A proposta da criação de um Memorial às Vítimas da Escravidão foi feita pela Associação portuguesa de afrodescendentes Djass, em Novembro do ano passado, e o projecto foi um dos vencedores do Orçamento Participativo de Lisboa. O monumento deverá ser construído perto do Campo das Cebolas, junto ao Tejo, local onde os escravos que chegavam a Portugal eram vendidos.
Mas, passados oito meses, o monumento ainda não saiu do papel.
"Queremos que este monumento traga vida ao debate em torno do racismo hoje", diz à BBC Beatriz Gomes Dias, presidente da Djass.
"Portugal precisa reconhecer que a escravidão é algo que não foi esclarecido no passado. Há uma linha clara entre a escravidão, o trabalho forçado que continuou depois e o racismo que está passando agora pela sociedade."
Mas muitos portugueses não aceitam que haja um "problema de racismo" no país.
"Qualquer um que tenha algum conhecimento da Europa tem que concordar connosco: Portugal é provavelmente, se não certamente, o país menos racista da Europa", escreveu no ano passado o académico e fundador do Movimento Internacional Lusófono, Renato Epifânio, igualmente citado pela BBC.
Já o escritor e historiador João Pedro Marques considera que os descendentes de africanos têm o direito de recordar o sofrimento dos antepassados, mas sublinha que os activistas exageram o papel de Portugal no tráfico de escravos e distorcem a história colonial para fins políticos.
"Aqueles que estão a fazer uma campanha contra o racismo querem substituir uma visão tendenciosa dos eventos por uma ainda mais tendenciosa", disse.
Segundo a lei portuguesa, é ilegal recolher informações relacionadas a raça, o que torna difícil obter dados sobre a dimensão de negros e mestiços na sociedade portuguesa e qual é o seu lugar no estrato social do país.
Mas Cristina Roldão, socióloga da Universidade de Lisboa, diz que cidadãos portugueses negros não têm as mesmas oportunidades.
Segundo a pesquisa da académica, jovens negros com idades entre 18 e 25 anos têm metade da probabilidade de portugueses brancos de irem para a universidade. E a taxa de prisão em Portugal é 15 vezes maior para pessoas de origem africana.
O escritor João Pedro Marques admite que existem pessoas racistas em Portugal, mas insiste que o país não tem um problema com o racismo.
Segundo o historiador, enquanto figuras históricas de oposição à ditadura de Salazar são vistas como "heróis sem defeitos ou marcas", agora, a "extrema-esquerda politicamente correta levou-nos ao extremo oposto e os nossos ancestrais tornaram-se os piores do mundo".
O que começou por ser um projecto de um monumento, transformou-se num debate sobre muito mais que um memorial às vítimas da escravidão.
Para a activista Beatriz Gomes Dias, esta é a prova de que o monumento é necessário. “O projecto surgiu da necessidade de trazer para o espaço público alguns aspectos da nossa história colectiva que são poucos discutidos", disse. "Outros países como a Holanda, a França e os Estados Unidos têm memoriais para prestar homenagem às pessoas escravizadas e de alguma forma reconhecer o papel que esses países tiveram nesse comércio, como é caso de Portugal", explicou à RFI em Junho deste ano.