Eurico Monteiro: «Queremos diminuir o tempo de espera para atendimento e fornecimento do serviço»

PorNuno Andrade Ferreira,15 out 2017 6:54

Político experiente, veste desde o início do ano a pele de diplomata. À frente de uma das mais importantes representações diplomáticas de Cabo Verde, Eurico Monteiro quer revolucionar a prestação dos serviços consulares. Promete emitir passaportes em pouco mais de uma semana, levar o consulado a comunidades distantes da capital e desmaterializar processos. Enquanto isso, garante mais e melhor atenção aos doentes evacuados e prepara a Embaixada para ser o front office da diplomacia económica.

 

A prestação de serviços consulares nas representações diplomáticas de Cabo Verde tem estado debaixo de críticas. Qual é a situação em Lisboa?

A nossa capacidade de resposta ainda é reduzida e, por isso, o conjunto de reclamações que se vai registando ao longo dos anos é, de uma forma global, justo. O fundamental da minha missão tem a ver  exactamente com isto. A minha primeira preocupação foi conhecer bem os problemas, fazer um diagnóstico e começar a pensar em projectos que pudessem responder cabalmente a essa situação  O programa global tem a ver com a questão da modernização dos nossos serviços administrativos. Ou seja, queremos fazer duas coisas ao mesmo tempo: diminuir o tempo de espera para atendimento e diminuir o tempo de espera para fornecimento do serviço. Às vezes, as pessoas ficam durante quatro, cinco ou seis horas para serem atendidas e depois podem levar um ou dois meses, em certos serviços, seis, oito ou nove, mais de um ano, para terem o serviço prestado. Um grande projecto nosso, fundamental para a comunidade, tem a ver com os passaportes electrónicos.

 

Essa será, por ventura, a reclamação mais frequente…

Exactamente. É um serviço muito procurado. Nós temos aqui na Embaixada cerca de 40 pedidos diários de passaporte. Um volume muito grande. Portanto, concentramos muito os nossos esforços na modernização da emissão de passaportes electrónicos. Aqui, o passaporte é fundamental, não é um título de viagem. É um documento sem o qual os cidadãos não conseguem fazer nada. Tivemos que fazer alguns investimentos, arranjar espaço, equipamentos, formação. Já iniciámos este projecto no início de Setembro. Fazemos a recolha, a validação e mandamos imprimir. Em breve, estaremos em condições de assegurar que um passaporte electrónico chega às mãos do cidadão entre 7 a 10 dias.

 

Existem outros projectos em carteira?

Sim. Se prestamos um serviço longe de Cabo Verde devemos ter uma regra que é muito simples: a centralização só deve acontecer quando existe uma razão muito forte e ponderosa. Estamos a falar de vários outros documentos, importantes para os cabo-verdianos. Por exemplo, transcrições de nascimento e de actos de registo civil, de uma forma geral, validação de cartas de condução, etc. Documentos que fazem enorme falta e que às vezes o tempo de espera é demasiado. Um outro projecto tem a ver com a desmaterialização do arquivo. Tudo é digitalizado. As pessoas nem imaginam o tempo que poupamos com isso. Temos ainda um projecto importante que é deslocalizar o serviço consular para uma zona de maior acessibilidade. Como sabe, esta não é uma zona servida por transportes públicos. Ou a pessoa tem carro ou então tem que dar voltas e gastar horas e horas até cá chegar. Temos duas possíveis localizações em vista. Uma na zona de São Bento e outra em Telheiras. Estamos também com o consulado ambulante. É um projecto muito importante que nos permitirá levar os serviços consulares a zonas distantes.

E este consulado ambulante tem data para avançar?

Estamos a fechar os passaportes e a desmaterialização do arquivo. Depois, começamos logo com o consulado ambulante. O que está previsto é que entre Março e Abril o consulado ambulante possa funcionar.  Entretanto, vamos lançar o nosso site e um call center, para passar informações relevantes.

É impossível falar da Embaixada de Cabo Verde em Portugal sem referir a situação dos doentes evacuados. O acompanhamento desses doentes não está isento de críticas, nomeadamente falta de atenção por parte dos serviços. São críticas justas?

Sim, eu diria que as críticas são justas. Assumimos a responsabilidade nessa matéria. Em todo o caso, as pessoas também têm que perceber os nossos constrangimentos e dificuldades, como Estado e como serviço. Antes, gostaria só de esclarecer um aspecto, para as pessoas verem o lado positivo das coisas. Vários países, quase todos os países africanos de língua oficial portuguesa, têm acordos de cooperação, no domínio de saúde, com Portugal. Até esta data, praticamente só Cabo Verde tem feito uso deste acordo assumindo os encargos com evacuação e estadia. Outros países até accionam o acordo mas não assumem os encargos, que são do próprio doente. Cabo Verde faz o diagnóstico local, verifica a necessidade de evacuação, determina a evacuação, paga  as passagens, faz a recepção dos doentes. Os que têm acolhimento familiar vão para as suas famílias e os que não têm são colocados em residências ou pensões. Depois, Cabo Verde tem outros dois encargos muito importantes: a diária, que é, de facto, muito reduzida, e assistência medicamentosa – e se houver próteses, cadeiras de rodas, tudo aquilo que é necessário. Finalmente, Cabo Verde financia, do mesmo modo, só que pagando metade da diária, os acompanhantes. Neste momento, entre doentes e acompanhantes, devemos ter cerca de um milhar de pessoas em Portugal. Uma parte é do INPS, pelo que não representa um encargo directo para o Estado, mas cerca de metade, à volta disso, doentes mais acompanhantes, está a cargo do Tesouro. Temos gente que está aqui em tratamento há 25 anos. O valor da diária é de €12,40 (cerca de 1300$00)  e não estamos a pagar os €12,40 propriamente ditos, porque o número de doentes aumentou muito e o montante global que é atribuído não consegue cobrir os 30 dias. Encontrámos dívidas avultadas, algumas desde 2001. São dívidas com as ambulâncias, com os bombeiros, com as farmácias, com as agências funerárias.

 

De que números estamos a falar?

No seu todo, temos uma dívida que ronda os 460 mil euros (acima de 50 mil contos). É muito dinheiro e é um encargo que temos que resolver. Estou convencido que em Outubro ou Novembro conseguiremos mobilizar recursos, com o grande apoio do Ministério das Finanças, para saldar esta dívida. O que eu queria dizer sobre esta matéria é que vejo que as pessoas centram muito as suas críticas nos doentes que estão nas pensões e sem enquadramento familiar. Mas repare, nós estamos a falar de um universo de cerca de 100 doentes nas pensões. Costumo dizer: não falem apenas dos doentes nas pensões, porque este universo é muito inferior ao conjunto dos doentes. A primeira coisa que nós fizemos foi não esconder a situação. Levámos o problema às autoridades e começámos a tomar algumas medidas. Reorganizámos o serviço do Estado. Na Praia também foi reorganizado. Há uma articulação prévia com a Embaixada para se poder fazer a recepção devidamente, saber antecipadamente se o doente tem enquadramento familiar ou não, para onde vai. Tudo isto está organizado. A logística foi completamente alterada. Por outro lado, como o subsídio para os doentes sem enquadramento familiar é manifestamente insuficiente, fizemos um contrato com uma empresa de catering e fornecemos uma refeição com qualidade elevada.

 

Esse serviço já está a funcionar?

Se a memória não me falha, está a funcionar há cerca de quatro meses. Como sabe, a margem de manobra não é grande. De qualquer maneira, no próximo ano, com o novo  Orçamento de Estado, tentaremos, e já há esforços visíveis do Ministério das Finanças, melhorar a situação dos doentes cabo-verdianos. Agora, eu queria deixar uma mensagem final nesta parte. Tenho conversado com associações, converso com todas, procuro manter um diálogo, responder às críticas e dar razão sempre que acho que têm razão. Há dias, uma associação estava a criticar as condições de higiene e saneamento das pensões. Estou absolutamente de acordo e não é nossa opção ter os doentes naquelas pensões. Agora, era importante que, ao invés de apenas dirigir críticas ao Estado, repito, muitas delas justas e legítimas, se começasse a fazer um trabalho no sentido de criar uma rede de apoio, para que se possa dizer: o Estado está a fazer esta parte e nós também estamos a contribuir com esta outra parte.

 

Quais são os principais problemas da comuni-dade cabo-verdiana em Portugal?

Temos um problema que diz respeito a muitos cabo-verdianos e que tem a ver com a legalização, particularmente a autorização de residência. Este é seguramente o maior desafio. Temos gente que não está com a residência regularizada mas também não é expulsa e fica numa zona de limbo. Isto é potencialmente perigoso. Não tem autorização de residência, não pode trabalhar, mas está aqui. Temos gente que nasceu cá em Portugal, gente que está aqui desde os dois, três anos que não tem uma ligação material com Cabo Verde. Vamos fazer um recenseamento destas situações. Depois, em algumas zonas, ainda se coloca o problema de habitação. Foi feito um esforço muito grande, sobretudo nos anos 90, com os Planos Especiais de Realojamento (PER). As barracas desapareceram em mais de 80% mas ainda temos algumas situações, em alguns bairros. Temos pessoas a habitar residências que vão ser demolidas, bairros que vão desaparecer, mas essas pessoas não estão contempladas no PER porque entraram depois do recenseamento de 1993. Nós apelamos à sensibilidade das autoridades portuguesas, centrais ou municipais. Temos procurado intervir, dialogando, designadamente, com a Câmara da Amadora, que nos pareceu com sensibilidade para esta matéria. Temos vários outros problemas, como a questão da nacionalidade. Gente que tinha nacionalidade Portuguesa, mudou a lei mas a conservatória seguiu a dinâmica da legislação anterior. As pessoas tinham documentos e os documentos foram ‘caçados’. São erros técnicos que foram cometidos e que têm um impacto nas pessoas. Esse problema já foi levantado, para ver se é possível arranjar uma solução normativa.

 

O Governo definiu como prioridade a diplomacia economia. O que é que a Embaixada de Portugal está a fazer, pode fazer, pensa fazer para cumprir essa missão estratégica?

Um eixo estratégico da nossa acção, a par da acção consular e do reforço da nossa cooperação, que tem um nível que se pode dizer de excelência – em Fevereiro foi assinado um programa estratégico de 120 milhões de euros para quatro anos – é a diplomacia económica. Em relação a Portugal as coisas estarão facilitadas mas precisarão, seguramente, de sistematização. Estamos a tomar parte e a promover eventos que podem contribuir para valorizar a imagem do país. Devemos ajudar a clarificar as parcerias que o país tem com outros mercados, designadamente, as vantagens da CEDEAO, onde temos um papel muito activo, ou realçar o acordo que temos com os Estados Unidos, o AGOA. Também destacar outro aspecto que é o facto de estarmos a receber anualmente cerca de 700 mil turistas, o que mais do que duplica o nosso mercado interno. É ainda importante evidenciar a imigração que é um mercado potencial. Ou seja, demonstrar que temos uma dimensão de mercado maior do que aquilo que são os tais 500 mil residentes. Ao mesmo tempo, realçar outros aspectos positivos. A nossa competitividade fiscal –temos um código de benefícios fiscais para investimentos que nos interessam – e o facto de sermos um país confiável, estável, com regras claras, uma noção de justiça que funciona, a possibilidade de acesso aos tribunais arbitrais, inclusive internacionais. A diplomacia económica funcionará em rede. Nós aqui funcionaremos como front office, suportados por um back office, em Cabo Verde. Podem vir 30 ou 40 projectos e Cabo Verde ter interesse realmente em dez. Toda a gente pode investir em Cabo Verde, o que estamos a discutir é se o Estado vai conferir vantagens especiais.

 

As embaixadas vão funcionar como gatekeepers?

Exactamente. Apresentado o projecto, a nossa capacidade de análise tem que ser muito rápida e a nossa capacidade de decisão também tem que ser muito rápida, porque a maior promoção que se faz é exactamente a capacidade de resposta, demonstrativa do interesse real no investimento. Se isto não funcionar, às tantas, deixamos de ser credíveis.

 

Esse front office já existe?

Neste momento, estamos nesta fase de reorganização. Temos diplomatas e funcionários que estão a trabalhar exclusivamente na diplomacia económica e estamos a pensar se valerá a pena estender a rede, sobretudo, tendo em conta o norte de Portugal. Também está a ser discutida a possibilidade de ter gente colocada nesta missão que ajude no processo de triagem. 

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 828 de 11 de Outubro de 2017. 

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Autoria:Nuno Andrade Ferreira,15 out 2017 6:54

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  16 out 2017 16:06

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