"50 mil indígenas Guarani Kaiowá, em Mato Grosso do Sul, estão pedindo socorro", afirmou Leila Rocha numa entrevista telefónica à Lusa, em Lisboa, onde dará hoje uma conferência de imprensa para denunciar aquilo que considera ser um ataque contra os direitos dos índios.
Leila apontou a morte de três índios na região do Mato Grosso do Sul há cerca de um mês, sem que "ninguém tenha sido punido", para explicar que a luta do seu povo neste momento “é difícil”.
"Não faz nem trinta dias foram mortos três indígenas na região ao redor da cidade de Dourado, em Mato Grosso do Sul, na retomada", denunciou, explicando que o fazendeiro, que é o "mandante", "usa Polícia Federal, a Força Nacional e o DOF [da fiscalização de florestas]”.
“Ele manda e ali foi [vai] para matar indígena, não é para defender. E não é só polícia. O fazendeiro junta 40 ou 50 fazendeiros para invadir onde estão os indígenas", continuou.
"Ele manda o tractor passar veneno nas casas dos indígenas, para matar indígenas e não tem punição. Ninguém vai preso", acrescentou.
A representante do povo Guarani e Kaiowá, que na passada quinta-feira participou, também em Lisboa, num encontro sobre “Povos indígenas, etnogenocídio, política e relações internacionais”, que se realizou na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, deverá ir esta semana a Paris e depois a Roma, onde irá ter encontros no Vaticano, mantendo a esperança de ser recebida pelo Papa Francisco.
Leila Rocha diz que a violação dos direitos dos povos indígenas acontece porque o agronegócio tem muito poder e o actual Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro "não quer saber dos indígenas".
"O agronegócio e os ruralistas tomaram a nossa terra, onde vivíamos com a nossa família e agora a gente vive à beira da estrada, para a gente sobreviver", afirmou.
"Eu vivo lá na fronteira, sei o que o meu povo indígena Guarani Kaiowá está passando e está contra nós até o Supremo, lá mesmo em Brasília. Não sabemos mais a quem pedir socorro", lamentou.
Para Leila, se a terra dos indígenas do Mato Grosso do Sul, que foi demarcada no mandato da antiga Presidente brasileira Dilma Roussef, não for homologada, "vai haver derramamento de sangue indígena mais uma vez”.
A representante do povo Guarani e Kaiowá definiu o actua presidente do seu país como "uma pessoa que não tem a palavra", por isso afirmou: "nós indígenas estamos com medo dele".
"Não quero mais o meu povo morrendo pela bala, pelo veneno e pela caneta", concluiu.
Leila Rocha pertence à liderança Guarani Nhandeva da Terra Indígena Yvu Katu, em Japorã, Matrogrosso do Sul, Brasil. É membro do Conselho da Aty Guasu (Grande Assembleia Kaiowá e Guarani) e da Kuñague Aty Guasu (Grande Assembleia das Mulheres Kaiowá e Guarani).
Esteve à frente de um dos processos de auto demarcação de terras Kaiowá e Guarani no Mato Grosso do Sul e tem representado as lutas por direitos do seu povo em instâncias internacionais, tendo participado em actividades junto da Comissão Interamericana de Direitos Humanos – CIDH e do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
A visita de Leila Rocha à Europa ocorre no contexto do relato da ONU sobre direitos indígenas, em Genebra, e foi feita a convite da Rede Europeia de Apoio aos Guarani e Kaiowa.
O Presidente do Brasil defendeu esta semana, na Assembleia-Geral das Nações Unidas, que "o Brasil não vai aumentar para 20% a sua área já demarcada como terra indígena, como alguns chefes de Estados gostariam que acontecesse".
Considerando que "a visão de um líder indígena não representa a de todos os índios brasileiros", Jair Bolsonaro afirmou que "muitas vezes alguns desses líderes, como o cacique Raoni, são usados como peça de manobra por governos estrangeiros na sua guerra informativa, para avançar os seus interesses na Amazónia”.