Paul Kagame em Cabo Verde: O rosto do crescimento económico do Ruanda

PorJorge Montezinho,8 fev 2014 0:00

Dentro de quatro meses, em Maio, o Ruanda vai receber o encontro anual do Banco Africano de Desenvolvimento, numa altura em que a economia africana está a ultrapassar, em média de crescimento, a Ásia. A data escolhida é também simbólica. Assinala os vinte anos passados sobre o genocídio que abalou o país, o mais rápido morticínio de sempre: em três meses foram assassinadas cerca de um milhão de pessoas.

 

Hoje a realidade é diferente e o momento será aproveitado para que o país possa “vender” a sua nova imagem de hub africano de serviços, finanças e comércio. Em 2005, o Ruanda ocupava a 158ª posição no ranking do Doing Business. Actualmente está no 58º lugar. O responsável por esta descolagem é o presidente Paul Kagame, que esta quarta-feira será um dos oradores no evento especial  “Liderando a Inovação: Conversas com Presidentes”, onde também participarão Jorge Carlos Fonseca, Presidente da República de Cabo Verde, e Joaquim Chissano, antigo Chefe de Estado de Moçambique, uma iniciativa que integra a Cimeira sobre a Inovação em África, que decorre em Cabo Verde até ao próximo dia 6.

“Muita coisa está a mudar. As vozes africanas estão a começar a ser mais ouvidas. Há uma insistência para que África seja levada a sério pelos próprios africanos e os africanos estão a esforçar-se não só para dizerem as coisas certas mas para fazerem as coisas certas”, disse o presidente Kagame ao This is Africa.

O investimento directo estrangeiro será vital para o desenvolvimento africano, mas as reformas governativas devem ser feitas internamente e não impostas pelos actores externos, afirmou também o Chefe de Estado. Kagame assumiu o poder em 2000 e desde aí tem liderado uma das economias africanas, e mundiais, com maior crescimento. Desde a viragem do milénio, a economia ruandesa tem um crescimento médio do PIB de 8 por cento ao ano. Este crescimento foi sustentado por reformas no sector privado que atraíram investidores externos para a agricultura e as comunicações. Os rankings anuais do Doing Business têm posto o Ruanda no topo da tabela de reformas, mostrando que o país tem reduzido as barreiras ao investimento como nenhum outro no mundo. Este sucesso elevou Kagame a uma plataforma de onde tem podido transmitir a sua mensagem com confiança e credibilidade. A ajuda, afirma, não funciona. É através do investimento que o continente se desenvolverá.

 

Um milagre de desenvolvimento

 

Como um país pequeno, pobre em recursos, que fica ali na região complicada dos Grandes Lagos, o Ruanda tinha tudo para cair no fracasso, no entanto, ao longo da última década provou ser um milagre de desenvolvimento. Ainda há um longo caminho a percorrer, mas os fundamentos já existem – a começar na saúde e passando pela educação, tudo para fortalecer o crescimento económico.

Só para dar alguns exemplos, a esperança média de vida aumentou dos 36 anos para os 61 anos em duas décadas e o Ruanda foi também o país africano que mais rapidamente reduziu a mortalidade infantil. Hoje, 93 por cento das crianças frequentam o ensino primário, o número de estudantes do ensino secundário duplicou e o governo tira dez por cento do orçamento para a agricultura, que se traduz na distribuição massiva de fertilizantes, na oferta de esquemas anti-erosão, na melhoria dos transportes e da irrigação. Um dos programas implementados foi o Girinka (que em Kinyarwanda – uma das tês línguas oficiais do país – significa “que possas ser dono de uma vaca”) e que consiste, como o nome indica, na oferta de uma vaca às famílias mais pobres que assim conseguem leite e estrume para as terras. Quando nasce uma cria, esta é oferecida a vizinhos e o ciclo continua.

O Ruanda é hoje um país turístico, com recursos humanos multilingues (além do Kinyarwanda, o inglês e o francês são também línguas oficiais) com uma economia estabelecida para os serviços e um ponto de passagem para os minerais extraídos na República Democrática do Congo.

 

“O nosso pensamento está baseado nas pessoas”

 

O economista Paul Collier, da Universidade de Oxford, chamou a esta onda de desenvolvimento o hat-trick ruandês – crescimento alto, redução da pobreza e aumento da igualdade. “Isto poderia estar a acontecer por todo o continente”, disse Collier, “em vez disso, não acontece em mais nenhum país”.

Se olharmos puramente para os indicadores económicos, a execução da liderança de Kagame não pode ser posta em causa. Enquanto muitos dos líderes do continente mostram mais interesse em perpetuar-se no poder do que em desenvolver os seus países, Kagame provou ter uma obsessão com o desempenho económico do Ruanda.

A sua estratégia tem resultado porque, inspirando nos países asiáticos, dirigiu o enfoque para o fortalecimento dos recursos humanos. “O nosso pensamento está baseado nas pessoas. Investimos nas nossas pessoas, naquilo que elas são capazes de fazer. Do nosso orçamento, o principal é investido na educação, na saúde, procuramos novas tecnologias, capacitação, inovação e criatividade. Estamos sempre a pensar nas pessoas, nas pessoas e nas pessoas”.

Ruanda olha para a Coreia do Sul, para Singapura, assim como para outros países desenvolvidos, para aprender a “maneira como eles enfrentaram os seus problemas ao longo da história. E o papel central que as pessoas tiveram é muito claro”. “Tentamos pegar nisso tudo a adaptá-lo às nossas necessidades e nunca nos decepcionámos. Nunca erramos quando investimos nas pessoas”. Um milhão de ruandeses deixou de ser pobre entre 2007 e 2012.

Conhecidas são também as críticas de Kagame em relação à ajuda internacional ao continente. O presidente do Ruanda considera que é chegado o momento de quebrar o “paternalismo da caridade”. Ao This Is Africa, Paul Kagame disse que esta atitude só enfraquece os estados africanos, «por mais que os dadores queiram ajudar, não podem estar eternamente com doações. Assim as pessoas nunca se levantarão por si próprias. Se calcularmos quanto dinheiro foi canalizado para África chegamos quase ao trilião de dólares. Mas, o que temos? Ou houve estagnação ou mesmo declínio. Como se pode gastar tanto e não haver qualquer melhoria? E querem continuar a fazer o mesmo?”.

Mas, Kagame também polariza opiniões, é muitas vezes considerado um líder autoritário. Observadores falam em silenciamento da oposição, em falta de liberdade de expressão e as Nações Unidas chegaram a acusar o Ruanda de ter formado o M23, movimento rebelde que actua no leste da República Democrática do Congo.

Existem também os receios que o presidente não deixe o cargo em 2017, altura em que, segundo a Constituição, termina o seu segundo e último mandato. Paul Kagame nunca confirmou ou desmentiu os rumores. Numa entrevista à CNN, no início de 2013, limitou-se a dizer: “vocês não precisam de se preocupar com isso”.

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Autoria:Jorge Montezinho,8 fev 2014 0:00

Editado porAndré Amaral  em  10 fev 2014 18:11

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