A nova lei, aprovada em 11 abril pelo parlamento, com 283 votos favoráveis e 49 contra, depois de cerca de quatro mil correções ao texto, e promulgada logo de seguida pelo Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, alarga a elegibilidade para o serviço nas Forças Armadas e impõe restrições aos homens em idade militar no exterior do país.
No entanto, de fora ficou o propósito inicial de desmobilizar os militares há mais de três anos ao serviço, incluindo aqueles que se encontram exaustos na frente de combate desde o início da invasão russa, em 24 de fevereiro de 2022.
Eis os pontos essenciais da nova lei:
Registo militar e idade de recrutamento
É reduzida a idade mínima de recrutamento dos 27 para os 25 anos, o que significa que os homens a partir desta faixa etária são elegíveis para combater.
Em contrapartida, o Estado compromete-se a dar formação elementar aos novos recrutas antes de os enviar para a frente de combate, estando previstos benefícios para aquisições de bens como uma casa ou um automóvel.
Alguns analistas temem que esta descida etária possa afetar a disponibilidade de população em idade ativa para alimentar uma economia devastada pela guerra, razão que explica que a idade mínima não seja de 18 anos, como sucede em muitos países.
Ao mesmo tempo, a lei obriga os homens ucranianos entre os 18 e os 60 anos de idade a atualizarem os seus dados e manterem na sua posse os documentos em todas as circunstâncias, até porque a polícia pode pedi-los na rua. O objetivo é facilitar a identificação de toda a população apta para o serviço militar, quando muitos cidadãos evitavam interações com as autoridades para escapar ao recrutamento.
Noutra inovação, as pessoas que possuam mais de um veículo automóvel podem ter de ceder um deles para o serviço das Forças Armadas.
As mulheres continuam de fora das regras de recrutamento obrigatório, mas aquelas que possuam formação médica ou farmacêutica têm de se registar, embora só possam ser mobilizadas com o seu consentimento.
A nova lei permite recrutar cidadãos condenados por delitos menores, mas só se podem candidatar os reclusos que já tenham cumprido três anos de prisão ou pessoas com pena suspensa, ficando de fora crimes graves como homicídio, violação e casos envolvendo a segurança nacional ou corrupção.
A lei marcial em vigor desde o início da invasão continua a proibir a saída sem autorização do país dos homens em idade militar, o que não impediu muitos de o fazer ilegalmente, além de terem sido descobertos graves casos de subornos no Ministério da Defesa para obtenção de dispensa do serviço militar.
Exceções
À cabeça, surgem as condições de saúde que já estavam previstas. No entanto, é eliminado o estatuto de condicionamento físico limitado, o que significa que só haverá duas opções possíveis: apto e inapto. Com a entrada em vigor da lei, todos os cidadãos que tenham sido anteriormente declarados parcialmente aptos para o serviço pela comissão médica militar serão obrigados a submeter-se a um segundo exame.
Entre várias razões atendíveis para dispensa do serviço militar estão estudantes e pais de famílias com mais de três filhos menores, mas também aqueles que tenham na sua dependência um progenitor incapacitado, além de familiares próximos que tenham morrido ou desaparecido durante a invasão russa ou na "Revolução da Dignidade" em 2014.
Punições
Quem desrespeitar as regras da mobilização fica sujeito a multas em vários graus, bem como impedido de conduzir veículos no país. Nas primeiras versões do documento, estava previsto o congelamento de bens ou até o acesso a contas bancárias. No entanto, estas medidas caíram no seguimento de protestos junto do parlamento e em várias regiões da Ucrânia e de acusações de inconstitucionalidade das punições.
Recrutamento no estrangeiro
Os homens que residam no estrangeiro também são obrigados a atualizar os seus dados, sob pena de os serviços consulares não renovarem os passaportes.
Segundo um esclarecimento à Lusa da Embaixada da Ucrânia em Portugal, para implementar as disposições da nova lei, foram necessárias alterações técnicas nos algoritmos dos sistemas de informação e comunicação do Ministério dos Negócios Estrangeiros, o que levou a uma suspensão temporária, desde 23 de abril, dos pedidos dos homens elegíveis nos serviços consulares, com exceção da emissão de bilhete de identidade para regressar ao país.
Neste momento, o Ministério dos Negócios Estrangeiros está a trabalhar com as agências governamentais para criar um mecanismo de atualização e verificação de dados sobre o recrutamento obrigatório.
A atual suspensão temporária não se aplica a casos de emergência nem àqueles que dizem respeito aos requerimentos dos filhos dos ucranianos abrangidos pela nova lei.
De acordo com dados das Nações Unidas, há mais de 6,4 milhões de refugiados ucranianos, dos quais 5,9 milhões na Europa, sendo a grande maioria mulheres e crianças.
Em Portugal, os ucranianos são uma das maiores comunidades estrangeiras, com cerca de 60 mil imigrantes registados, que foi reforçada desde a invasão russa, tendo sido emitidos 59.532 títulos de Proteção Temporária a refugiados, de acordo com dados da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), dos quais 1.566 já solicitaram cancelamento do respetivo título.
A Embaixada não esclareceu quantas destas pessoas estão abrangidas pela nova lei de mobilização.
Desmobilização
É o aspeto mais controverso da legislação, ao não contemplar um limite de tempo para a retirada do serviço militar. As primeiras versões do documento previam um prazo de 36 meses, mas, no final, os combatentes que estão na linha da frente desde o começo da invasão em grande escala continuam a desconhecer quando poderão deixar as Forças Armadas.
Foram registados protestos em várias regiões do país, sobretudo de mulheres de militares que se encontram na linha da frente e divulgados vários testemunhos de soldados a dar conta do seu cansaço e sensação de injustiça.
Uma legislação separada sobre este assunto deverá ser apresentada nos próximos meses.
As necessidades da Ucrânia
A nova lei poderá somar cerca de 50 mil soldados, segundo estimativas de analistas, o que seria um décimo de um número avançado antes da sua aprovação pelo anterior comandante das Forças Armadas ucranianas, Valery Zaluzhny, substituído em fevereiro passado, e que reclamava meio milhão de militares adicionais.
Mais tarde, o Presidente ucraniano afirmou que uma auditoria solicitada pelo novo comandante das Forças Armadas, Oleksandr Syrskyi, determinou que aquele número estava errado, em parte porque as tropas existentes poderiam ser enviadas da retaguarda para a frente de combate.
As estatísticas do Ministério da Defesa ucraniano indicam que as Forças Amadas do país tinham cerca de 800 mil militares em outubro, excluindo a Guarda Nacional ou outras unidades. No total, cerca de um milhão de ucranianos estavam de algum modo mobilizados, dos quais menos de um terço na linha da frente.
Por ocasião do segundo aniversário da invasão russa, Volodymyr Zelensky forneceu pela primeira vez um número concreto das mortes ucranianas, apontando 31 mil, bastante abaixo das cerca de 70 mil indicadas num relatório militar norte-americano divulgado no último verão pelo The New York Times, muito antes das grandes ofensivas no leste do país das forças russas, que terão sofrido o dobro das baixas desde fevereiro de 2022.
A nova legislação entra em vigor num período em que a Rússia tem a iniciativa da guerra, aproveitando a sua superioridade em homens e armamento até que o apoio militar e financeiro prometido pelos aliados de Kyiv, em particular a ajuda de mais de 57 mil milhões de euros aprovada no mês passado nos Estados Unidos, tenha impacto no terreno.