Relação Cabo Verde/África: Falta vontade política e falta compreender a realidade do continente

PorJorge Montezinho,16 jun 2015 0:00

José Brito foi o director de campanha de Cristina Duarte na recente eleição ao Banco Africano de Desenvolvimento e é um dos cabo-verdianos que melhor conhece e melhor se movimenta no continente africano. Depois de uma carreira política onde foi Ministro dos Negócios Estrangeiros, Ministro da Economia, Ministro do Desenvolvimento e da Ajuda Externa e embaixador nos Estados Unidos, Canadá e México é hoje conselheiro estratégico e empresário. Nesta entrevista exclusiva ao Expresso das Ilhas conta-se, na primeira pessoa, os bastidores das eleições no BAD, explica-se a derrota, analisa-se os ganhos. Mas, há mais. Na segunda parte da conversa fala-se das relações entre o arquipélago e o continente. Como estão essas relações actualmente, onde se quer chegar e como se pode alcançar esse objectivo, são alguns dos temas abordados.

 

Expresso das Ilhas — Um processo como a eleição para o BAD é longo e complexo. Quando começou, na verdade esta candidatura?

José Brito — A candidatura, em si, começou na última assembleia do BAD, em Kigali, no ano passado, quando a ministra foi abordada por vários ministros. Ou seja, foi uma iniciativa vinda de fora, por parte de pessoas que disseram que seria a candidata mais indicada na actual situação do BAD. Tendo em conta este movimento, a ministra consultou o Primeiro-Ministro, este consultou depois todas as forças políticas e todas as instituições – tudo isto, aliás, acabou por adiar o anúncio oficial que só foi feito em Outubro. Perdemos mesmo algumas oportunidades de lobby, como a cimeira da CPLP, mas o Primeiro-Ministro quis criar um consenso antes de anunciar oficialmente – e iniciamos o processo a partir daí.

 

Que tipo de trabalho de bastidores se faz numa eleição destas?

Temos de mobilizar os governadores, que são aqueles que votam. Os governadores, geralmente, são os ministros das finanças dos respectivos países. Claro que não são os ministros das finanças a decidir por si, tem de haver uma posição política dos Chefes de Estado para votar. Havia o objectivo de atingir o máximo de governadores (os 54 países africanos mais os 25 não africanos), dentro do quadro de uma estratégia que elaborámos para tentar obter o melhor resultado. Fizemos uma análise das forças e fraquezas de Cabo Verde, também das forças e fraquezas dos outros candidatos, sabíamos das nossas fraquezas principalmente em termos de recursos e decidimos lançar mais as ideias, tentar mostrar que tínhamos uma resposta para os problemas do BAD e para os problemas do continente. Desenvolvemos essas ideias durante a campanha, a ministra mostrou que tinha uma resposta e mostrou que tinha competência. Esse aspecto, penso eu, foi feito e a mensagem passou. Quando chegámos ao momento da eleição era evidente que a nossa candidata tinha o melhor perfil para o lugar. Claro que os outros também tinham as suas fraquezas, mesmo o candidato que ganhou é um agroeconomista, quer dizer, estamos à procura de um presidente de um banco, que está com problemas em manter o triplo AAA [classificação da dívida atribuída pelas três maiores agências mundiais, a Moody’s, Standard & Poor’s e a Fitch]. Nós tínhamos esse perfil, seja em termos de banco de investimento seja de banco de desenvolvimento, os dois aspectos do BAD, e isso ficou claro durante a entrevista [na véspera das eleições houve uma entrevista com cada candidato junto de todos os governadores, com perguntas iguais] e ficou claro que quem se saiu melhor foi a Dra. Cristina Duarte.

 

Então, o que aconteceu para não conseguir ganhar?

Há nessas eleições os imponderáveis, os outros factores que podem desempenhar um papel nesta eleição. Mas, deixe-me explicar o processo de eleição. Nem todos os países têm o mesmo poder de voto, por exemplo, os dez países com menos percentagem não representam mais de 0,46 por cento, só a Nigéria tem 9,25 por cento. Os vinte países africanos com menos poder de voto só têm 2 por cento. Portanto, a percentagem de votos não representa o número de países que votaram, representa a sua capacidade accionista dentro do BAD. E tem de se ter isso em conta. As pessoas dizem que África não votou na candidata de Cabo Verde. Infelizmente, não conseguimos mobilizar os grandes, mas os pequenos votaram em nós. Mobilizámos sete países africanos na primeira volta e a Nigéria só mobilizou mais dois. Sabíamos que o mais importante seria sobreviver às duas primeiras voltas, porque aí abriam-se outras possibilidades.

 

Inclusive de continuar a negociar?

Geralmente a primeira votação representa os compromissos que cada um tem. Depois, é a dinâmica interna da votação que entra em jogo. A CEDEAO tinha quatro candidatos, enquanto os outros tinham um candidato por região, era evidente que não podíamos contar com os países das outras regiões nem mesmo com os da nossa sub-região, portanto, procurámos os votos dos países não regionais. Os não regionais gostam de falar de eficiência, melhor utilização e de boa governação, que é a imagem de marca de Cabo Verde pelo que não tivemos nenhuma dificuldade e a própria experiência de Cristina Duarte mostrava que ela já tinha feito reformas em Cabo Verde e que é uma pessoa capaz de introduzir reformas no BAD. O Banco Africano de Investimentos cresceu muito rapidamente, mas a organização não cresceu a esse ritmo, ou seja, há um défice de organização e a necessidade de introduzir reformas e penso que aqui não tivemos problemas em mostrar essas competências. O segundo aspecto, mais dirigido aos países africanos, foi mostrar que nós tínhamos soluções para os problemas do continente. Lançámos uma ideia que pegou muito bem, que África está cansada de fazer a gestão da pobreza e quer transformar-se, essa foi a mensagem forte.

 

O candidato da Nigéria usou também essa mensagem.

Retomou depois, nós iniciámos esta ideia e depois os outros começaram também a falar de transformação. Fomos mais longe e dissemos que devíamos fazer essa transformação apostando na inovação, desenvolvendo a cadeia de valores em África e penso que, objectivamente, o nosso programa em relação a África era de mudança do continente.

 

Acha que foi um programa demasiado ambicioso?

Possivelmente, mas temos de ousar, porque se ficamos assim nunca conseguiremos sair desta realidade. Eu vi pela reacção das pessoas na sala, não dos que votam, mas dos outros, África perdeu uma oportunidade, a oportunidade de mudança. Tínhamos a oportunidade de mudar as coisas e África não aceitou esta mudança.

 

Teve medo da mudança?

Possivelmente.

 

Teve medo da transparência?      

Não gosto de falar dos africanos como um todo, mas há uma elite no poder que quer fazer negócios como sempre fez, ganha com isso e quer continuar a ganhar com isso. Qualquer debate que venha mudar esse estado das coisas vai encontrar resistências. Aliás, estamos a ver pessoas dentro do BAD, fora do BAD, os intelectuais africanos, a dizerem que querem mudanças.

 

Portanto, acha que a mensagem passou?

Esperemos que sim. Nós sabemos que o candidato que ganhou é um one man show, temos alguma dúvida quanto à capacidade de realização. Pegou na mensagem porque sentiu que é uma ansiedade por parte dos africanos, as pessoas querem que isto mude. E a nossa ministra teve a coragem de dizer isso, porque no fim da entrevista alguém disse: você pôs o dedo na ferida e muita gente não vai gostar disso. Por essa razão não vejo este processo como uma derrota, mostrámos que era possível, mostrámos que tínhamos políticas para mudar as coisas, mas havia países com outros interesses, que provavelmente não são os interesses da organização. Nós sabíamos que a Nigéria é uma grande potência, sabíamos do seu poder de voto, não há aqui nenhuma dúvida, mas sabíamos também que era o quarto candidato da Nigéria e que os três anteriores tinham perdido. Agora, não podemos esquecer que a Nigéria tinha passado por eleições internas, que decorreram de forma pacífica, e isto fez com que países como a África do Sul quisessem encetar um certo apaziguamento, porque as relações entre a África do Sul e a Nigéria eram péssimas no regime anterior, e viram aqui uma oportunidade de resolver os problemas de relacionamento entre os dois países e nós pagámos por isso, porque a nossa estratégia era de trazer os países da SADC para Cabo Verde [Southern African Development Community – Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral, cujos membros são a África do Sul, Angola, Botswana, República Democrática do Congo, Lesoto, Madagáscar, Malawi, Maurícias, Moçambique, Namíbia, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbabué] e seria a atracção deste bloco a solução para a nossa vitória.

 

E acaba por ser esse bloco, de facto, a decidir a eleição, apoiando o candidato nigeriano.

Absolutamente. Estávamos à espera que mudassem de voto a partir da terceira volta, mas só mudaram à quinta volta e mudaram anunciando antes da votação que apoiariam a Nigéria, daí que os votos de Cabo Verde baixaram no sexto round por causa deste anúncio prévio. A partir de então sabia-se que o apoio da SADC terminava o processo. Falámos com os nossos apoiantes e dissemos que, entre o candidato da Nigéria e o do Chade, iríamos sempre apoiar o candidato da CEDEAO [o nigeriano Akinwumi Adesina].

 

O candidato apoiado pela SADC, Thomas Sakala [do Zimbabué], afirmou que a Comunidade não passou um cheque em branco à Nigéria porque tinham havido negociações prévias para garantir certos lugares.

Nós contávamos com o apoio de Angola e de Moçambique para mudarem o sentido de voto, mas parece que a África do Sul tinha uma agenda diferente e acabou por ganhar mais protagonismo porque manteve o bloco coeso. Aliás, o candidato do Zimbabué não conseguiu qualquer voto fora da SADC, ou seja, houve uma disciplina de voto extraordinária que mostra que havia um acordo prévio e estes são os imponderáveis que não podíamos prever. Não ganhámos, mas acho que Cabo Verde sai com a imagem reforçada junto dos países africanos e todos pedem para não deixarmos cair as nossas ideias.

 

Vamos só tentar esclarecer um ponto. Quando a candidata de Cabo Verde consegue o apoio dos países não regionais, surgindo quase como um outsider, não terá feito com que os próprios países africanos cerrassem fileiras ao lado dos candidatos com o apoio regional?

Acredito que sim.

 

Poderá ter surgido a ideia de um país mais amigo do ocidente do que do continente?

Não um amigo do ocidente, diria de forma diferente. Dois dias antes das eleições circulou que o ocidente queria impor Cabo Verde na presidência. Esta questão da imposição levou vários países a manifestarem um certo nacionalismo para dizer que o ocidente não ia impor nenhum candidato. Não foi uma posição, penso eu, contra Cabo Verde, foi uma posição contra a hegemonia do ocidente no BAD e aí há muitas susceptibilidades. Isto terá jogado contra a nossa candidata, porque recolhemos quase 60 por cento do voto dos não regionais. Mas, se vamos ver o voto dos não regionais estão lá os Estados Unidos da América, a Alemanha, a Europa do Norte e do Sul. Houve este boato que circulou e que tentámos desfazer, mas esta foi uma eleição com muitos rumores. Chegou-se a avançar que a candidata de Cabo Verde tinha desistido na véspera da eleição, houve muita coisa a circular porque muitos sentiam que era a melhor candidata à vitória e houve muitas coisas que a história há-de contar. Os próprios governadores disseram que era a candidata dos seus corações, mas tinham outras orientações.

 

Quando o questionei sobre este tema levei em conta as palavras, mais uma vez, do Sakala, que disse: apoiámos uma candidatura verdadeiramente africana. Este ‘verdadeiramente’ acho que dá uma mensagem bastante clara.

São percepções. Não aceito essa ideia de uma rejeição de Cabo Verde.

 

O facto da SADC ter decidido em bloco foi o principal impedimento ao apoio dos países dos PALOP a Cabo Verde? Foi isso que Angola e Moçambique justificaram quando falaram com eles?

Bom, nós temos uma carta do Presidente da República de Angola dando o apoio a Cabo Verde, está escrito. O que se passou é que o peso de Angola dentro da SADC não era suficiente em relação ao peso da África do Sul, esta é a realidade. Depois há uma percepção regional, porque as pessoas estão mais ligadas à região do que a outras entidades, e neste caso entre a CPLP/PALOP e a região, optaram pela região.

 

Cabo Verde desconhece o continente e o continente desconhece Cabo Verde?

Recentemente tivemos o Kriol Jazz e eu vi esses artistas a chorar quando chegaram à Cidade Velha, quando descobriram que as suas histórias começaram ali. Perguntavam: porque é que nós africanos não sabíamos disto? E eu pergunto: o que é que Cabo Verde fez para dar a conhecer a África o papel histórico do país? Nunca fizemos nada.  Há um desconhecimento do papel que Cabo Verde desempenhou nos anos 70 e 80 em termos políticos no continente. Podemos dizer que Cabo Verde deu uma grande contribuição à independência dos PALOP. As pessoas esquecem que quando houve a invasão de Angola por parte das tropas do Apartheid Cabo Verde deu um contributo importante para impedir a queda do regime angolano em mãos do Apartheid. As pessoas esquecem que a independência da Namíbia foi negociada aqui em Cabo Verde, que a libertação de Nelson Mandela foi negociada no Sal. Os cabo-verdianos não sabem isto, mas os africanos também não sabem isto. Como podemos pedir mais conhecimento se nós mesmos não fazemos este papel de comunicar, de dizer o que já fizemos por este continente. E não podemos dizer que não somos africanos. Há nos cabo-verdianos, mas também nos africanos, a ideia de que o continente é a África subsaariana e que toda a gente está de acordo. Não é assim, temos diferenças culturais. Temos de ter o cuidado de dar a conhecer o que fizemos, quem somos e quebrar estigmas. As pessoas dizem que o sucesso de Cabo Verde não é africano, isso é o máximo do racismo.

 

Conhece muito bem o continente, é essa a percepção a África tem de Cabo Verde?

Antigamente notava, quase posso dizer, ciúmes porque Cabo Verde era o bom aluno, estava a fazer o que os outros não faziam. Hoje o que sinto é o povo africano a questionar os governos africanos: porque é que este pequeno país está a conseguir e vocês não estão. Há uma exigência agora dos povos africanos para obrigar as elites a comportarem-se como Cabo Verde. Por isso, não podemos confundir as elites com o povo que quer mudança.

 

A verdade é que as trocas comercias entre Cabo Verde e o continente rondam os 2 por cento e só agora se começa a falar também nas trocas culturais. Esta falta de relações também leva a esse desconhecimento mútuo?

Acho que sim, que faltou uma política de integração de Cabo Verde no continente. Por exemplo, como podemos fazer negócios se não temos transportes. Falou-se disso várias vezes, mas a realidade é que ainda não conseguimos fazer isso. Na última viagem do Primeiro-Ministro à Costa do Marfim falou-se na possibilidade de ter uma linha aérea entre Abidjan e Cabo Verde. Não obstante tudo o que dizemos, não existe uma política que leve à criação de ligações. Muitas vezes dizemos: isto é o papel do sector privado. Não é verdade, porque o sector privado tem dificuldade em criar o mercado. Tem de haver alguma política pública para criar esse mercado e o sector privado chega depois e não o contrário, porque não é o sector privado que vai pagar o custo de criar o mercado. As pessoas começam a utilizar um barco ou um avião se o transporte é previsível e isso actualmente não existe. Veja, todos nós fizemos compras em Abidjan, porque encontrámos preços muito mais baratos do que aqui e produtos que não temos aqui. Isso significa que há produto, falta é o transporte. Entre Praia e a Brava tivemos transportes subsidiados, porque não usamos a CEDEAO para subsidiar uma linha entre Cabo Verde, Dakar, Bissau e Abidjan? Há mercado, mas alguém tem de pagar. Se não temos acesso aos financiamentos das estradas, podemos ter subsídios para os transportes, mas temos de ter políticas para isso, temos de ter visão. O que nos falta muitas vezes é focar bem para onde queremos ir e a partir daí construir o resto.

 

A ideia que por vezes fica é que Cabo Verde não age, reage levado por ondas de entusiasmo momentâneo.

(risos) Porque as pessoas provavelmente não acreditam. O mestiço é sempre partilhado entre os dois lados (risos) e portanto há uma tendência a ir para o lado que mais facilita. Porque criar uma relação com África tem um custo financeiro. Não podemos pensar que vamos participar em todas as reuniões da CEDEAO, ou da União Africana, porque não há meios para isso. Não podemos pensar que temos de ter embaixadas em África.

 

Nem fazer um esforço maior?

Bem, podemos fazer esse esforço. Não temos nada na África Central, fora de Angola não temos nada fora da África Austral e não temos nada no norte de África. Podemos ser inteligentes e, por exemplo, transformar o consulado de São Tomé e Príncipe em embaixada, ou usar a Guiné Equatorial, ou a África do Sul. Eu não sou pela abertura de embaixadas, as pessoas que estão lá é que têm de saber que estão para cumprir uma missão e não para fazer diplomacia clássica e infelizmente temos essa tendência, vai-se a muitas recepções mas não há a preocupação de desenvolver as relações económicas. Para isso é preciso que haja uma maior ligação entre a nossa diplomacia e o nosso sistema económico, seja através das câmaras de comércio, seja através da Cabo Verde Investimento. Isso falta. Por exemplo, estamos a criar fóruns de diplomacia económica, lembro-me de ter facilitado um encontro de todos os actores do Estado para lançar a diplomacia económica, fizemos planos muito bonitos e depois, no momento de executar, descobriu-se que não havia dinheiro. Não há almoços grátis, temos de ter o mínimo de condições. A mesma coisa agora, as pessoas dizem que gastámos 5 mil contos para uma candidatura, o que é isso com o que se ganha? O país não ganha sem investir, isso é parte das regras. Não é suficiente dizer, fazer discursos, a prática tem de acompanhar. E temos também de aceitar que a prática de fazer diplomacia com África é diferente da Europa.

 

Isso quer dizer o quê?

A nossa estrutura mental está virada para a Europa. Eu não contacto um Chefe de Estado europeu a não ser através de notas diplomáticas, etc., e queremos fazer a mesma coisa em África. Mandamos uma nota diplomática e nada acontece. Temos de pegar no telefone e ligar directamente. A relação humana, a relação pessoal conta. São essas relações, que não temos, que fazem a diferença. Não podemos gerir o nosso relacionamento com África da mesma maneira que gerimos com a Europa. São práticas totalmente diferentes. Em África temos de ter o telefone dos Chefes de Estado e dos ministros. Temos de visitar os países. Veja, falamos do nosso relacionamento com Angola como sendo algo importante. Quantas visitas de ministros fizemos a Angola? Praticamente zero. O que é que o Senegal fez quando quis tirar a South Africa Airlines de Cabo Verde? O ministro dos transportes senegalês, na altura, visitou a África do Sul mais de dez vezes num ano, até que conseguiram tirar-nos a companhia aérea sul-africana. Esta é uma questão que não compreendemos ainda.

 

Então temos de formar as pessoas para terem essa capacidade de dialogar com África.

Acho que sim. Culturalmente, temos de aceitar que é diferente. Temos de ter mais relações humanas, mais visitas, convidar mais. Criar relações pessoais é muito importante em África. Agora, Cabo Verde não pode fazer tudo, tem de escolher os sectores onde tem vantagens competitivas. Tomemos o caso de Marrocos, que tem uma política de conquista do sector bancário africano, bem, pelo menos para já da África francófona. E verificamos que ao fim de três ou quatro anos a maioria dos bancos marroquinos estão em todos os países francófonos. É uma acção consciente. De vez em quando o Rei de Marrocos visita esses países e leva homens de negócios e hoje em dia o sector bancário marroquino já ultrapassou o sector bancário francês no continente africano. Houve uma política deliberada e agora estão com outros programas económicos. Estão a agir de forma sistemática. Nós falamos, mas depois quando é necessário ter gente para fazer não estamos aí.

 

Quais poderiam ser os sectores estratégicos para Cabo Verde? Comunicações, novas tecnologias? Apesar de o continente estar também a evoluir muito depressa nesses sectores e arriscamos perder essa corrida.

Esse é um dos aspectos, pensamos que os outros estão parados e não estão. Estamos a perder sectores onde podemos fazer a diferença. Nas comunicações e na governação electrónica temos vantagens, mas… Dou-lhe o exemplo da minha empresa. Tenho aqui jovens, saídos das universidades e a nossa perspectiva é desenvolver um modelo de negócio aqui em Cabo Verde que pode depois ser transferido para qualquer país africano. Criámos um portal de turismo, por exemplo, que pode facilitar a venda do produto cabo-verdiano, desenvolvemos a base tecnológica, se depois quero ir para Angola ou outro país é só pegar na plataforma tecnológica e adaptar o conteúdo. Eu estou a fazer isto sem o apoio de ninguém, porque acho que podemos desenvolver o modelo de negócio e depois exportar. Estamos também a desenvolver um jogo de vídeo africano e começamos pelo oril, que se joga aqui e em todos os países africanos, portanto sabemos que podemos vender a todos esses países. E estamos a desenvolver outros produtos. O mais difícil é desenvolver a plataforma tecnológica, o resto faz-se mais facilmente. Acho que Cabo Verde tem de ser mais ousado e não entrar num debate estéril.

 

Para se conseguirem internacionalizar as empresas de Cabo Verde têm de investir.

Falamos de internacionalização das nossas empresas, mas de pequenas coisas. Hoje um empresário de construção civil, porque não tem mais espaço aqui, quer ir para a Guiné-Bissau, mesmo sem capital para o investimento inicial, ou seja, não tem hipótese de competir com uma empresa brasileira ou portuguesa. Agora, se formos com um consórcio, se criarmos uma capacidade nacional forte podemos ser competitivos. Mas, aqui qualquer um quer internacionalizar-se sozinho. Eu recebo imensos pedidos de ajuda de pessoas que querem ajuda e contactos para entrarem no mercado da Guiné-Equatorial, o que eu lhes digo é: não vai fazer nada à Guiné-Equatorial porque os brasileiros já lá estão em força, com muito investimento e capital. Temos de ser mais inteligentes, saber o que vamos levar de diferente e se temos um problema de capital temos de saber como atraí-lo. A Guiné-Equatorial tem capital, lá o problema é o know-how. O NOSi está a fazer a informatização da administração da Guiné-Equatorial, é uma coisa pequena, mas com um poder de crescimento enorme. Você imagina o NOSi a fazer o que a Portugal Telecom fez com a CV Móvel? Contrato de gestão? Pode-se retirar muita coisa com esse contrato de gestão. Por isso é que eu digo que temos de ser inteligentes.

 

E tem de haver uma vontade política?

Vontade ou compreensão das coisas. Porque quando não temos visão não conseguimos fazer nada. Fala-se que África é uma boa oportunidade para Cabo Verde. Certo! Mas, a visão por trás exige o desenvolvimento de uma estratégia nacional. Mas, na véspera de uma viagem do Primeiro-Ministro ou do Presidente da República, convocam-se as empresas, vai-se e há muita abertura e depois chegamos aqui e esquecemos. Como é que queremos desenvolver relações? Temos de ser sérios e de ter políticas sérias a nível nacional. Eu dava cursos nos Estados Unidos sobre como investir em África, aos americanos. Aqui alguém pensa nisso? Como é que vamos entrar? Não há trabalho prévio, há uma visita oficial aqui ou lá, toda a gente fala e nada acontece.

 

Uma última questão. Quais são, na verdade, os nossos pontos fortes e os nossos pontos fracos nesta relação com o continente?

O ponto forte de Cabo Verde é o seu percurso. Aqui está um pequeno país, sem nenhum recurso natural, que tem feito um percurso de desenvolvimento. E esta é uma mensagem forte, a credibilidade do país. E há muita gente que nos quer conhecer melhor. Este é o momento de mobilizar os capitais privados africanos para investirem em Cabo Verde. É isso que temos de valorizar, capitalizar, mas também transformar em acções muito concretas. O ponto fraco é o nosso desconhecimento de África. Temos de tentar compreender o outro. Temos de os respeitar. E fazer com que os outros conheçam o nosso país, porque desconhecem o que é Cabo Verde.

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Autoria:Jorge Montezinho,16 jun 2015 0:00

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  15 jun 2015 7:36

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