Motim Wagner faz tremer presença russa no Médio Oriente, dizem analistas

PorExpresso das Ilhas, Lusa,28 jun 2023 13:27

Analistas ouvidos pela Lusa consideraram que a rebelião do grupo de mercenários Wagner pode ter efeitos a longo prazo na influência russa no Médio Oriente, prejudicando a imagem do poder de Moscovo.

"A Rússia conseguiu atingir muito no Médio Oriente devido a uma certa imagem de consistência, determinação e planeamento a longo prazo. No entanto essa imagem está agora tremida", disse à Lusa o investigador Ibrahim Al-Assil, do Instituto do Médio Oriente, um 'think-tank' baseado em Washington.

Desde que a Rússia se juntou às forças do Presidente Bashar Al-Assad na guerra civil na Síria em 2015, Putin fortaleceu relacionamentos de diferentes proximidades com todos os países da região e embora a rebelião Wagner não deva ter um efeito a curto prazo o enfraquecimento do Presidente Vladimir Putin e do seu governo pode ter um efeito dominó em todo o Médio Oriente, considerou.

Durante a guerra civil na Síria, cerca de 5.000 paramilitares Wagner foram cruciais a apoiar o regime do Presidente Bashar al-Assad contra as forças rebeldes, alegadamente em operações contraterroristas. Os mercenários russos foram também acusados de cometer várias atrocidades na Síria, incluindo violações e assassinatos extrajudiciais.

Apesar das grandes hostilidades terem agora cessado na Síria e o grupo Wagner já não ter tanta relevância militar, estrategicamente a presença de Moscovo continua a ser crucial, reforçou Yeghia Tashjian, analista sénior no Instituto Issam Fares para Políticas Públicas e Assuntos Internacionais da Universidade Americana de Beirute, no Líbano.

"O Presidente Assad está ciente de que se a influência da Rússia ou do grupo Wagner na Síria diminuir, automaticamente a influência do Irão aumenta. Assad está a tentar equilibrar os dois lados", disse Tashjian.

Para a Rússia, a importância da Síria não se estende apenas até às suas fronteiras. O analista referiu que a Síria tem sido um "laboratório" da Rússia no Médio Oriente, "onde muitas experiências políticas, diplomáticas, militares e económicas são feitas".

Exemplo disso são as relações com o Irão, que vê na Rússia o seu maior aliado não só no Médio Oriente, mas no mundo.

Os dois países têm aumentado significativamente as suas áreas de cooperação nos últimos anos, ao criar alternativas económicas face às sanções norte-americanas de que ambos são alvo, mas também na questão de armamento, com Teerão a fornecer drones para combate na guerra da Ucrânia.

Sem a presença de Putin, ou sob uma Rússia enfraquecida, o Irão ficaria vulnerável em várias frentes, perdendo voz nas conversações que envolvem os países do Golfo, mas, especialmente, nas negociações com os Estados Unidos sobre o acordo nuclear.

"Um colapso da ordem de Putin em Moscovo pode levar o Irão a intensificar as suas estratégicas defensivas agressivas - o programa nuclear, desenvolvimento de mísseis, milícias de proxy no mundo Árabe", disse o director do Instituto do Médio Oriente, Paul Salem, .

Após a rebelião Wagner, o Presidente iraniano, Ebrahim Raisi exprimiu o "apoio total" do seu país à soberania da Rússia durante uma conversa telefónica com Putin. Erdogan, da Turquia, e a família real do Catar fizeram o mesmo.

No Golfo, os Emirados Árabes Unidos representam um importante parceiro económico para a Rússia. O comércio entre Moscovo e Abu Dhabi atingiu quase dez mil milhões de euros o ano passado e continua a crescer.

Durante o Fórum Económico Internacional em São Petersburgo em meados de Junho, Putin reuniu com o Presidente dos Emirados, o Xeque Mohammed bin Zayed al Nahyan. Yeghia Tashjian, que esteve presente no fórum, disse à LUSA que a vontade dos oficiais Russos em aumentar as áreas de cooperação entre os dois países "fez-sentir".

No entanto os líderes do Emirados Árabes Unidos demoraram mais tempo a pronunciar-se sobre os eventos recentes na Rússia. Após telefonemas com Putin, o Kremlin disse que os EAU anunciaram o seu "apoio total" à Rússia. No entanto, o comunicado daquela liderança árabe após a conversa telefónica não referiu essas palavras.

"Eu acho que os Emirados Árabes Unidos foram mais hesitantes porque queriam perceber melhor o que estava acontecer por causa das suas próprias relações com o grupo Wagner", disse Al-Assil referindo-se à guerra civil no Iémen onde os mercenários também estão presentes.

O analista diz que será crucial para Putin apresentar uma alternativa para os governos que ainda têm contratos com os mercenários russos.

"Putin vai oferecer algo diferente? Vai fazer um acordo diferente com estes soldados? Vai mudar o chapéu sobre o qual eles operam, mas manter o seu relacionamento com estes países? Isso vai determinar o futuro do grupo Wagner nestes países", Al-Assil disse à LUSA.

Um desses países é a Líbia, onde o grupo de paramilitares russos tem apoiado o Exército Nacional Líbio liderado pelo marechal Khalifa Haftar e com base em Benghazi contra as forças do governo de Tripoli apoiado pelas Nações Unidas.

Com acesso a um estimado potencial de 48 mil milhões de barris de petróleo e outros tantos metros cúbicos de gás natural, Putin controla, através das forças Wagner, um gigante petrolífero às portas da Europa, e que alimenta 40% do mercado energético de África.

"A postura entrincheirada do grupo Wagner na Líbia é consistente com o objectivo maior da Rússia: pressionar membros europeus da NATO para obter diferentes resultados políticos ao controlar fontes de energias próximas e semear instabilidade nas suas fronteiras", escreve Robert Uniacke, um analista dedicado à Líbia do grupo Navanti, uma empresa de análise de dados.

Os Estados Unidos têm tentado expulsar os mercenários Wagner da região, particularmente da Líbia, onde Washington e a União Europeia pretendem investir na indústria petrolífera.

O enfraquecimento do grupo Wagner representa "boas notícias" para Washington, fortalecendo o seu argumento de que "governos não devem depender de mercenários, mas não é claro quem poderá preencher o vazio", disse Al-Assali.

"A questão não é se a relação com [os países do Médio Oriente] vai ser enfraquecida, mas sim se vão continuar a olhar para a Rússia da mesma maneira que olhavam antes da rebelião do grupo Wagner. A segurança e credibilidade de Putin está em jogo", disse Al-Assali.

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Autoria:Expresso das Ilhas, Lusa,28 jun 2023 13:27

Editado porAndre Amaral  em  29 jun 2023 7:32

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