"O Governo Milei chega à recta final desta corrida eleitoral desgastado pela situação económica doméstica da maioria da população. Independentemente do sector social, todos relatam grandes dificuldades económicas. Se a isso somarmos as cenas de corrupção que sempre afectam mais num contexto de crise, o panorama para o Governo complica-se", aponta à Lusa a analista política Shila Vilker, directora da consultora Trespuntozero, especializada em opinião pública.
A médica nutricionista Norma Lezama, de 64 anos, especialista em doenças pediátricas de alta complexidade, representa os profissionais e técnicos do hospital Garraham, referência na região.
"Desde que Milei assumiu (Dezembro de 2023), começou um processo de asfixia salarial que levou 300 profissionais a abandonarem os seus cargos no hospital. A falta de financiamento prejudica o atendimento hospitalar, pondo em risco a vida de muitos pacientes. O objectivo do plano económico de Milei é deixar de fora a saúde pública, a universidade pública, os reformados e os portadores de deficiência", descreveu Norma à Lusa, durante a marcha que, no sábado passado (18), percorreu sete quilómetros entre o Congresso e a residência presidencial.
O objectivo do protesto foi pressionar Milei a aplicar as leis que financiam hospitais pediátricos, universidades e o atendimento de deficientes, além de actualizar por inflação os salários de médicos, professores e prestadores de serviço aos portadores de deficiências.
Milei negou o financiamento dessas áreas básicas, levando o Parlamento a tomar a decisão através de leis. O Presidente vetou as leis, mas, com excepção dos reformados, o Parlamento derrubou os vetos. Mesmo assim, Milei não as aplica.
A perda salarial dos médicos, por exemplo, chega a 70%. Actualmente, cobram o equivalente a 700 euros, num país que passou a ter um dos mais elevados custos de vida do mundo.
"Teremos de pedir aos legisladores que avancem com um processo de destituição por falta de cumprimentos dos deveres de um funcionário público", adverte Norma.
Na mesma marcha, Carina Nieto, de 53 anos, mãe de Morina, uma criança autista com cancro pulmonar, protesta.
"Milei não é pai. Não sabe o tanto que sofremos. Não podemos esperar nada dele. É uma pessoa ruim, inconsciente do que faz. Não é humano. Este Governo veio para destruir os trabalhadores e a vida dos nossos filhos, futuro do país", desabafa.
Todas as quartas-feiras, os reformados marcham ao Parlamento para pressionar por um aumento nas pensões. Um deles é Miguel Rodríguez, de 81 anos, com uma pensão equivalente a 180 euros.
"Desde que Milei assumiu, passei a comer arroz e macarrão. Há dois dias que não como. Não posso comprar nem verdura nem fruta. Nem me lembro o que é carne. Vivo do que os vizinhos me dão. Trabalhei neste país a minha vida toda. Até mesmo o fornecimento de remédios gratuitos este Governo cortou. Milei tirou dos reformados, mas diminuiu impostos aos que mais ganham", critica Miguel à Lusa.
Jéssica Escobar, de 35 anos, está dos dois lados do balcão. É prestadora de serviços a deficientes e mãe de Ian Acuña, de nove anos, com autismo.
"Como mãe, sinto-me muito triste. Negam-nos tratamentos, transportes e acompanhantes. Negam boa qualidade de vida aos deficientes. Como acompanhante terapêutica, vivo numa miséria. É preciso de ter muito coração para continuar a trabalhar assim", relata à Lusa Jéssica, moradora de Temperley, na província de Buenos Aires, a 20 quilómetros da capital argentina.
"O que toda a vizinhança manifesta é que não tem dinheiro para chegar ao final do mês. Como alguém pode votar nos candidatos deste Governo insensível e desumano?", questiona Jéssica.
Segundo Milei, "se você teve um filho com deficiência, isso é problema da família; não do Estado".
A recessão económica provocada pelo ajuste fiscal combinada com denúncias de corrupção tem provocado uma forte erosão no capital político de Milei.
Como arma para combater a inflação (em torno de 30% ao ano), sua principal bandeira política, Milei manteve o valor do peso argentino artificialmente valorizado, fazendo a economia perder competitividade. Em média, 28 empresas fecham por dia (mais do que na pandemia), 236 mil empregos registados destruídos, 86% das pessoas dizem que o bolso não chega ao final do mês.
No começo do mês, José Luis Espert, deputado e principal candidato do partido do Presidente Javier Milei para as eleições legislativas, renunciou à candidatura após a confirmação de vínculos com um empresário acusado de tráfico de drogas nos Estados Unidos.
Na agência para os portadores de deficiência, foi descoberto um esquema de corrupção que encarecia em, pelo menos, 8% a compra de medicamentos. Desse desvio, 3% seriam para Karina Milei, secretária-geral da Presidência, braço-direito e irmã do presidente.
"Quando perguntamos às pessoas o que mais pesa na hora de definir o seu voto, 40% responderam a economia e a corrupção combinados, 30% responderam a economia e 24%, a corrupção. A conjunção de recessão económica e corrupção tem provocado uma erosão no capital político do Governo", conclui a analista Shila Vilker.
Foto: Depositphotos
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