Lei da Paridade começa a mexer

PorChissana Magalhães,25 mar 2018 7:09

Há anos que, chegados ao mês de Março, um dos assuntos que ocupa as manchetes dentro do tópico “Mês da Mulher” é a Lei da Paridade. Este ano não se fugiu à regra contudo, parece que finalmente se começa a passar dos discursos à acção.

A Rede de Mulheres Parlamentares Cabo-verdianas (RMPCV), o Instituto Cabo-verdiano de Igualdade e Equidade de Género (ICIEG) e a ONU Mulheres acabam de assinar um Memorando de Entendimento para a implementação do Plano de Acção de Advocacy da Lei de Paridade. Os partidos e actores políticos revezam-se em declarações sobre o tema e, pela manifestação de tantas vontades adivinha-se que a meta apontada pelos signatários do referido Memorando de ter a lei aprovada em 2019 será finalmente realidade.

A Lei da Paridade já era assunto para os discursos de Março há 8 anos atrás. Comemorava-se o Dia da Mulher Cabo-verdiana em 2010 e estava a dar entrada no Parlamento aquela que viria ser a Lei da VBG, quando o então primeiro-ministro, José Maria Neves, anunciava que “em breve” o governo enviaria ao Parlamento uma proposta de Lei da Paridade, chegando a assumir a criação da lei como um “compromisso”, dado que sentia haver na sociedade cabo-verdiana um consenso sobre essa matéria.

“É fundamental transformar esta causa em recurso legal”, frisou o então chefe de Governo.

O actual primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, também já manifestou em diversas ocasiões o seu engajamento na criação da referida lei. No ano passado, aquando do workshop “Partilha de Experiências, Boas Práticas na Promoção da Paridade Política: Casos de Espanha, Moçambique, Portugal, Senegal e Ruanda”, vaticinou que a revisão do código eleitoral e implementação da lei da paridade virá por fim a preconceitos e estigmas relacionados à participação das mulheres na política. Também aí, Ulisses Correia e Silva garantiu “total engajamento” do seu Governo e do MpD em criar todas as condições para se fazer avançar com a lei.

“Estamos a lidar com questões que em alguns casos são fracturantes, noutros, objectos de estigma”, disse então o chefe do executivo que chegou a assumir que ele próprio já tivera ideias contrárias em relação às quotas, acabando por mudá-las ao constatar a sua necessidade para se poder “ir além das boas vontades conjunturais”. Foi então altura, segundo o próprio, de enquanto Presidente do MpD, de travar alguns combates, dentro do partido, para fazer chegar a outros elementos da máquina partidária o entendimento da mudança necessária em relação à participação das mulheres na vida política.

Este ano, o tópico volta a estar nas agendas e o primeiro-ministro voltou a ele nos seus discursos nas várias actividades alusivas ao denominado “Março Mês da Mulher“ que se inicia no dia 08, com o Dia Internacional da Mulher, e vai até 27 de Março, Dia da Mulher Cabo-verdiana.

Chefe de um governo onde, em 11 ministros apenas 3 são mulheres e que frequentemente emite sinais de um claro predomínio masculino em várias esferas de decisão e de influência, Ulisses Correia e Silva assume: “Temos défice de paridade no parlamento, no governo, em diversas instituições e conselhos de administração de empresas”.

E, observando que quem lidera os órgãos de composição das listas eleitorais são homens, reiteira: “Quando fazemos as listas é sempre uma grande luta e há sempre desculpas para não colocar mulheres”.

Parecendo estar ciente de que o mesmo processo de exclusão se repete em outras esferas que não a partidária e política, o primeiro-ministro sugere que “há que fazer esta alteração pondo a tónica na questão política, que é a área chapéu para podemos dar um passo em relação às outras áreas de actividade”.

Declaração

de Rui Vaz

O primeiro passo concreto para a efectivação da Lei da Paridade terá sido dado em Janeiro do ano passado quando, reunidas em Rui Vaz, um grupo constituído por mulheres parlamentares, integrantes do ICIEG, membros e líderes de organizações políticas e organizações não-governamentais, assinaram um manifesto onde reconhecem que, de uma forma geral, a representatividade das mulheres na esfera politica e nos lugares de liderança e de tomada de decisão a todos os níveis, “continua muito baixa e que a evolução tem sido demasiado lenta, pelo que se impõe a tomada de medidas e a adopção urgente de mecanismos que permitam repor a justiça social e criar as condições de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres”.

O manifesto tinha assim como um dos principais focos a implementação da Lei da Paridade em Cabo Verde.

Na ocasião, o presidente da Assembleia Nacional, Jorge Santos, foi um dos primeiros a congratular-se com a iniciativa.

“Sou um entusiasta desta lei, será estruturante e o país precisa, mas paralelamente, a montante e a jusante, terá que haver um edifício legal de participação das mulheres em todas as esferas” e acrescentou “não só a nível das empresas públicas, das direcções de serviços, do parlamento, das autarquias, em todas as esferas do poder”, afirmou ao receber do grupo de mulheres a Declaração de Rui Vaz.

Na semana passada, a ideia de fazer chegar ao Parlamento para votação, antes das eleições de 2021, o projecto de Lei da Paridade conheceu um avanço significativo. A Rede das Mulheres Parlamentares (RMPCV) assinou com o ICIEG e a ONU Mulheres um memorando para que finalmente o Plano de Ação de Advocacy da Lei de Paridade comece a ser executado.

“Apesar de Cabo Verde ser um dos países mais progressistas da sub-região em relação à participação política das mulheres, o foco limitado na dimensão de género da participação política continua a ser um obstáculo ao envolvimento igualitário de mulheres e homens na tomada de decisões. Existem alguns desafios para o estabelecimento da lei de paridade inscrito para 2018 no PNIG (Plano Nacional de Igualdade de Género)”, aponta o documento subscrito pelo conjunto, e que se assume como uma oportunidade para unir todas as vozes, actores e activistas sociais e políticos, para “conjuntamente advogar para a adopção e implementação de uma agenda nacional que conduza o país à materialização, de forma progressiva, consistente e irreversível da paridade de género na participação política, social, económica e cultural na sociedade cabo-verdiana”.

Com um orçamento de 34 mil contos, a execução do Plano será garantida por uma Comissão de Legislação, uma Comissão de Advocacy e uma Comissão Especial.

A Comissão de Legislação – presidida pela RMPCV (2 elementos) será composta ainda por 2 elementos do ICIEG, 1 elemento da ONU Mulheres, 1 elemento do PNUD, 2 consultores jurídicos, 1 elemento da Associação de Mulheres Juristas de Cabo Verde (AMJ) e 1 elemento da rede Laço Branco - terá a seu cargo a coordenação do processo técnico de elaboração, apresentação e discussão da proposta de Lei de Paridade e validação técnica.

A Comissão de Advocacy – presidida pelo ICIEG (2 elementos), terá como integrantes 2 elementos da RMPCV, 3 elementos oriundos da OMCV, MORABI e AMJ, 3 elementos das associação de mulheres dos partidos políticos, 3 elementos masculinos dos partidos políticos, mais 2 elementos da Coligação de Mulheres de Santiago, 1 elemento da Academia (CIGEF da Uni-CV) e 1 elemento da AJOC – irá ocupar-se da liderança e coordenação da implementação das acções de lobby e advocacy, e coordenar uma estratégia de comunicação sobre o projecto e de mobilização social para a adopção da Lei.

Por fim, será ainda criada uma Comissão Especial a partir de convites endereçados a personalidades que irão funcionar como conselheiros e prestar assim apoio às duas outras comissões. A intervenção destes conselheiros será pontual, em diferentes etapas do processo, através de emissão de pareceres e participação física nas actividades relacionadas ao Plano.

PAICV já tem projecto

Até ao final deste mês a equipa de consultores que irá trabalhar o projecto de lei deverá iniciar os trabalhos. Um dos documentos que irão encontrar para análise é a proposta de lei que o grupo parlamentar do PAICV, antecipando-se, já entregou à RMPCV.

Janira Hoppfer Almada disse esta semana à imprensa que, com a entrega da proposta o seu partido, quer ver garantida a igualdade nos órgãos de decisão do país. E que também pretende promover um debate “sadio e construtivo” à volta do assunto para que haja uma decisão, ressalvando no entanto que tal não significa “garantir a beneficiação [de mulheres] em detrimento de homens”.

“Fundamentalmente queremos garantir a paridade e a igualdade nos órgãos de decisão, não só ao nível dos cargos políticos, como também ao nível dos cargos de chefias na Administração Pública”, ressaltou a presidente do PAICV que quer ver implementadas medidas que acelerem a oportunidade das mulheres participarem mais, visto que, ao ritmo actual, a paridade a nível do parlamento só será alcançada daqui a quase um século (89 anos).

O Grupo Parlamentar do PAICV, na sua página online, ressalva que quer que a lei seja “consensual, suprapartidária, portanto que ultrapasse as esferas dos partidos políticos”, o que vai ao encontro do defendido pelo MpD que, na pessoa do seu presidente, recomendou alargar o debate à sociedade civil, entendendo que a questão da paridade “não deve ser limitada ao quadro político”. Aliás, Ulisses Correia e Silva também já convidou o PAICV para um debate sobre o tema. Portanto, as vontades dos dois maiores partidos sobre esta matéria dão mostras de estar alinhadas.

Entretanto, o MpD não tem ainda uma proposta pronta. Em Março do ano passado Ulisses Correia e Silva, presidente do partido, já admitia não ter ainda ideias definidas sobre a proposta de legislação, falando apenas de uma norma a ser integrada no Código Eleitoral. O cenário mantem-se. O grupo parlamentar ventoinha poderá, ao invés de criar uma proposta de lei à parte, optar por, através dos seus representantes nas comissões criadas, avançar com contribuições para o projecto de lei que se irá criar no âmbito da RMPCV. É o que espera a presidente da Rede, Lúcia Passos.

Sobre a iniciativa do PAICV, Lúcia Passos diz que servirá para consulta assim como outros documentos que as comissões irão trabalhar, nomeadamente a legislação de outros países, o Código Eleitoral, a própria Constituição da República, entre outros documentos que sirvam de base para a criação de um projecto de lei no seio da RMPCV.

“Vamos aproveitar para tirar ilações das leis que já estão a funcionar em outros países para que a nossa lei seja adequada à nossa realidade e sirva ao país”, refere a deputada que indica ainda o apoio já manifestado pela União Europeia, Cooperação Espanhola e União Interparlamentar, nesse processo.

A socialização do projecto de lei será constante. Mensalmente irão ser realizados encontros entre as comissões e os consultores. Os partidos políticos sem assento parlamentar, o PP e o PSD, também serão solicitados a dar o seu contributo, e mesmo os cidadãos a título individual poderão fazer chegar as suas ideias.

Porém, a iniciativa legislativa é apenas um dos quatro componentes do Plano de Acção de Advocacy da Lei de Paridade. Aliás, a aprovação da lei é o terceiro objectivo, havendo antes um intenso trabalho a ser levado a cabo por vários parceiros.

O primeiro objectivo do documento saído do encontro de Rui Vaz tem em vista “aumentar a consciencialização da sociedade cabo-verdiana para essa acção colectiva para adopção de uma grande agenda nacional da paridade do género”, aponta Passos. Nessa linha a equipa manteve encontros com o Presidente da República, com o Presidente da Assembleia Nacional, o primeiro-ministro, líderes parlamentares, partidos políticos, Procurador-Geral da República, Provedor de Justiça e CNE, para se “criar essa consciência sobre esta questão”.

O segundo objectivo será então o reforço da capacidade institucional para advocacy da paridade na sociedade, com a criação de grupos de promotores da paridade de género, realização de fóruns temáticos semelhantes ao realizado em Julho do ano passado, capacitação dos sujeitos parlamentares com formações sobre a questão da paridade, formação das ordens profissionais e dos sindicatos, e as ONGs que estarão no terreno a fazer o trabalho de sensibilização junto às comunidades.

O ICIEG, por exemplo, irá trabalhar concretamente na capacitação de directores gerais dos ministérios, presidentes de Câmara, vereadores e deputados municipais para a paridade de género.

Rosana Almeida, a presidente do Instituto, frisa no entanto que o que se pretende é uma paridade abrangente, que traga “mais mulheres para o Governo e para as esferas de decisão”. Ou seja, que a lei ultrapasse a questão dos cargos electivos, como explica Lúcia Passos que aponta a meta de se incluir a administração pública, as empresas participadas pelo Estado e, talvez mesmo, as grandes empresas privadas.

Ao fim de tudo isso um aspecto importante será, como aponta a presidente do ICIEG, que fiquem claros na lei os mecanismos que obriguem partidos e governos a adoptarem e a implementarem as medidas nelas contempladas.


Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 851 de 21 de Março de 2018.

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Autoria:Chissana Magalhães,25 mar 2018 7:09

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  25 mar 2018 7:10

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