Os autores de um importante relatório sobre artefactos da era colonial, que recomendou um programa de restituição para transferir centenas de itens de instituições europeias para países africanos, criticaram o Museu Britânico por agir como “um avestruz com a cabeça na areia”.
Convidados pelo presidente francês Emmanuel Macron a escrever um relatório sobre o assunto, na sequência da declaração do mesmo em como a restituição de artefactos seria uma prioridade durante o seu mandato, o economista senegalês Felwine Sarr e o historiador de arte francês Bénédicte Savoy vieram recentemente a público apontar o silêncio do Museu Britânico, uma das instituições europeias possuidoras da maior colecção de itens retirados dos países que colonizou.
"Há uma expressão em francês, la politique de l'autruche, que significa que algo está na sua frente e você diz que não pode vê-lo, como um avestruz com a cabeça na areia", diz Felwine Sarr, citado pelo jornal The Guardian. "Eles terão que responder e não poderão mais se esconder sobre o problema".
O relatório de 252 páginas, publicado em Novembro de 2018, faz uma série de recomendações, entre as quais que a França deveria responder favoravelmente e conceder restituições a países africanos que solicitassem o retorno de objectos tomados durante a era colonial.
Desde a divulgação do relatório, países africanos, incluindo a Costa do Marfim, o Senegal e a República Democrática do Congo, fizeram pedidos formais para o retorno de artefactos, e países europeus, incluindo França e Alemanha, se comprometeram a devolver objectos. O Rijksmuseum, em Amsterdão, abriu negociações com o Sri Lanka e a Indonésia e descreveu a incapacidade dos Países Baixos de devolver os artefactos roubados como uma "vergonha".
Segundo o Guardian, Sarr e Savoy consideram o empréstimo de itens para museus africanos - proposto pelo British Museum e outras grandes instituições europeias – não resolve a questão já que é insuficiente.
"Não é suficiente porque num empréstimo o direito da propriedade pertence a você", disse Sarr. “Você empresta algo que você possui, é sua propriedade. Se você restituir, há uma transferência dos direitos de propriedade. ”
Um porta-voz do Museu Britânico deu resposta às declarações dos dois especialistas dizendo que está aberto a um "foco transparente quanto à proveniência dos objectos", acrescentando que o museu concordou com o apelo do relatório para o estabelecimento de "novas e mais justas relações entre Europa e África".
"Acreditamos que a força da colecção é a sua amplitude e profundidade, que permite a milhões de visitantes uma compreensão das culturas do mundo e como elas se interconectam - seja através do comércio, migração, conquista ou troca pacífica", disse ainda o porta-voz, sem mencionar uma possível restituição definitiva.
A nível das ex-colónias portuguesas em África, o assunto foi brevemente abordado após a divulgação do relatório e apenas Angola anunciou a abertura de um dossier com o fim de vir a solicitar a restituição de patrimónios culturais. De Cabo Verde o único pronunciamento sobre a matéria partiu do Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, que declarou então à imprensa portuguesa que o assunto não estava “sobre a mesa”.
O relatório, referido comummente como o relatório Macron, foi descrito como radical por alguns no mundo da arte após seu lançamento. Já os autores não vêem radicalismo no conteúdo do documento. “Não somos nós que somos radicais; são fatos históricos que são radicais ”, declarou Savoy ao Guardian.
“Houve um tabu em torno deste fato por muitos séculos na Europa, o fato de que muitos dos principais museus têm colecções baseadas na pilhagem. Sempre há rupturas quando você quebra um tabu ”.