Com a proibição da candidatura do ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva, que teve o registo eleitoral negado no final de Agosto pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o antigo capitão do Exército reformado, 63 anos, conseguiu destacar-se e assumiu a liderança das intenções de voto, mas foi o esfaqueamento que sofreu, durante um ato de campanha em Minas Gerais, que lhe consolidou o protagonismo, quer no Brasil, quer internacionalmente.
Nas primeiras sondagens realizadas logo após o ataque, o candidato de extrema-direita atingiu 30% das intenções de voto, com um aumento de quatro pontos percentuais em relação ao resultado anterior.
Internado em estado grave e sujeito a duas cirurgias, Bolsonaro viu-se impedido de continuar a campanha eleitoral, tendo sido substituído no terreno pelos seus dois filhos, Eduardo Bolsonaro e Flávio Bolsonaro.
Na primeira volta, ficou a poucos milhares de votos de ganhar logo a Presidência e o seu partido, o Partido Social Liberal (PSL), tornou-se na segunda força política do Congresso dos Deputados.
E o efeito de contágio atingiu mesmo uma série de candidatos a governadores estaduais que declararam o seu apoio a Bolsonaro, conseguindo ganhar as respectivas eleições.
No entanto, Bolsonaro é também um dos Presidentes com maior taxa de rejeição da história da democracia brasileira, superior a 40 por cento, graças ao seu histórico de polémicas.
Chamado de “mito” e “herói” pelos seus apoiantes e de “perigo à democracia” por críticos e adversários, Jair Bolsonaro, de 62 anos, está na política brasileira há 28 anos e foi eleito deputado (membro da câmara baixa) sete vezes consecutivas, mas sem nunca ter ocupado um cargo importante no Parlamento.
Capitão do exército reformado e defensor da ditadura militar – regime que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985 -, Bolsonaro iniciou a carreira política como uma figura caricata de posições extremas e discursos agressivos em defesa da autoridade do Estado e dos valores da família cristã.
Ganhou notoriedade nos últimos anos e transformou-se num líder capaz de mobilizar milhares de eleitores desiludidos com a mais severa recessão económica da história do Brasil, que eclodiu entre os anos de 2015 e 2016, ao mesmo tempo em que as lideranças políticas tradicionais do país têm sido envolvidas em escândalos de corrupção.
Bolsonaro teve protagonismo nacional e internacional no momento da votação do ‘impeachment’ de Dilma Rousseff, quando dedicou ao torturador da ditadura Carlos Ustra o seu voto favorável ao afastamento da chefe de Estado.
Para Esther Solano, a cientista social e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a ascensão de Bolsonaro e do discurso da extrema-direita no Brasil é fruto da junção de elementos externos e internos.
“A ascensão do Bolsonaro não é só um fenómeno nacional. Estamos vendo o crescimento da extrema-direita no mundo todo, na Europa, nos Estados Unidos onde [a extrema direita] tem tido maior expressão”, afirmou.
Tal como Trump (EUA), Erdogan (Turquia) e Duterte (Filipinas), Jair Bolsonaro alimentou-se do discurso antipolítico para apresentar-se como um homem honesto, um candidato da ética, que é contra o sistema corrompido”, explicou.
Autora de uma pesquisa chamada “Crise da Democracia e extremismos de direita” da fundação alemã Friedrich-Ebert-Stiftung, Esther Solano acrescentou que além do sentimento de desilusão popular em relação à política, Bolsonaro tem a seu favor a capacidade de se comunicar de forma simples e directa, e de ser facilmente compreendido por diferentes camadas da população.
Wagner Romão, professor e membro do Observatório Eleitoral da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), considera que a vitória de Bolsonaro respondeu aos anseios de grupos conservadores, que possuem um sentimento geral contra a classe política e valores anti-progressistas.
“Há todo um campo de pessoas que se revolta contra as medidas liberais nos costumes como o avanço dos direitos sexuais, raciais e a defesa da cultura indígena que o Brasil experimentou nos últimos anos”, explicou.
“Estas pessoas, antes, apoiavam o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) – moderado -, mas acabaram deslocando-se para o campo da extrema-direita em torno da candidatura do Bolsonaro”, disse o professor da Unicamp.
“Desde 1989 sempre tivemos candidatos de extrema-direita nas eleições presidenciais do Brasil. No entanto, [no geral] os candidatos com força eleitoral não rompiam o pacto civilizatório e não eram abertamente contra os direitos humanos. O Bolsonaro extrapolou este patamar e [com ele] temos uma candidatura cheia de preconceitos e de ataques aos direitos fundamentais”, acrescentou.
Segundo os analistas, outro factor que explica o apoio a um candidato cujo discurso vai contra os preceitos da democracia é a alta aceitação de discursos autoritários entre a população brasileira.
Um estudo designado “Medo da Violência e Autoritarismo no Brasil”, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), publicado no ano passado, indicou que numa escala de 0 a 10 a sociedade brasileira atinge o índice de 8,1 na propensão a endossar posições autoritárias.
Na sua campanha presidencial, Bolsonaro defendeu sempre os valores tradicionais da família cristã, o porte de armas e ‘pregou’ que o combate à violência no Brasil, país que atingiu a marca de 63.800 homicídios em 2017, devia ser feito de forma violenta pelas autoridades das polícias.
Entre as suas propostas mais polémicas para a área de segurança pública está a implantação de uma figura jurídica no sistema legal, que impediria homicídios cometidos por polícias em serviço de serem julgados criminalmente.
Além disso, o mais recém-eleito chefe de Estado brasileiro também declarou que não irá aplicar recursos do Governo em instituições que actuam em defesa dos direitos humanos, afirmando ainda que pretende retirar o Brasil do Comité de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).
Já o seu vice-presidente, o General Hamilton Mourão, criou impacto ao manifestar publicamente a vontade de criar uma constituição de notáveis, que não passasse pelo congresso: “Uma Constituição não precisa ser feita por eleitos pelo povo”, afirmou.
Considerado uma pessoa polémica, que desperta paixões, ódios e controvérsia, o novo Presidente da República brasileiro já foi condenado por injúria e apologia ao crime de violação após ter afirmado publicamente que uma colega parlamentar não merecia ser violada porque era muito feia.
A ofensa foi proferida contra a deputada Maria do Rosário após uma sessão na câmara baixa do Parlamento brasileiro, em 2003, quando, após uma discussão, Bolsonaro declarou que a deputada não merecia ser violada: “porque ela é muito feia, não faz meu género, jamais a violaria. Eu não sou violador, mas, se fosse, não iria violar porque não merece”.
Bolsonaro também foi acusado pela Procuradoria-Geral do Brasil de praticar o crime de racismo, em 2016, quando comparou descendentes de negros africanos que fugiram antes da abolição da escravidão e vivem em comunidades rurais demarcadas no interior do Brasil com animais.
O vencedor das eleições presidenciais responde ainda a um processo por declarações homofóbicas, feitas num programa de televisão e é investigado por suposta apologia ao crime de tortura.
A última acusação baseia-se na homenagem que fez ao coronel Brilhante Ustra, um reconhecido torturador brasileiro, no momento em que votava a favor da destituição da ex-presidente Dilma Rousseff, que anos antes de entrar para a política foi presa e torturada durante a ditadura militar.
A imprensa internacional não poupou críticas a Jair Bolsonaro ao longo de toda a campanha presidencial, afirmando que ele seria “uma ameaça à democracia”, como foi o caso da revista The Economist que fez capa com Bolsonaro, acusando-o de ser “a última ameaça latino-americana”.
Um dos pontos mais marcantes da corrida às presidenciais deste ano foi a união de mulheres contra a candidatura do actual Presidente.
Criado no dia 30 de Agosto no Facebook, o grupo “Mulheres Unidas contra Bolsonaro”, chegou a atingir os três milhões de membros na rede social Facebook, segundo anunciou uma das líderes do movimento, citada pelo jornal brasileiro O Globo.
A grande adesão feminina acumulada num curto espaço de tempo foi o espelho da rejeição que Jair Bolsonaro enfrentou entre eleitoras – as mulheres representam 52% do eleitorado brasileiro.
No entanto, e apesar de todos os protestos e polémicas, Bolsonaro conseguiu chegar à liderança do país, fazendo-se acompanhar dos ideais da extrema-direita.