António Monteiro: “O governo faz má política económica de forma deliberada”

PorJorge Montezinho,16 dez 2014 0:00

Atento aos fenómenos políticos que têm surgido principalmente na Europa, António Monteiro, líder da União Cabo-verdiana Independente e Democrática, acredita que o seu partido também pode surpreender nas próximas legislativas. Não se fala em chegar ao governo, mas espera-se aumentar o número de deputados eleitos no Parlamento. Para isso, a UCID aposta na ilha de Santiago onde, na semana passada, visitou a capital e os bairros limítrofes da Praia, um pretexto para falar sobre o futuro do partido e dos projectos em carteira, mas onde se fez também um balanço ao ano político que está quase a terminar e onde o tema da economia dominou a conversa.

 

 

Que balanço político podemos fazer de 2014?

É dizer que o país está numa situação mais difícil do que em 2013. Porque o nível de desemprego aumentou, o nível da criminalidade também aumentou, a complicação com o mau ano agrícola, que se agudizou com a problemática que estamos a viver com a ilha do Fogo. Não temos razões para, neste momento, considerar que 2014, a nível político e social, seja um ano bom.

 

Por outro lado, para a UCID 2014 é quase que um ano de viragem para um partido, de facto, nacional.

Não diria que é um ano de viragem. Nós somos um partido nacional, com mais visibilidade em São Vicente e em algumas ilhas do norte, mas entendemos que o partido precisa de fazer um trabalho político com maior inteligência, com mais presença física no terreno, para que sejamos levados em consideração a nível político e a nível social. Já tentámos isso várias vezes, porque não é um projecto que estamos a desenvolver agora. Tentámos e não tivemos os sucessos que gostaríamos de ter. Neste momento, sentimos que, tendo em conta a situação precária do país e um certo desalento em relação aquilo que muitas famílias e empresas vão vivendo, há uma abertura maior, um espaço maior e aquilo que sempre defendemos, a luta contra a bipolarização do xadrez político cabo-verdiano, começa a ser entendido por muita gente. As pessoas começam a achar que faz falta ao país e faz falta ao Parlamento uma terceira força política, com capacidade de intervenção, com peso político maior, para que determinados assuntos sejam efectivamente levados a uma discussão mais séria e que não impere a força dos números mas sim a capacidade e as soluções mais viáveis para que o país consiga servir o seu povo da melhor forma possível.

 

Neste momento, principalmente na Europa, estamos a assistir a um fenómeno curioso com grupos políticos, de esquerda e de direita, que começam a tomar o lugar dos partidos tradicionais, alguns deles com a possibilidade real de virem a ser governo proximamente. Acha que esta realidade pode também acontecer em Cabo Verde?

Nós consideramos que sim, até porque os sinais que recebemos no terreno – e estamos a fazer um trabalho intenso aqui em Santiago porque a ilha elege metade dos deputados a nível nacional – e as constatações que temos sentido é que as pessoas começam a despertar para um interesse muito grande em relação à UCID. Neste momento, não é um objectivo final da UCID ganhar as eleições, mas se acontecer estaremos com as condições necessárias, em termos de recursos humanos e de propostas de governação, para que o país conheça outro rumo.

 

E então qual é o objectivo?

Trazer para o Parlamento o maior número possível de deputados. Isto é, fazer um trabalho político forte no terreno, transmitir uma certa segurança e dar à população uma certa garantia que, tendo a UCID um número razoável de deputados, as coisas nesta casa parlamentar e ao nível de políticas do país serão diferentes. O fenómeno que acontece actualmente na Europa é muito interessante. Há dias até disse: em Espanha, cinco amigos criaram um partido [o Podemos] que em pouco tempo abanou o cenário político espanhol. Não digo que queremos ser esse fenómeno, mas haverá sempre essa possibilidade de contaminação. O que aqui interessa é que o povo quer ver os problemas resolvidos. O que acontece em Cabo Verde, como em muitas partes do mundo principalmente na Europa, é que esses problemas não estão a ser resolvidos. E quando o povo deixa de acreditar naqueles que são os partidos da esfera do poder, o cansaço leva as pessoas a procurar outras alternativas e outras soluções. E penso que a UCID, apesar de ser o partido mais antigo de Cabo Verde, poderá ter essa possibilidade, não só por causa do esforço que temos feito, mas acima de tudo porque o cansaço do eleitorado poderá permitir à UCID crescer de forma mais acentuada.

 

A UCID está a preparar algum programa que a diferencie ainda mais dos outros dois partidos com assento parlamentar?

Pensamos que sim. Eu acho que Cabo Verde tem um potencial enorme e infelizmente até hoje não soubemos tirar proveito. Se fizermos uma análise, o que é que os nossos governantes nos dizem: o turismo é o motor do desenvolvimento económico do país. Eu acho que não é. O turismo pode ser um dos vectores do desenvolvimento económico de Cabo Verde, mas precisamos de outros.

 

Por exemplo?

O vector da indústria ligeira, o vector da indústria petrolífera – instalar em Cabo Verde refinarias modernas, amigas do ambiente, para tornarmos as ilhas em lugares onde os grandes navios que sulcam estas águas possam aportar e abastecer com combustíveis a preços muito mais concorrenciais do que outras partes do mundo. Se analisarmos Singapura, por exemplo, seiscentos e poucos quilómetros quadrados, menor que a ilha de Santo Antão, e veja-se a capacidade que tem no fornecimento dos navios e nós estamos numa rota que deveríamos aproveitar. Ou veja-se que atenção tem sido dada às pescas pelo actual governo? Pensamos que nenhuma. Apostou-se mais em ceder licenças de pesca aos países mais industrializados, com mais recursos do que nós e limitamo-nos a colher, entre aspas, algumas migalhas desses contractos que de pouco ou nada nos servem. Devemos também apostar seriamente no shipping. Somos ilhas, temos uma tradição de longa data de contacto com o mar, Cabo Verde poderia investir em companhias marítimas para prestar um serviço ao longo desta costa ocidental? Provavelmente sim. Já alguém pensou nisso? Não! São estas ideias que iremos trazer para mostrar às pessoas que o país tem viabilidade e que não podemos continuar só a pensar que o sector turístico é o que irá desenvolver a economia de Cabo Verde porque não é. Neste momento estamos a aproveitar o que acontece em alguns países do norte de África, mas e se amanhã esses países normalizarem? Teremos o mesmo número de turistas a visitarem-nos? Penso que não. Precisamos de diversificar a nossa economia porque o país precisa de criar riqueza. Precisamos fazer o país crescer economicamente, precisamos de famílias ricas em Cabo Verde, precisamos de investidores que tenham recursos e procurem o nosso país para desenvolverem os negócios. Precisamos de uma praça financeira fortíssima para atrair investimento e bancos e isso, infelizmente não tem estado a acontecer. São essas ideias que pensamos levar à nossa população. Porque as nossas pessoas precisam de trabalho, de rendimento e isso não está, por enquanto, a acontecer.

 

A economia é, de facto, incontornável. Este ano Cabo Verde cresceu novamente de forma anémica – os valores ainda não são conhecidos mas o FMI fala em 1 por cento – quem é o responsável?

Sem dúvida o governo. O governo tem tido uma política económica péssima. Péssima! O país já investiu milhões e milhões, onde está o retorno? Não existe. E porque não existe? Porque o nosso governo tem estado mais preocupado em aumentar os impostos do que em atrair mais investimentos, em criar uma fiscalidade amiga do investidor e consequentemente podermos gerar riquezas e garantir postos de trabalho. Enquanto o governo tiver a lógica de caixa dificilmente iremos longe. Do que precisamos é de dinamizar a nossa economia. Precisamos de a diversificar. Mesmo ao nível do turismo estamos a viver uma tendência de decréscimo.

 

O Banco de Cabo Verde aponta, provisoriamente, uma queda na ordem dos 10 por cento.

10 por cento não é nada bom. Mas, o problema é que o governo tem uma lógica apenas de recolha de receitas. O governo não está preocupado em reduzir os custos de funcionamento da máquina do Estado, fortemente partidarizada, mas está sim preocupado em encontrar a melhor forma de sacar mais recursos aos investidores que procuram o país, quando a lógica devia ser a contrária. Devíamos ter uma política fiscal mais amena, mais atractiva, para que tenhamos mais investidores seja na área do turismo, seja das indústrias ligeiras, seja na produção de energia renovável e água, seja no shipping. Mas isso não acontece e por isso a nossa economia não consegue crescer, não conseguimos aproveitar as oportunidades que nos são dadas pelos países amigos – e veja-se o exemplo dos Estados Unidos da América com o AGOA – e quando temos investidores aparece sempre um entrave. E todos esses entraves, no seu conjunto, acabam por dificultar o crescimento económico e quem deveria estar preocupado e deveria apresentar outras soluções para que o crescimento fosse forte seria o governo e não o faz. E, repare, é uma má política deliberada. Porque este governo não tem um ministro da economia. Mas estou neste momento satisfeito, sabe porquê? Porque já li uma das candidatas à liderança do PAICV a assumir isso. Bom, afinal eles têm consciência e fazem isso de propósito, para que a economia não cresça e para que as pessoas se mantenham como estão, com muitas famílias em situação de miséria absoluta.

 

Mas o Primeiro-Ministro tem falado num plano de acção para criar 15 mil empregos ancorados na economia marítima.

Se tomarmos em linha de conta as potencialidades existentes no país e se fizermos um trabalho conducente para que o objectivo seja alcançado, acredito que poderá acontecer. As infra-estruturas, principalmente de pescas, são uma potencialidade que tem de ser trabalhada. Dentro em breve vamos ter um novo sistema de armazenamento frio dentro do Porto Grande, se conseguirmos encontrar os investidores certos, com conhecimento a nível internacional do mercado das pescas e se conseguirmos trazer esses vários navios que operam no Atlântico médio para Cabo Verde e fazer com que as descargas e o processamento sejam feitos no Porto Grande, acredito que poderemos chegar lá. Mas, pelo que eu sei até este momento, o concurso que já deveria ter saído ainda não saiu.

 

Continuam a atrasar-se os processos?

Em Cabo Verde as medidas são tomadas quatro, cinco, dez anos depois. Assim como perdemos várias oportunidades, estamos a trabalhar para perdermos mais esta. Como eu dizia, se aproveitarmos essa oportunidade e encontrarmos os parceiros certos – homens de negócios que queiram ganhar o seu dinheiro mas também ajudar o país no seu processo de desenvolvimento – poderemos chegar lá. Assim como as coisas estão eu não acredito muito. A verdade é que ainda temos factores de produção proibitivos. O custo da energia eléctrica, que é caríssima, e o custo da água. E indústrias do tipo exigem muita água e muita energia. Estará o governo disponível para, em situação pontual, ter uma política direccionada para essa indústria, tendo em conta que poderá criar esses 15 mil postos de trabalho? Parece-me que não, porque este governo é rígido e essa ambição do Primeiro-Ministro pode não passar disso.

 

Como está o cluster do mar em São Vicente? As pessoas da ilha acreditam no projecto?

Eu costumo dizer que São Vicente já teve o seu cluster do mar. Lembro-me dos meus tempos de criança e das várias empresas que giravam à volta da economia marítima. E perdemos este negócio importantíssimo para São Vicente e para Cabo Verde. O governo já fala do cluster do mar há vários anos, infelizmente ainda é só conversa. Não vi nem senti nenhuma iniciativa que pudesse dar-nos a sensação que as coisas estão a andar. Não existe! Há um gabinete, gerido pelo mesmo responsável da ENAPOR, quando nós achamos que o cluster do mar deveria ter uma estrutura própria, sem a intromissão de quem tem uma responsabilidade muito grande numa empresa e que está com um pé num lado e um pé no outro. Mas eu espero que o cluster venha mesmo a funcionar, porque se isso acontecer teremos a possibilidade de criar mais riqueza. Agora, o cluster ainda não existe e já se fala em híper-cluster, não existe um micro, mas já passámos do cluster para o híper. É um governo de muita propaganda e muita conversa. Utilizam-se chavões agradáveis ao ouvido e pensa-se que com isso as coisas se resolvem de forma automática. Precisamos do cluster sim, precisamos de uma economia marítima forte, precisamos de pessoas competentes e com formação específica nessa área, mas não se vê nada.

 

E o desemprego continua, num cenário que chamaria de quase catástrofe social?

É uma catástrofe social e aqui é que está o problema. Investiu-se tanto ao longo dos últimos anos, a economia não cresceu e sem isso não conseguimos criar postos de trabalho. Há aquela máxima na economia que para diminuir o desemprego em 1 por cento a economia tem de crescer a 3,5 por cento e a nossa economia não chega lá. Quando chegaremos ao combate sério ao desemprego? Precisamos de investimentos capazes de gerar riqueza. Se isso não acontecer? Iremos ter vários jovens, com capacidade e bons conhecimentos, que acabarão por não dar o seu contributo ao país. E o governo, com todo esse desemprego, assobia para o lado, sem dar qualquer importância a esta questão. O que acontece com as famílias e as empresas que investem? Acabam por ficar cada vez mais pobres porque não têm retorno. Assim como o governo está a empobrecer o país com os investimentos que faz, acha que deve transferir essa ineficiência da sua gestão para os cidadãos, as famílias e as empresas. O governo investiu centenas de milhões de contos e onde está o resultado? Não há resultado económico! O país tem mais estradas? Tem! Tem mais barragens? Tem! Tem aeroportos com melhores condições técnicas? Tem! Isso gerou alguma riqueza? Nenhuma! Criou mais postos de trabalho? Nenhum! Trouxe mais endividamento? Ah, isso trouxe! Já vamos em 112 por cento de endividamento e o que vemos? Um governo a achar-se o mais inteligente, que não se preocupa com o défice, que não se preocupa com a dívida pública e apenas concentrado em endividar o país. e o espelho disso é o grande número de desempregados, principalmente entre a camada jovem com formação e entre aqueles que têm 35, 40, 50 anos, que ainda podem dar muito ao país mas que se encontram deixados à própria sorte.

 

Bem, agora temos desempregados mas com instrução, como disse o Chefe do Governo.

Penso que o senhor Primeiro-Ministro, nestes últimos tempos, tem dito coisas que não lembram ao diabo. Um governante de um país não pode, de maneira nenhuma, orgulhar-se de ter desempregados com um nível de escolaridade superior. Não pode. Quando, como cidadão, faço uma formação superior, quero dar o meu contributo para o meu país e quero ter as condições para ter rendimentos. Não faço formação para dizer: vejam que eu sou um desempregado qualificado. Penso que essa frase foi um mau momento.

 

E a crise internacional é a mãe de todas as culpas?

De maneira nenhuma. A crise internacional foi um escudo que o governo arranjou para justificar a sua incompetência em termos de governação. Se repararmos, o governo elegeu o turismo como a galinha dos ovos de ouro, nestes anos de crise o que aconteceu? O turismo disparou. O número de turistas que visitam Cabo Verde tem aumentado, com excepção deste último trimestre. Se houve um aumento das receitas do turismo, não se pode justificar a crise interna com a crise externa. Por outro lado, as remessas dos emigrantes não diminuíram com a crise. Se esses dois factores permitiram que o país tivesse mais dinheiro a entrar, como é que justificamos a crise internacional como um dos factores mais preponderantes para a ineficiência económica em Cabo Verde? O governo falhou, não quis encontrar soluções e não quis confessar a verdade ao povo cabo-verdiano.

 

Pra terminarmos, temos agora o Orçamento de Estado para 2015 que o governo afirma ser de transformação e inclusão, concorda?

De maneira nenhuma. Esmiuçando o orçamento, o que se vê é mais do mesmo. Não acreditamos que este OE traga uma mais valia ao país. Como podemos falar de um orçamento de transformação e de inclusão quando os recursos para os investimentos públicos diminuíram de forma significativa? Quando as despesas de funcionamento aumentam em quase 10 por cento? A não ser que o governo esteja a querer dizer que o aumento nas despesas de funcionamento sirva para fazer a inclusão de algumas pessoas ligadas ao partido. É um OE que não prevê criação de emprego, não prevê um forte crescimento económico, não prevê investimentos em áreas cruciais para que o país seja mais estável, não prevê aumento de salários. Como é possível? Pelo contrário, é mais um ano em que o cidadão cabo-verdiano vai sentir menos dinheiro no seu bolso. Não havendo aumento salarial e com o acumular das sucessivas inflações o poder de compra perde-se ano após ano. Consideramos que este não é o orçamento que o país precisaria neste momento e Deus queira que seja o último orçamento deste governo.

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Autoria:Jorge Montezinho,16 dez 2014 0:00

Editado porAndré Amaral  em  17 dez 2014 9:06

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