Pedro Pires, um caminho que começou há 80 anos

PorJorge Montezinho,26 abr 2014 0:00

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Este é o perfil de um homem, de um “animal político, que se bate pelo poder sem escrúpulos”, como lhe chamou o antigo presidente Aristides Pereira, mas também de “um homem abnegado, corajoso dedicado à causa e honesto”. E esta é também a história do país que ajudou a criar. Pedro Pires completa 80 anos no dia 29 de Abril. Oito décadas e o percurso de um homem que foi revolucionário, libertador, mas também pragmático, manipulador e ditador. Afinal, quantas vidas cabem na vida de um homem? E quantas vidas cabem na vida de um homem que ultrapassou já a sua própria mortalidade e se converteu num mito? Jorge Luís Borges dizia que cinco minutos da vida de um homem têm mais complexidade que todas as obras de Shakespeare. E Kavafis, no célebre poema Ítaca, começa assim: “Quando partires de regresso a Ítaca,/deves orar por uma viagem longa,/plena de aventuras e de experiências”.

 

Ir e voltar. Latitudes e longitudes. Pedro de Verona Rodrigues Pires nasceu a 29 de Abril de 1934, na localidade de Santana, freguesia de S. Lourenço, na ilha do Fogo, filho de Luís Rodrigues Pires e de Maria Fidalga Lopes Pires. A sua juventude foi marcada por duas grandes secas e as consequentes fomes de  1943 e 1947. Segundo informação no site da presidência, quando Pedro Pires ocupava o Palácio do Plateau, “esses acontecimentos dramáticos fazem despertar (…) preocupações de justiça social e de solidariedade que constituirão uma das razões do seu futuro engajamento na luta pela libertação de Cabo Verde”.

Fez os estudos primários  e uma parte dos estudos secundários nas cidades de São Filipe e da Praia, tendo concluído estes últimos no Liceu Gil Eanes, em São Vicente. Em 1956  segue para Lisboa onde inicia os estudos universitários na Faculdade de Ciências de Lisboa. Entretanto, é chamado para serviço militar obrigatório como oficial miliciano do quadro  de oficiais técnicos controladores de radar.

Em Junho de 1961, juntou-se a um grupo de jovens nacionalistas africanos e fugiu do país. Chega a Paris e segue para o Gana onde se encontra com Amílcar Cabral. Em seguida vai para a Guiné-Conakry, sede do Secretariado Geral do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC). De 1962 a 1965 trabalha no Senegal e em França em acções de mobilização de combatentes e de 65 até 1968, integra o primeiro núcleo de combatentes cabo-verdianos a receber formação militar em Cuba e na ex-URSS, com o objectivo de iniciarem a luta armada em território cabo-verdiano, projecto que não chegou a ser concretizado. Pedro Pires e os restantes companheiros completam a formação militar na URSS, em 1967/68, regressando depois à Guiné.

Ainda em 1968, integra o Comando da Frente Leste, na Guiné. É designado membro do Conselho de Guerra, responsável pelo recrutamento e formação. Acumula as funções no Conselho de Guerra com as de Responsável pela Educação na Região Sul, durante algum tempo.

Em 1973, à data da morte de Amílcar Cabral, desempenhava as funções de Comandante da Região Balana /Quitáfine em acumulação com as  membro do Conselho de Guerra.   Participa na preparação e na realização da operação de tomada do quartel de Guilege, como Responsável da Logística. No II Congresso do PAIGC, ainda em 1973, é eleito membro do Conselho Superior de Luta e do seu Comité Executivo  e  Presidente da Comissão Nacional para Cabo Verde do PAIGC. Em Setembro de 1973, quando da proclamação da independência da Guiné, integrou o Governo guineense como Comissário-Adjunto para  as FARP, ocupando o terceiro lugar na hierarquia governamental, depois de Chico Mendes e de Nino Vieira.

Após o golpe de Estado do 25 de Abril de 1974 em Portugal, Pedro Pires chefia a delegação do PAIGC que negociou com o Governo português o reconhecimento da independência da Guiné. Assina o Acordo de Argel, em Agosto de 1974, dirige a delegação guineense que assiste ao reconhecimento da independência da Guiné, em Lisboa, a 10 de Setembro de 1974. Após vários contactos secretos com representantes do MFA,  é convidado pelo Governo português para a abertura das negociações que conduziriam à independência de Cabo Verde. A 19 de Dezembro de 1974, à frente de uma delegação do PAIGC,  assina o Acordo para a Independência de Cabo Verde.

Nos dias da assinatura do acordo de Argel, chegavam também a Cabo Verde os primeiros dirigentes do PAIGC, depois de uma ausência de 10 anos. Em meados de Agosto de 1974, vem a primeira delegação, chefiada por Silvino da Luz e com Osvaldo Lopes da Silva, João José Lopes da Silva e Corsino Tolentino. Recebidos em apoteose na Praia e em São Vicente, são apresentados como líderes naturais do povo cabo-verdiano. A sua influência, direcção e ideologia foram aceites, sem muita contestação ou reserva, pela generalidade dos activistas. Pedro Pires regressa ao arquipélago a meio de Outubro de 1974.

 

Cabo Verde pós-independência

A 30 de Junho de 1975 realizaram-se as eleições para a Assembleia Nacional. As listas apresentadas, formalmente não com base partidária mas sim por grupos de 300 cidadãos, de acordo com a lei eleitoral de 15 de Abril de 1975, só tinham candidatos escolhidos pelo PAIGC. O clima político, criado em Dezembro de 74 com a tomada da Rádio Barlavento e as prisões ou afastamento dos membros das outras formações políticas, inibiu a apresentação de quaisquer outras listas de candidatos. A do PAIGC foi a única votada, teve mais de 90% dos votos.

Aliás, nesse mês, para além do assalto à Rádio Barlavento, houve as prisões de dirigentes e activistas da formação política UDC. Essas acções, que envolveram militantes do PAIGC e elementos da população juntamente com a polícia e a tropa portuguesa, neutralizaram os adversários políticos mais poderosos, e intimidaram os outros, designadamente a UPICV de José Leitão da Graça. Com a tomada da Rádio Barlavento, o PAIGC passou a ser única voz ouvida no arquipélago.

O projecto de independência que a população iria assumir tinha parâmetros bem claros. Apesar da luta do PAIGC nunca ter estabelecido uma ligação com a população, devido ao seu confinamento ao território guineense, a presença de cabo-verdianos, a sua reivindicação da independência de Cabo Verde, a existência de alguns militantes do partido entre os estudantes de Cabo Verde em Portugal e a aura heróica que rodeava os guerrilheiros na Guiné, conjugaram-se para fazer com que Cabo Verde se sentisse parte integrante da movimentação que agitava as outras colónias.

As palavras de ordem na época “Independência, mas com o PAIGC”, “Fora Cachorros de dois pés”, “Abaixo a exploração”, etc., reflectem a intolerância que se instalou. Provocaram-se sentimentos de xenofobia, procuraram-se bodes expiatórios e desenvolveu-se a mística da Luta dos Libertadores da Pátria.

Nesse período, muitos militantes do PAIGC tinham armas de guerra e organizaram-se em patrulhas, chamadas de “vigilância”, que percorriam, principalmente à noite, toda a extensão das ilhas, à procura de sinais de desembarque do “inimigo”. Outros grupos protegiam as estações de Rádio e as casas dos dirigentes. Esse frenesim de actividade paramilitar mobilizou a atenção de toda a população e a colaboração e participação de muitos.

Mas, como o Estado era a única instituição com poder, as disputas ficaram-se pela procura de maiores e melhores fatias no controlo do aparelho administrativo, repressivo e económico. No interior da elite dirigente o choque de personalidades era tolerado, desde que a unidade fosse salvaguardada. Um outro elemento da estabilidade era o “pacto” existente entre Aristides Pereira e Pedro Pires que os impedia de se confrontarem directamente.

Esse choque de personalidades foi visível, por exemplo, no afastamento de Silvino da Luz da Pasta das Forças Armadas e Segurança, à custa de Abílio Duarte que ficou sem a pasta de Negócios Estrangeiros. Com  Silvino da Luz neutralizado, as pastas de Segurança e Forças Armadas foram entregues a Júlio de Carvalho e Honório Chantre, que tinham regressado da Guiné logo após o golpe de Estado de 14 de Novembro, sendo ambos dependentes directamente do apoio do Pedro Pires.

A partir de 1980, com o I Plano de Desenvolvimento, instrumento de direcção da economia, começam a manifestar-se tensões entre os departamentos governamentais na esfera económica. Há duas visões e dois campos opostos: de um lado o Primeiro-Ministro, Pedro Pires, do outro, o Ministro da Economia, Osvaldo Lopes da Silva, como mais tarde é confirmado por declarações do ex-presidente Aristides Pereira.

Nessa disputa, Pedro Pires, pouco a pouco, rodeou-se dos seus fiéis na área económica. Começou pelo Plano, depois o Banco e as Finanças, que ficaram sob a sua tutela directa. Mais tarde, no III Governo, retirou a Osvaldo Lopes da Silva, a Indústria e Energia, nomeando ministro do sector, Adão Rocha. 

 

Um país sob controlo

Utilizando a máquina do Estado, o PAIGC desencadeou uma ofensiva ideológica, que engloba toda a sociedade. Controla todos os meios de comunicação social, monopoliza a opinião, transforma os livros escolares em instrumentos de divulgação da luta de libertação na Guiné e agrupa todos os grupos sociais (mulheres, crianças, jovens, trabalhadores) em organizações para-partidárias.

Esta centralização do poder do Estado é acompanhada de uma presença forte e politizada em todos os recantos do país. Delegados do Governo, Comissões de Moradores, Tribunais Populares e Milícias Populares, dependentes das estruturas do partido asseguram que todo o cidadão, em qualquer parte do território, tenha a sensação da omnipresença e do poder do Partido.

Quanto aos órgãos repressivos policiais, o modelo seguido é o das polícias políticas dos países comunistas. Os quadros são treinados pela Stasi, da República Democrática da Alemanha, Securitate, da Roménia e pela polícia de Cuba e URSS. Todos os efectivos estavam submetidos à acção politico-ideológica permanente dos comissários políticos.

A montagem desta estrutura enquadra-se na estratégia de conquista e manutenção de poder. Pedro Pires disse: “Esmagaremos toda a tentativa de perturbação da ordem interna que tem sido preciosa para a continuação do processo de edificação de uma nova sociedade em Cabo Verde” (Voz di Povo 29/1/81).

O sistema político é chamado de democracia nacional revolucionária, a peça central é a “participação popular”. Como explica Pedro Pires: “A democracia representativa e os parlamentarismos europeus não nos servem.(...) É dentro de estruturas organizadas que a nossa população poderá contribuir verdadeiramente para a resolução dos seus problemas” (VdP 29/11/80).

Apesar de todo o controlo, a seguir à independência o governo entra num processo de stress constante, como confessou o antigo presidente Aristides Pereira. E os rumores persistentes aumentavam essa ansiedade. No meio de todo esse processo dá-se a ruptura com a Guiné-Bissau.

 

A criação do PAICV

Como acontecia em situações de crise, a figura de Pedro Pires agiganta-se. Não se deixa abalar por acusações de cumplicidade como, por exemplo, em relação aos fuzilamentos e às valas na Guiné-Bissau.  Responde, “os comandos africanos eram lobos e como tal foram abatidos” (Voz di Povo nº. 245). Quanto às pretensões divulgadas pelo assessor do Conselho de Revolução de julgar Aristides Pereira, Pedro Pires encara isso como um “rematado disparate” e de “uma declaração de guerra em forma”.

O golpe na Guiné serve de pretexto para os dirigentes cabo-verdianos darem  o passo final para uma completa separação do PAIGC. A 7 de Dezembro realizaram-se eleições legislativas em Cabo Verde com resultado de 92% de votos SIM para o PAIGC. Esta constatação do grau de consolidação do seu poder sobre a sociedade caboverdiana, dá o sinal decisivo de ruptura completa com a Guiné Bissau.

Entretanto, 9 dias depois das eleições dão-se as já referidas mudanças ministeriais e Pedro Pires consolida o poder com a entrada de dois novos membros da sua confiança pessoal e com a manobra que relegou Silvino da Luz para  uma área menos susceptível de se tranformar numa base de contestação do seu poder.  A 19 de Janeiro a Conferência Nacional convocada para discutir a situação do PAIGC, face aos acontecimentos de Bissau de 14 de Novembro de 1980, transforma-se em Congresso, dissolve o PAIGC e proclama um novo partido - o PAICV.

A clique dirigente cabo-verdiana desdobra-se em reuniões partidárias e em viagens para o estrangeiro, com o intuito de justificar a posição, tomada a 20 de Janeiro de 1981, de dissolução do PAIGC e de criação do PAICV, e provar a sua legitimidade. O objectivo da Reforma Agrária, foi retomado para conseguir o apoio da população rural. É na implementação desta política que acontece um dos incidentes mais graves entre o PAICV e as populações. Em Santo Antão, a 31 de Agosto, há um confronto entre populares e forças militares e paramilitares do PAICV, saldando-se num morto e dezenas de prisões. As autoridades administrativas da ilha foram suspensas, passando a responsabilidade para as autoridades militares.

A população é aterrorizada, há espancamentos e torturas. Na sequência dos acontecimentos, o Governo, num comunicado, (VdP 16/9/81) “declara a sua firme decisão de continuar a assumir integralmente as suas responsabilidades e de exercer intransigentemente as suas faculdades constitucionais e legais com vista (…) à manutenção da ordem e tranquilidade públicas e (…) afirmação permanente do poder e da autoridade do Estado”. Já a Comissão Política do PAICV, classifica os manifestantes “de inimigos do progresso” e de “agentes da reacção” e alerta os seus militantes para uma “vigilância redobrada, face às tentativas que o inimigo interno e externo não deixará  de fazer ainda para travar o processo de transformações sociais e económicas em curso”  (Voz di Povo 9/9/81).

 

O fim do regime

No final dos anos 80, os acontecimentos mundiais, par­ti­cularmente na URSS e no Leste Europeu, fizeram com que o regime entrasse em crise. A 19 de Fevereiro de 1990 o Conselho Nacional do PAICV, na sequência de uma demorada reunião iniciada a 13 do mesmo mês, anuncia a “abertura política” com a “introdução, a par das listas do PAICV e das suas organizações de massa, de listas concorrentes de grupos de cidadãos nas eleições legislativas de Dezembro do mesmo ano; A supressão do artigo quarto que consagrava o PAICV como força dirigente da sociedade e do Estado, no quadro da revisão constitucional prevista para a 4ª legislatura, a iniciar em 1991.

À saída da reunião, Pedro Pires volta a mostrar-se o homem do momento. Na conferência de imprensa que se seguiu transmitiu uma imagem de confiança e segurança. Instado a comentar a realização de um congresso de democratas em Portugal cometeu a “gaffe” de os chamar de “estrangeirados” o que lhe iria sair politicamente caro, pois foi interpretado como uma designação de desprezo por todos opositores ao regime residentes no exterior do país.

Entretanto, Aristides Pereira mantinha-se em silêncio enquanto Pedro Pires contactava militantes, tanto na ilha de Santiago como noutras ilhas e só rompe este silêncio nos primeiros dias de Abril com a confidência ao Tribuna que não põe de lado a ideia de se recandidatar. “Aristides Pereira decidiu não sair” diz o jornal na primeira página do seu número de 1 a 15 de Abril de 1990.

De seguida, Aristides Pereira retoma a iniciativa política. Na sua qualidade de Presidente da República, recebe a delegação do Movimento pra a Democracia (MpD), chefiada por Carlos Veiga, que lhe foi entregar a Declaração Política do Movimento. A iniciativa de Aristides Pereira, além de dar a conhecer formalmente ao país a existência do MpD, iria reflectir-se nas suas declarações à imprensa (jornal Tribuna) e nas conclusões da reunião do Conselho Nacional do PAICV que teve lugar na segunda semana de Abril. No final desse ano, preparam-se as primeiras eleições multipartidárias em Cabo Verde.

O que se segue é a derrota estrondosa do PAICV. No seguimento do insucesso, o Governo do PAICV, que devia continuar a gerir o país até à tomada de posse de um novo Governo nomeado pelo Presidente da República eleito, pediu demissão. Pedro Pires, em conferência de imprensa, justifica o acto, “face aos resultados eleitorais, o governo não tem condições para continuar a gerir o país” (VdP 15/91). O prazo fixado para a transferência de poderes é de sete dias. Carlos Veiga, Presidente do MpD, também em conferência de imprensa, considera essa atitude do PAICV como de “extrema gravidade e anti-patriótica”.

 

Cabo Verde século XXI

Ainda em 1991, Pedro Pires é reeleito Secretário-Geral do PAICV, pelo V Congresso e é eleito deputado pelo círculo da Praia. Em 1993, no VI  Congresso do PAICV, é substituído no cargo de Secretário-Geral e passa a desempenhar  o de Presidente do PAICV.

No VIII Congresso, em Setembro de 1997, é eleito, de novo, líder do PAICV, função que desempenha até meados do ano 2000. No IX Congresso, em Junho de 2000, Pedro Pires decide afastar-se da vida político-partidária activa e, em Setembro de 2000, candidata-se à Presidência da República  de Cabo Verde, onde vence Carlos Veiga, numa eleição onde surgem alegações de fraude, na segunda volta, com uma diferença de apenas 12 votos. Depois de ter apresentado a candidatura para um segundo mandato como Presidente da República, nas eleições realizadas em Fevereiro de 2006, Pedro Pires consegue um segundo mandato na mais alta magistratura do país.

40 anos de independência. 23 anos de democracia. E um percurso de um país que se confunde com a história de um homem. «Considero que a problemática da edificação do Estado de Direito em países jovens como Cabo Verde deve ser pensada numa perspectiva gradualista, isto é, de crescimento, aperfeiçoamento e consolidação institucionais progressivos.», escreve Pedro Pires no livro «O meu compromisso com Cabo Verde» que será lançado no dia 30 de Abril, uma compilação dos discursos escritos e proferidos durante os seus dois mandatos enquanto presidente da República. De fora ficam os outros anos, os quinze enquanto Primeiro-Ministro de um regime de partido único.

 

“Vocês ganham a consulta popular por 90 por cento e nós salvamos a face”

Em Abril de 2004, em entrevista ao jornal Público, Almeida Santos, contou pormenores sobre a descolonização de Cabo Verde. Almeida Santos, recorde-se, foi condecorado por Pedro Pires com a Ordem Amílcar Cabral e é um dos políticos que já confirmou presença no fórum “Cidadania e integração regional” que se realiza em Cabo Verde, dia 3 de maio, no âmbito das comemorações dos 80 anos do ex-presidente da República.

“Os militares fizeram pressão para que houvesse descolonização rápida. Também houve um ultimato de lá para cá, a dar cinco ou oito dias para o Governo português entregar o poder ao PAIGC, sob pena de entregarem eles lá. Ficámos de mão atadas. Não podíamos julgar centenas de militares, tinha sido um plenário de militares e não podíamos substitui-los - “Nem mais um soldado para o ultramar”. O Costa Gomes e eu ficámos sem saber e eu disse: “Vou pedir a demissão, vou explicar porquê, não estou para aturar isto.” Ele disse: “Ah, senhor ministro, veja lá o que pode fazer, o senhor é tão hábil, tem resolvido tantos problemas, veja se resolve mais um.” Lembrei-me: “Vou chamar o Pedro Pires.” Que era quem andava lá a fazer a propaganda revolucionária. Chamei-o e disse-lhe: “Você conhece este telegrama?” E ele: “Conheço.” E eu: “Então, agora?” Ele diz: “Os senhores perderam, nós ganhámos.” E eu perguntei: “Vocês ganharam o quê? Que guerra é que você ganhou em Cabo Verde? Quantos mortos é que tem lá?” Ele ficou um bocado chateado e diz-me: “Você é que me chamou, tem que me dizer o que quer.” E eu disse: “O que quero é que você seja mais inteligente do que infelizmente alguns dos nossos moços que estão lá em Cabo Verde e que aceite uma consulta popular. Vocês ganham a consulta popular por 90 por cento e nós salvamos a face.” E ele disse: “O que é que ganho com isso?” Respondi: “Olhe, ganha a legitimação democrática do novo poder, nunca mais será discutido. Se você o recebe da mão de militares, toda a vida será discutido.” Ele disse: “Eu já percebi, estou de acordo, mas tenho de ir falar com os meus colegas do PAIGC e dentro de dois dias estou cá.” Respondi: “Então vá depressa que não temos tempo.” Ele foi, veio, quando chegou disse-me que estavam de acordo. Eu disse: “Então sente-se aí.” Comecei a redigir o acordo, eu e ele, praticamente fi-lo sozinho, mas ele lá discutia uma palavra ou outra. E depois telefonei ao Costa Gomes a pedir uma reunião urgente com Mário Soares e Melo Antunes, que tinha novidades. Ele perguntou: “Boas ou más?” Respondi: “Não lhe digo pelo telefone.” Chegámos lá, assinámos o acordo e ficou descolonizado Cabo Verde. Fiz uma lei eleitoral. Houve uma grande participação da população. Eles ganharam por 92 por cento. Elaboraram uma Constituição. Acabou. Salvámos a face.”

 

 

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Autoria:Jorge Montezinho,26 abr 2014 0:00

Editado porSara Almeida  em  28 abr 2014 0:24

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