. Homem que é homem tem de assumir as responsabilidades dos disparates que faz. Ele não é homem. E ele fazia-nos um grande favor se desse um tiro na cabeça, mas que fosse sozinho. Fazia-nos um grande favor. Ele que vá ao Pidjiguiti e atire-se ao Geba. Ate quatro tijolos aos pés e vá-se embora! Porque se não vai acabar lá na prisão nos Estados Unidos e nunca mais vê a Guiné.
As declarações dele de que terá enriquecido quando trabalhou nas finanças e que prefere o suicídio à prisão são um assumir de que ele é criminoso?
Ele é um criminoso. Um criminoso que numa escala de um a dez ele é onze. O que ele disse com aquelas declarações foi pedir à comunidade internacional para ir socorrer a Guiné. Rapidamente. Não venham em força para fazer guerra, venham para estabilizar a Guiné.
Temos falado muito do papel da África Ocidental. Mas e os Estados Unidos? Depois desta intervenção que levou à prisão de Bubo na Tchuto o que se pode esperar?
A América é um país sui generis. Quando os Estados Unidos te acusam de conspirar para matar americanos, de cumplicidade com grupos terroristas como é a FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) não tens margem de manobra. Hoje em dia há agentes americanos na Guiné. O António não foi preso por intuição dele. Mas vai ser. Eu tenho a certeza absoluta que o António Indjai vai ser preso e a exemplo do Bubo será algemado de mão e pés, vai-lhe ser posto um capuz e ele vai ser levado para os Estados Unidos.
As máfias são transversais à sociedade guineense?
Completamente. Eu falo do meu país com muita dor. Tenho a alma em sangue quando falo da Guiné. Eu não falo da Guiné com ódio, nem contra quem me espanca e me prende, eu não tenho ódio nenhum. Mas por amor de deus. Não é assim que um país deve ser, uma manta de retalhos! Temos estrangeiros que chegam, pagam mil francos e tem visto para vinte anos, no dia seguinte tem a carta e no outro a nacionalidade. Temos russos que se lhes deres o mapa não te sabem dizer onde fica a Guiné. Chineses com passaportes com dois tipos diferentes de letra, vê-se mesmo que é tudo malandrice. Mas porquê? O que é que nós fizemos para sofrermos assim? Ajudem-nos. Cabo Verde, Angola, Moçambique, Portugal, Timor, Brasil, pelo menos esses podem ajudar-nos.
A CPLP devia ser mais interventiva?
A CPLP por questões geográficas é difícil. Geograficamente estamos nos antípodas uns dos outros. Estamos todos muito longe, não há uma força conjunta para resolver os problemas de cada país. Na Guiné o Estado banalizou-se. Tens uma farda e uma arma e és senhor absoluto.
E a economia da Guiné. Existe?
Eu costumo brincar dizendo que a Guiné tem uma série de indústrias. A economia da Guiné é informal. Muito mais informal do que se possa pensar. No mercado de Bandim consegues trocar um milhão de dólares, mas se fores ao banco pedir um empréstimo para comprar uma bicicleta pedem-te a casa como garantia. A Guiné é um exemplo do que não pode acontecer num país. Um exemplo flagrante. Precisamos de apoio, de muito apoio.
Depois da estabilização da Guiné, por onde é que devia passar o futuro da economia guineense?
Pela agricultura sobretudo. Mas como temos um país em que as pessoas andam a arar com as mãos, nem daqui a um século produzes dez toneladas de arroz.
A nível internacional, que futuro para as relações entre Cabo Verde e a Guiné?
Espero que venham a ser melhores do que quando eram boas. Não temos nada a perder. Há uma afinidade. Não temos afinidade com o Senegal, em comum só temos uma fronteira, não temos afinidade nenhuma. Só tínhamos a beneficiar com a melhoria das relações. Porque não ganharmos com a experiência um do outro? Porque não? Cabo Verde precisa de alguma coisa, a Guiné dá. É a Guiné que precisa, Cabo verde dá. E Cabo Verde daria de certeza e a Guiné também. Mas tem de ser com gente capaz. Nunca com sentimentos estúpidos como aqueles que ouvi da boca daquele analfabeto general. A diplomacia hoje é económica. Temos de reformular o país. Temos de torna-lo credível, respeitado e sério. São 40 anos de independência. 40.
Há pouco falávamos da presença de grupos radicais islâmicos na Guiné. O que se passou no Mali pode ter tido base na Guiné?
Quem sabe? A Guiné tem dezenas ou centenas de madraças. E sabes que o fundamentalismo islâmico é uma praga igual ou pior que o tráfico de droga. É muito, muito perigoso. A ideologia que eles defendem… eles não têm respeito pela vida. Nem a deles nem a dos outros. Ainda bem que a França interveio a tempo. A França parou, mas eu acho que devia ter continuado a empurra-los para o deserto para eles morrerem lá de sede. O fundamentalismo não tem lugar em democracia. Não tem.