"Estamos numa situação que nunca aconteceu na Quinta República, isto é, um governo que não tem maioria, nem absoluta ou mesmo relativa (...) que está à mercê da União Nacional (RN, extrema-direita)", disse à Lusa Victor Pereira, investigador da Universidade Nova de Lisboa e doutorado em História Contemporânea pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris.
Para o politólogo, a forma como Michel Barnier tem reagido a críticas devido à proximidade com o RN do seu executivo - anunciado no dia 21 de Setembro, após 15 dias de negociações -"mostra bem a fragilidade e a vulnerabilidade" do mesmo, que "pode cair de um dia para o outro".
Marine Le Pen, líder do RN, deverá aceitar o governo de Barnier "nos próximo meses" para não ser acusada de "falta de sentido de Estado e de colocar em causa a estabilidade", porém deverá "fazer cair o governo" antes de 2027, segundo Victor Pereira.
Também Olivier Ihl, politólogo e professor na Sciences Po de Grenoble, acredita que o novo governo "durará alguns meses", porque os deputados não querem correr o risco de novas eleições.
Por isso, o governo "terá de trabalhar com um pente fino em qualquer texto que proponha aos deputados, e terá de ser particularmente cuidadoso com o RN", disse Olivier Ihl à rádio France Bleu.
De acordo com Victor Pereira, a escolha do Presidente francês, Emmanuel Macron, que se negou a escolher alguém da coligação de esquerda Nova Frente Popular (NFP) para primeiro-ministro, nomeando Michel Barnier em 05 de Setembro, deve-se ao facto do antigo comissário europeu ter aceite o cargo e ter "fama de ser bom negociador", tendo estado envolvido na saída da Grã-Bretanha da União Europeia.
Além disso, adianta o analista, Barnier é "candidato para uma outra coligação" entre os macronistas e os Republicanos, que apenas incluiu um ministro de esquerda, Didier Migaud, antigo socialista afastado da política activa, com a pasta da Justiça, pois nenhum deputado da NFP "ia aceitar entrar no governo".
"A grande maioria das pessoas são desconhecidas dos franceses, as únicas pessoas mais conhecidas, são Rachida Dati, ministra da Cultura desde 2024, e Bruno Retailleau, ministro do Interior", disse o politólogo, referindo que a escolha de ministros "mostra a ambiguidade do governo" e a "fidelidade diversa das personalidades".
Em relação a Bruno Retailleau, "muito conservador e à direita", cujo discurso é fortemente marcado contra a imigração e em "restabelecer a ordem", Victor Pereira afirmou que "há uma certa coerência" no que o actual ministro do Interior diz.
"Desde há vários anos, é um papel do ministro do Interior ter um discurso um bocadinho marcial sobre a ordem e também sobre a imigração e isso não é propriamente uma novidade", afirmou o politólogo, referindo que "o próprio Barnier, quando foi candidato nas primárias dos Republicanos em 2021, também tinha um discurso muito anti-imigração".
A escolha de deixar Sébastien Lecornu no cargo de ministro da Defesa deve-se também ao facto de "corresponder bem ao que o chefe de Estado espera na área da defesa", segundo o politólogo Christophe Boutin, que refere que "Lecornu é compatível com Macron".
Christophe Boutin, professor de direito na Universidade de Caen, disse à France Bleu que, devido à maioria "muito fraca", o novo governo terá "de defender texto a texto, com o risco sempre presente de uma moção de censura" da esquerda e da direita.
"Esta oposição está a pressionar o governo para que, na declaração de política geral que Michel Barnier fará no dia 01 de Outubro, tenha em conta certos eixos que ele privilegia de ambos os lados", afirmou.
Já Bruno Cautrès, investigador no Centro de Estudos da Vida Política Francesa e professor na Universidade Sciences Po, em Paris, disse à Radio France que é fundamental que Barnier assegure que "não voltará atrás em relação a algumas medidas", devido à escolha de ministros com posições mais conservadoras, como Bruno Retailleau.