O mundo em 2017. Balanço positivo impossível

PorExpresso das Ilhas,31 dez 2017 6:44

Terrorismo, chamas, cheias, secas e fomes marcam um ano em que a ameaça de uma guerra nuclear se torna cada vez mais perto de converter-se em realidade.

Num ano em que se registou a morte de 65 jornalistas no mundo, a profissão vive novos desafios com a disseminação das fake-news e conceitos como pós-verdade a acossar a liberdade de informação e de expressão dos jornalistas. Ainda assim, graças ao trabalho dos profissionais da comunicação social, de um lado do mundo leu-se, viu-se e ouviu-se sobre o que se passava do outro lado onde demasiadas vezes os acontecimentos eram violentos, revoltantes ou simplesmente tristes.

A guerra fria que pode escaldar o mundo em 2018

No xadrez da geopolítica mundial o ano de 2017 conheceu mexidas de todos os tipos e que deixam adivinhar um futuro onde as tensões actuais tendem a descambar em (mais) conflitos.

Com a chegada de Donald Trump à Casa Branca os Estados Unidos da América parecem nunca ter estado mais divididos. Apostado em “Make América great again” Trump insiste numa série de medidas impopulares como o “travel ban” (que impede a entrada no país de pessoas originárias de uma série de países identificados como potenciais ameaças), a construção de um muro na fronteira com o México, a anulação do plano médico ObamaCare e a mais recente declaração de Jerusalém como capital de Israel. Entretanto, o presidente norte-americano manteve durante algum tempo discursos contraditórios em relação à Rússia, China e até mesmo à Coreia do Norte.

Só com o aumentar da frequência e gravidade das provocações de Pyongyang é que a resposta de Trump viria clara, mas ainda verbal: qualquer tentativa de ataque por parte de Kim Jong-un aos EUA será respondida com “fogo e fúria”.

A Coreia do Norte, que entrou este ano para o clube restrito de países com mísseis capazes de atingir outros continentes, e com capacidade nuclear, disparou só este ano 23 mísseis. No início de Dezembro, um responsável não identificado do Ministério dos Negócios Estrangeiros norte-coreano fez declarações a garantir que o seu país considera agora que uma guerra (na península coreana – que partilha com a Coreia do Sul - ou com os Estados Unidos) “é inevitável”.

Entretanto, a China, que assiste discreta ao aumento da tensão, vê 2017 chegar ao fim com a previsão de um crescimento económico em 6.8%, superando assim as expectativas do governo e registando uma aceleração que não se assistia desde há sete anos.

São óptimas notícias para Xi Jinping que em Outubro deste ano viu o congresso do Partido Comunista Chinês aumentar os seus poderes e regalias de forma nunca antes vista, naquilo que os analistas referem como nova era política chinesa. Xi Jinping é visto por muitos como tendo atingido um estatuto similar a um imperador.

África, continuou a ser em 2017 um dos principais destinos do investimento estrangeiro Chinês. Em Angola, um dos principais parceiros económicos dos últimos anos no continente, realizaram-se finalmente eleições presidenciais. O MPLA manteve-se no poder mas João Lourenço, o novo presidente, prometeu e parece estar empenhado em profundas mudanças. Para já, em três meses exonerou dezenas de administradores de empresas e instituições estatais e também militares. Entre os afastados, os filhos de José Eduardo dos Santos, inclusive Isabel dos Santos que liderava a poderosa Sonangol.

E antes que o ano terminasse, outro presidente africano com quase quatro décadas no poder viria a afastar-se. No Zimbabué, o nonagenário Robert Mugabe foi forçado a ceder lugar através de uma espécie de golpe relâmpago na sequência do qual o seu antigo vice-presidente Emmerson Mnangagwa viria a ser nomeado presidente até á realização de eleições.

Sem novas eleições ficou a Guiné-Bissau que passou o ano num impasse político e com fortes convulsões sociais traduzidas em greves e manifestações violentas. O acordo de Conacri continuou no papel e em Novembro o presidente José Mário Vaz veio apelar à implementação de um acordo anterior, o acordo de Bissau. A CEDEAO e a União Africana continuam a ameaçar com sanções, a CPLP…

Destaque ainda para a nova liderança do ANC. O histórico partido de Nelson Mandela despediu-se em Dezembro de Jacob Zuma e deu as boas vindas a Ciryl Ramaphosa.


A Europa e os nacionalismos

O Velho Continente teve um ano amargo. As vulnerabilidades, em vários campos, foram expostas. Nenhumas maiores do que a fragilidade perante os ataques terroristas mas, a esses vamos mais adiante.

Para já, a oficialização do Brexit, em Março. Depois dos britânicos terem votado favoravelmente no referendo em Junho do ano passado, em Março deste ano a saída do Reino Unidos da União Europeia tornou-se oficial e ainda faz tremer na base a União Europeia, acusada pelos súbditos da rainha Isabel II de ser uma entidade burocrata e controladora.

Contra o controlo do governo central de Espanha sob a Catalunha votaram milhões num referendo que levou em Outubro o parlamento daquela região autónoma a declarar unilateralmente a independência evocando motivos económicos, históricos e culturais. Simultaneamente, o senado espanhol aprovava uma nova lei que, imediatamente, suspendeu a já existente autonomia catalã, dissolvendo o seu parlamento. As eleições regionais do passado dia 21 de Dezembro – onde os partidos pró-independência da Catalunha saíram com maioria absoluta – vieram mostrar que “esta história não acaba aqui”.

Da Espanha para a França, voltando atrás alguns meses. Em Maio, meio mundo respirou de alívio quando o centro-liberal Emmanuel Macron venceu nas urnas a candidata da extrema-direita Marine Le Pen. Uma vitória expressiva que alguns analistas viram como uma reacção contra a polémica eleição do conservador Trump nos EUA. As boas graças com que Macron foi acolhido durariam pouco, pelo menos aqui pelas bandas de África: em declarações durante a Cimeira do G20 o jovem presidente gaulês referiu que África tinha problemas “civilizatórios”. E acrescentou ainda que parte do desafio que o continente enfrenta são os países em que as mulheres “ainda têm sete a oito”. Para 2018, Macron já anunciou políticas rígidas de imigração com medidas de restrição à entrada de refugiados e expulsão de imigrantes clandestinos.

Em Setembro seria a Alemanha a ir a votos. Angela Merkel conseguiu reeleger-se para chanceler pela quarta vez (depois de 12 anos no poder), numa vitória entendida como escolha da estabilidade, porém com o amargo de boca de ver chegar ao parlamento alemão um partido de extrema-direita. Em Novembro era notícia a vida difícil que a líder alemã estava a ter para formar o governo de coligação a que se viu obrigada. As negociações com os partidos que Merkel chamou para formar governo falharam e a mesma pode ver-se perante a necessidade de novas eleições o que abre hipótese de um “score” ainda maior da extrema-direita.

O terror reinventa-se

Os ataques terroristas continuam a ser uma realidade no mundo e em 2017 fizeram novamente vítimas em paragens tão distintas quanto Québec (Canadá – onde em finais de Janeiro uma mesquita foi o alvo) e São Petersburgo (Rússia – que em Abril registou a morte de 14 pessoas). Contudo em 2017, particularmente a Europa e os Estados Unidos, registaram ataques em moldes diferentes das grandes explosões com bombas que aconteceram em anos passados. Londres, Paris, Estocolmo, Barcelona, Nova Iorque contam-se entre as cidades onde se registaram ataques por atropelamento ou atingindo directamente cidadãos com recurso a armas, num calendário mortífero onde se assinalam quase todos os meses do ano.

Em Janeiro também o Mali tinha registado mais de 70 mortos num ataque com recurso a um caminhão carregado de explosivos. Em Fevereiro, um homem munido de um machete atacou um militar no Louvre, em Paris. No mês seguinte seria a vez de Londres. O primeiro dos três ataques registados este ano vitimou dezenas de pessoas na ponte de Westminster por atropelamento deliberado. Em Abril a Europa sangrou: 14 mortos no já referido ataque ao metro de São Petersburgo; em Estocolmo (Suécia) um homem atropela vários pedestres e mata quatro; mais um atropelamento, nos Campos Elísios (novamente a França) resulta na morte de um polícia; e também a Alemanha, onde o autocarro do clube de futebol Borússica Dortmund, que seguia para estádio para disputar a final da liga dos campeões foi atingido por engenhos explosivos resultando no ferimento de um jogador. Também foi em Abril, durante o Domingo de Ramos, o ataque a uma igreja no Egipto. Em Novembro aquele país do Norte de África registaria novo atentado desta vez com uma mesquita como alvo, deixando um balanço de 230 mortos e mais de 100 feridos.

África também penou muito este ano com ataques terroristas. Para além das vítimas em Mali e no Egipto, há a contabilizar mais de 300 mortos, 400 feridos e dezenas de desaparecidos em um ataque na Somália, em Outubro, e mais algumas dezenas numa explosão em uma mesquita na Nigéria no mês seguinte.

Entram também nesta estatística de horrores o ataque bombista à Manchester Arena, em Londres, que deixou 22 mortos; a cidade voltaria a chorar vítimas no mês seguinte, em Junho, quando ocorreu novo atropelamento acompanhado de esfaqueamento no Finsbury Park, um centro muçulmano. Em Agosto seria Espanha a pôr-se em alerta: em Barcelona, com recurso a atropelamento, um ataque fez 13 mortos e deixou mais de 100 feridos.

Nos Estados Unidos os ataques ocorreram no último trimestre: Nova Iorque e Las Vegas formam os palcos dos ataques. Na Big Apple, em Outubro, um homem atingiu mortalmente oito pessoas e deixou mais de uma dezena feridas. Em Las Vegas o cenário foi pior: um atirador fez 59 mortos e mais de 500 feridos num ataque a uma sala de espectáculos, em Novembro. No início deste mês falhou um atentado com recurso a explosão num terminal rodoviário em Manhattan.

O terror instala-se mas também perde terreno: o Estado Islâmico registou este ano pesadas derrotas e a perda de importantes territórios – nomeadamente os seus redutos mais importantes na Síria (Raqa) e Iraque (Mossul) –, com alguns a vaticinarem a ruína do movimento.

#MeToo, #ForaTemer, #BlackLivesMatter

As hashtags das redes sociais continuam a fazer soar alto as vozes em protesto e a clamar justiça pelo mundo. Este ano as novas lutas feministas (pela igualdade de géneros e não discriminação das mulheres) encontraram como nunca forte espaço de visibilidade nas redes sociais. Entre várias outras bandeiras, destacou-se a campanha #MeToo (Eu Também) de denúncia ao assédio sexual, que começou no parlamento europeu e viria a chegar a Hollywood, onde Harvey Weinstein, um dos mais poderosos produtores da indústria do cinema, seria acusado de assediar e abusar sexualmente de várias actrizes e de violar pelo menos uma.

Outra campanha poderosa a marcar 2017 (vinda já de 2016) é a #BlackLivesMatter (Vidas de Negros Importam, em tradução livre) que com a eleição de Trump e a ilibação de um polícia acusado de assassinar um jovem negro viria a revitalizar-se e a resultar em marcha de protesto.

Da América do Norte para o Sul, no Brasil o célebre #ForaTemer continuou em força à medida que as medidas impopulares do governo de Michael Temer se anunciavam. Reformas na legislação laboral, no ensino superior, a operação “carne fraca” e, a gota de água, o alegado envolvimento de Temer num escândalo de corrupção (uma gravação dá a entender que Temer concorda e ordena pagamento de dinheiro em troca do silêncio de uma testemunha) fizeram os brasileiros sair às ruas para pedir o impeachment de Temer mas também desta vez Temer resistiu e ficou.

Um ano de tragédias…

Dezenas de mortos em Portugal por causa dos incêndios levaram a uma crise política. A remodelação parcial do governo não foi suficiente para evitar uma moção de censura no parlamento. O governo de António Costa sobreviveu.

Também na Califórnia, nos EUA, o fogo fez vítimas. Não tantas quanto as cheias e os furacões. Do outro lado da fronteira, no México, foi um sismo a deixar centenas de mortos. Na Costa Rica e Venezuela foi a água a matar e a desalojar, através das cheias. As mudanças climáticas também tiveram efeito em África onde deslizamentos de terra mataram várias centenas.

Escravatura de migrantes africanos na Líbia, genocídio do povo Rohingya no Myenmar, 37 países ameaçados pela fome e seca, 258 milhões de migrantes no mundo (aumento de 50%) num ano em que mais de 3 mil morreram no mar mediterrâneo.

…com algumas boas notícias

Este ano a natureza foi dura mas, também presenteou o mundo com um eclipse solar (em Agosto) e uma super Lua (em Dezembro) que viralizaram nas redes sociais. A população de abelhas cresceu 27% (diminuição de número de abelhas é ameaça à produção agrícola). Ambientalistas acordaram plantar 76 mil árvores na Floresta Amazónia e a Nova Zelândia anunciou que vai plantar 100 mil árvores.

Austrália, Alemanha e Malta juntaram-se à lista dos países onde o casamento entre pessoas do mesmo sexo já é legal. A Dinamarca tornou-se um país sem dívidas externas pela primeira vez em 183 anos. O Zimbabué aprovou uma lei a proibir o espancamento de crianças, mesmo para fins “educativos”. A taxa de trabalho infantil desceu para metade desde o ano 2000. O Nobel da Paz foi atribuído a campanha pela abolição de armas nucleares.

Entre os avanços científicos encontra-se a criação de um utensílio que ajuda a fazer crescer a pele às vítimas de queimaduras, e a descoberta de tratamento para uma doença degenerativa nervosa (ALS). O HIV/Sida já não é a principal causa de morte em África.


Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 839 de 27 de Dezembro de 2017. 

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Autoria:Expresso das Ilhas,31 dez 2017 6:44

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  31 dez 2017 11:33

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