Índia proíbe exportação de trigo. FAO teme novo aumento de preços e escassez de alimento

PorExpresso das Ilhas,22 mai 2022 8:09

Ao mesmo tempo que o director-geral da Agência das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) pedia aos países para renunciarem a “impor restrições às exportações que possam agravar o aumento dos preços dos alimentos”, a Índia, o segundo maior produtor mundial de trigo, proibiu todas as exportações, com efeito imediato, depois de uma onda de calor ter afectado as colheitas.

Um aviso no diário do governo, do ministério de comércio exterior, sublinha que o aumento nos preços globais do trigo ameaça a segurança alimentar da Índia e de países vizinhos vulneráveis. Daí que um dos principais objectivos da proibição das exportações é controlar o aumento dos preços domésticos, que subiram mais de 40% desde o início do ano.

A decisão mereceu a condenação imediata dos ministros da Agricultura do G7 e é uma péssima notícia para os países mais pobres e dependentes de cereais importados. A guerra interrompeu a produção de trigo na Ucrânia e na Rússia. A expectativa de uma quebra de produção na China soma dúvidas à incerteza que já existe. E a Índia, o segundo maior produtor de trigo, a seguir à Rússia, era encarada, até esta sexta-feira, como um dos que poderiam ajudar a compensar a escassez da oferta global.

Inclusive, no mês passado, como recordou este sábado o New York Times, o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, garantiu a Joe Biden que estava pronto para abastecer o mundo com as suas reservas.

Pode parecer que o chefe de governo mudou de ideias, mas a Índia sofreu o mês de Março mais quente já registado e tem enfrentado uma onda de calor nas últimas semanas, com temperaturas acima de 45 graus Celsius.

A canícula atingiu duramente os agricultores e, este mês, o governo disse que a produção de trigo deve cair pelo menos 5% este ano, a primeira queda em seis anos.

Além dos problemas com as colheitas, as vastas reservas de trigo da Índia – um amortecedor contra a fome – foram afectadas pela distribuição de grãos gratuitos, durante a pandemia, para cerca de 800 milhões de pessoas.

Para equilibrar oferta e procura, o governo precisa de cerca de 25 milhões de toneladas de trigo por ano para um extenso programa de bem-estar alimentar que alimenta mais de 80 milhões de pessoas.

Embora seja o segundo maior produtor mundial de trigo, a Índia consome a maior parte do que produz. O país não é um dos maiores exportadores de trigo do mundo, mas a proibição pode levar os preços globais a novos picos, atingindo particularmente os consumidores pobres na Ásia e em África.

G7 critica decisão

Os ministros da Agricultura dos países industrializados do G7 condenaram imediatamente a decisão da Índia. “Se todos começarem a impor restrições às exportações ou a fechar mercados, isso piorará a crise», disse o ministro da Agricultura alemão, Cem Ozdemir, numa entrevista coletiva em Stuttgart. “Pedimos à Índia que assuma sua responsabilidade como membro do G20”, referiu ainda Ozdemir, citado pela Reuters.

Para os negociantes indianos, “a proibição é chocante”, como disse à Al Jazeera um comerciante de Mumbai com uma empresa de comércio global. Já os especialistas dizem que a crise do trigo na Índia em 2005 serve como um alerta. Na altura, as grandes exportações da Índia esgotaram as reservas, forçando-a a importar trigo nos anos seguintes.

“A Índia não deve cometer o mesmo erro”, disse ao Washington Post Devinder Sharma, perito em política agrícola. No próximo ano, se houver necessidade, “As reservas podem não estar disponíveis e os preços serão inacessíveis”.

Os preços globais do trigo dispararam depois da invasão da Ucrânia, que representava 12% das exportações globais. O aumento nos preços, agravado pela carência de fertilizantes e por colheitas fracas, alimentou a inflação global e aumentou os receios de fome e agitação social nos países mais pobres.

Um mercado sob tensão

A decisão da Índia acontece numa altura em que os mercados agrícolas mundiais estão sob forte stress devido à guerra no leste europeu.

A Ucrânia, um celeiro tradicional do mundo, viu os embarques interrompidos. Antes da invasão, a Ucrânia exportava 4,5 milhões de toneladas de produtos agrícolas por mês através dos seus portos – 12% do trigo do planeta, 15% do milho e metade do óleo de girassol.

Mas com os portos de Odesa, Chornomorsk e outros isolados do mundo por navios de guerra russos, os produtos só podem viajar por rotas terrestres congestionadas, muito menos eficientes. Cerca de 20 milhões de toneladas de trigo estão actualmente em silos ucranianos.

Segundo a FAO, Egipto, Eritreia, Etiópia, Somália, Madagáscar, Tanzânia, Congo são apenas alguns dos que dependem fortemente dos cereais que importam. Identificar novos fornecedores para estes países, admite, será um desafio.

As mais recentes estimativas apontam para que ainda este ano 323 milhões de pessoas em países de baixo rendimento possam estar numa situação de insegurança alimentar. São mais 47 milhões de pessoas, em 81 países, em risco de fome do que a estimativa feita antes da guerra na Europa. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1068 de 18 de Maio de 2022.

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Autoria:Expresso das Ilhas,22 mai 2022 8:09

Editado porSheilla Ribeiro  em  22 mai 2022 13:56

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