A notícia apanhou todos de surpresa. Passada a incredulidade inicial, confirmou-se: pela primeira vez um ex-chefe de governo português era detido. José Sócrates está neste momento em prisão preventiva, no âmbito de uma investigação sobre crimes de fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção.
“Isto é verdade?” Esta foi a reacção mais comum nas redes sociais quando começaram a surgir as primeiras notícias que davam conta, na noite de sexta para sábado, da detenção de José Sócrates.
De acordo com a imprensa portuguesa, o ex-primeiro ministro foi detido no aeroporto da Portela, em Lisboa, pelas 23h10 locais (22h10 na Praia), quando regressava de Paris, sob suspeitas dos crimes de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção.
O inquérito, lia-se então em nota de imprensa da PGR, que está em segredo de justiça, “investiga operações bancárias, movimentos e transferências de dinheiro sem justificação conhecida e legalmente admissível”.
Durante as horas seguintes à detenção, foram ainda realizadas buscas em vários locais, nomeadamente a casa de José Sócrates, no centro de Lisboa, uma empresa onde este terá arrendado um box onde guarda documentação (o nome da empresa não foi revelado).Na sexta-feira a sede do Grupo Lena, havia já sido alvo de buscas.
Foi a primeira vez na história da democracia portuguesa que um ex-primeiro-ministro foi detido para interrogatório judicial. Dias mais tarde, na segunda-feira – e na mesma linha – voltou-se a fazer história quando, após dois dias de interrogatório, lhe foi determinada prisão preventiva como medida de coacção.
O EX-PM
José Sócrates, de 57 anos, foi primeiro-ministro de Portugal entre Março de 2005 e Junho de 2011, quando, após o pedido de ajuda à troika, deixou o Governo.
Após a sua renúncia, mudou-se para Paris, onde prosseguiu os estudos e onde alegadamente vivia uma vida de luxo, e afastou-se da vida política. “Em Março de 2013, regressou à ribalta, com uma entrevista à RTP”, recorda o Público. Nessa entrevista Sócrates declarou: “Tenho uma só conta bancária há mais de 25 anos. Nunca tive acções, off-shores, nunca tive contas no estrangeiro. A primeira coisa que fiz quando saí do Governo foi pedir um empréstimo ao meu banco”, a Caixa Geral de Depósitos (CGD) no valor de 120 mil euros, explicou então.
Em Abril desse ano tornou-se comentador da estação pública, com um programa semanal, que pelo menos no início detinha grande audiência.
Esta não é a primeira vez que o nome de Sócrates surge envolvido em escândalos e processos judiciais. Alguns exemplos é a polémica em torno da sua Licenciatura, o licenciamento do empreendimento Freeport em Alcochete e as escutas do processo Face Oculta.
Este é um caso que irá certamente abalar a política portuguesa, em especial o Partido Socialista, de José Sócrates. Recorde-se que no próximo sábado António Costa deverá ser eleito secretário-geral do Partido Socialista, depois de ter vencido as eleições primárias para candidato a primeiro-ministro.
Os outros suspeitos
Além de ex-PM socialista, há outros três arguidos no âmbito daquela que é conhecida por Operação Marquês. João Perna (motorista de Sócrates) e Carlos Santos Silva (ex-administrador do grupo Lena e amigo de Sócrates), que também estão em prisão preventiva - e ainda Gonçalo Ferreira Ferreira (advogado na Proengel, uma empresa de Carlos Santos Silva) - impedido de contactar com os restantes arguidos e de se ausentar do país.
Os três arguidos ficarão em prisão preventiva devido a alegados crimes de fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção. A João Perna foi também imputado o crime de “detenção de arma proibida”, escreve a imprensa lusa. Gonçalo Ferreira, por sua vez, foi acusado de fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais.
Na origem da detenção
O inquérito terá tido origem, de acordo com a imprensa portuguesa, numa comunicação bancária efetuada ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal, ao abrigo da lei de prevenção e repressão de branqueamento de capitais, que impõe aos bancos que estejam atentos a movimentos bancários suspeitos. Terá sido a CGD a fazer a comunicação, há já mais de um ano, devido às elevadas transferências (algumas superiores a 200 mil euros) da mãe de Sócrates para a sua conta. “Estas transacções terão resultado da alienação de imóveis que estavam em nome da mãe, Maria Adelaide de Sousa, a Carlos Santos Silva. Só que o dinheiro usado pelo empresário e amigo de Sócrates para financiar estas aquisições seria do próprio ex-primeiro ministro. O esquema de triangulação, em que Carlos Santos Silva seria um testa de ferro, terá permitido branquear (colocar no circuito legal) dinheiro cuja origem é desconhecida e portanto suspeita e ao mesmo tempo possibilitar que José Sócrates tivesse acesso a estes fundos que não estavam em seu nome”, explica o Observador.
Estes esquemas parecem estar ligados à governação de Sócrates. O inquérito terá apurado que o ex-PM teria uma fortuna de cerca de 20 milhões de euros numa conta na Suíça em nome de uma offshore da qual Carlos Santos Silva será o beneficiário. “Parte deste dinheiro terá regressado a Portugal ao abrigo do Regime Extraordinário de Regularização Tributária em vigor em 2009, que permitia regularizar a situação fiscal de capitais ocultados fora de Portugal”.
“O RERT aprovado por Sócrates primeiro-ministro, terá sido aproveitado por Sócrates contribuinte”, acrescenta o jornal.