Daesh, ou o autoproclamado Estado Islâmico, tem crianças-soldado nas suas fileiras que usa para atentados suicidas. Mas, não é apenas o Daesh a usar crianças, segundo a ONU em 56 dos 57 conflitos registados a nível mundial há crianças a combater.
Ao volante de camiões armadilhados, com um cinto de bombas ou de arma em punho na frente de combate. Assim morrem as “crianças-soldado” que lutam em nome do autoproclamado Estado Islâmico (Daesh), enviadas para os campos de batalha a um ritmo sem precedentes, de acordo com uma investigação do Centro de Combate ao Terrorismo americano, onde os números ditam uma realidade difícil de confrontar.
Segundo o estudo, foram 89 as crianças entre os oito e os 18 anos que morreram nas fileiras do Daesh durante este ano, um número que quase duplicou em relação ao que era previsto. Os resultados, apresentados com base na análise de propaganda jiadista, revelam também que houve três vezes mais crianças envolvidas em operações da organização terrorista que durante o ano de 2014. E estes são apenas os números que é possível conhecer.
As “crias do califado”, como o autoproclamado Estado Islâmico lhes chama, provêm na sua maioria da Síria mas acabam por morrer mais em solo iraquiano: 60% dos jovens terá entre 12 a 16 anos, enquanto apenas 6% estão entre os oito e os 12 anos.
O Centro de Combate ao Terrorismo americano refere ainda que o autoproclamado Estado Islâmico não trata os menores de forma diferente que qualquer outro soldado. O uso de crianças começa a ser cada vez mais normal nos planos terroristas da organização, algo que já não é apenas usado para chocar o mundo ocidental em vídeos de execuções.
Estima-se que 39% das crianças que faleceram em nome do Daesh conduziam um veículo armadilhado, enquanto 33% foram mortas como peões no campo de batalha. Os números são ainda mais aterradores quando se descobre que 18% dos rapazes não tinham quaisquer planos de sobreviver, sendo parte de inghimasis, ataques onde os jiadistas mergulham para lá das linhas do inimigo com a intenção de causar o maior número de baixas até serem eles próprios mortos.
As “crianças-soldado” são uma das estratégias dos jiadistas a curto e a longo prazo. Os iminentes confrontos entre estas crianças e as tropas que procuram acabar com o Daesh também não serão fáceis, bem como a reabilitação destes jovens no caso de um eventual fim dos conflitos. A esperança dos líderes do autoproclamado Estado Islâmico é que, mesmo se a organização for derrotada, a “missão” continue através de uma nova geração de jiadistas, onde milhares de crianças já são doutrinadas com os seus ensinamentos.
Extremamente vulneráveis
No Dia Internacional contra o Uso de Crianças-soldado, assinalado em 12 de Fevereiro desde 2002, a representante especial do secretário-geral da ONU para o tema, Leila Zerrougui, destacou que os jovens permanecem extremamente vulneráveis a abusos e ao recrutamento por parte de grupos armados.
Segundo o mais recente levantamento feito pelo secretário-geral da Organização, Ban Ki-moon, 56 das actuais 57 entidades em guerra têm utilizado crianças nos seus exércitos.
“Eu convido todos a começarem a pensar sobre as crianças-soldado como meninos e meninas que nós, colectivamente, falhamos em proteger”, afirmou Zerrougui. Mais de 20 países enfrentam conflitos no mundo. Em 2014, foram identificadas oito nações onde as crianças são recrutadas pelas forças de segurança: Afeganistão, Chade, Mianmar, Somália, Sudão do Sul, Sudão e Iêmen.
Nos locais dos confrontos, jovens são mandados para a linha de frente das batalhas ou assumem outras funções arriscadas, como espiões, carregadores de material bélico ou informantes, entre outros. Zerrougui ressaltou que, ao longo do trabalho com as forças armadas, crianças são expostas a altos níveis de violência. Quando capturadas ou presas por alegações de envolvimento com esses grupos, frequentemente não são tratadas como vítimas e têm a protecção, garantida por normas internacionais, negada.
Em 2014, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) lançou a campanha “Crianças, Não Soldados”, com o objectivo de mobilizar os países onde jovens ainda integram o contingente das forças armadas. O Chade implementou todas as medidas recomendadas pela iniciativa e foi retirado da lista da ONU. O trabalho com os sete países restantes continua a ser desenvolvido, segundo Zerrougui.
Em países como Iraque e Síria, crianças permanecem vulneráveis ao recrutamento por conta da proliferação de entidades armadas e avanços do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIL). No Sudão do Sul, os conflitos internos ainda afectam jovens e, no Iêmen, a participação e o uso de crianças pelas partes em conflito tornaram-se amplamente disseminados desde a escalada das tensões, em Março de 2015.
No último dia 15, Leila Zerrougui apresentou um relatório sobre o tema ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, cuja sede é em Genebra.
Conflitos cada vez mais complexos e amplos, destacou, tiveram um peso enorme sobre as crianças em grande parte do Médio Oriente, partes da África e da Ásia em 2015. As têm enfrentando prolongadas e reincidentes guerras que não mostram sinais de diminuir, destacou a representante da ONU.
“As crianças foram desproporcionalmente afectadas, deslocadas e, muitas vezes, os alvos directos de actos de violência com a intenção de causar o máximo de baixas civis e aterrorizar comunidades inteiras”, descreveu o relatório, que abrange o período de Dezembro de 2014 a Dezembro de 2015.
No documento, a representante da ONU expressou profunda preocupação com o número crescente de ataques a escolas, bem como o uso militar das escolas, em países afectados pela guerra. Mais uma vez, em 2015, o conflito interrompeu a educação de milhões de crianças, criando um desafio directo à realização do Objectivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que procura garantir educação de qualidade para todas as crianças.
Zerrougui pediu um financiamento adicional para a educação em situações de emergência e lembrou a todas as partes em conflito sobre a responsabilidade de garantir o acesso seguro à escola.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 743 de 24 de Fevereiro de 2016.