Ar livre: Glocalidades

PorEurídice Monteiro,1 nov 2017 6:46

Os dados oficiais apontam que mais de dois mil e tal participantes de 85 nacionalidades estiveram no IV Fórum de Desenvolvimento Económico Local, que decorreu entre os dias 17-20 de Outubro, na cidade da Praia, primeira anfitriã africana deste evento de cariz internacional.

No seu discurso de abertura oficial do evento, o Presidente da República de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, foi incisivo ao manifestar preocupações quanto às políticas adotadas; falou da necessidade de se humanizar as políticas públicas e tornar os atores locais parceiros estratégicos enquanto sujeitos e beneficiários do desenvolvimento; reforçou ainda a ideia que, para evitar o agravamento das assimetrias regionais, «urge proceder a uma reforma do Estado que permita reduzir, de forma significativa, a excessiva concentração do poder e dos meios do Estado e possibilite às diferentes parcelas do país assumir as suas vocações específicas.»

É a necessária revisão do papel do Estado, no âmbito de uma redefinição da relação entre os Poderes Central e Local, pela via tanto da regionalização como do reforço da descentralização, que tem animado o atual debate político neste país arquipelágico e é vista como vitamina para fortalecer a democracia, alavancar o desenvolvimento económico e salvaguardar os interesses locais. Aliada a este debate encontra-se a questão que se prende com a conhecida excessiva partidarização da administração, da estrutura do poder do Estado e das oportunidades público-privadas de realização da felicidade nestes dez grãos de terra.

Desde a sessão inaugural, o Primeiro-Ministro Ulisses Correia e Silva foi evidenciando o seu interesse pela busca de «soluções de desenvolvimento para cada uma das ilhas» de modo a reduzir as assimetrias regionais. Com particular atenção em relação à situação arquipelágica do país que governa, foi pragmático ao apontar para a fraca solidariedade internacional na construção de «uma abordagem comum de respostas à categoria de pequenos estados insulares em desenvolvimento, [agora] graduados a países de rendimento médio, em termos de condições específicas de financiamento e de medição das suas vulnerabilidades estruturais.»

A Subsecretária-Geral e Alto Representante das Nações Unidas para os Países Menos Desenvolvidos, Países em Desenvolvimento sem Litoral e Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, Fekitamoeloa ‘Utoikamanu, foi também incisiva ao considerar que, perante a limitação de recursos para a resolução de problemas cada vez maiores, torna-se essencial a união de esforços na busca de soluções inovadoras e pensamento criativo quanto ao caminho a seguir, de modo a não deixar ninguém para trás, quer nas grandes cidades quer nas áreas rurais, na realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: 1) erradicação da pobreza; 2) fome zero e agricultura sustentável; 3) boa saúde e bem-estar; 4) educação de qualidade; 5) igualdade de género; 6) água potável e saneamento; 7) energia acessível e limpa; 8) trabalho decente e crescimento económico; 9) indústria, inovação e infraestrutura; 10) redução das desigualdades; 11) cidades e comunidades sustentáveis; 12) consumo e produção responsáveis; 13) ação contra a mudança global do clima; 14) vida na água; 15) vida terrestre; 16) paz, justiça e instituições eficazes; 17) parcerias e meios de implementação.

Curioso foi ver o expressivo número de Presidentes de Câmaras Municipais de Cabo Verde surpresos perante a audácia, eloquência e sagacidade dos seus pares de outras Áfricas, das Américas e das Europas. Sentiu-se a falta de um Onésimo Silveira, de uma Isaura Gomes ou de um Jorge Santos de outrora. Até Augusto Neves veio dar na Praia o ar da sua graça, mas quase ninguém deu por ele.

É de lamentar a aparição de um Presidente de Câmara cuja intervenção se limitou à leitura da declaração final do evento, mas, paciência… Titubeou bastante e exibiu o seu desconhecimento quanto ao significado da sigla ODS, justamente tão em voga e muito propalada foi durante o Fórum. Na tenda gigante, uma eletrónica gargalhada ecoou. Ficou claro que o autarca em questão não está sintonizado com as ações locais, nem tão pouco anda a acompanhar as agendas globais. É que os tais Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) fazem parte da ementa do dia-a-dia da Agenda 2030.

Para fazer as honras da casa, na sessão de encerramento do Fórum, o Primeiro-Ministro disse palavras que o seu antecessor deveria ter escutado. Ulisses Correia e Silva pareceu sincero quando assegurou que, era ainda Presidente da Câmara Municipal da Praia, quando teve a oportunidade de defender a candidatura de Cabo Verde para acolher este IV Fórum, não obstante a proposta ter sido apresentada pelo anterior Governo do PAICV. «Cabo Verde em primeiro lugar», disse! Foi demais. Superou um tal post de facebook de JMN.

Recorda-se que, dias antes, José Maria Neves, o próprio, que também chegou a ser Presidente de Câmara e foi Primeiro-Ministro, ter reivindicado a paternidade deste evento com o seguinte desabafo: «Em 2015, quando o Governo decidiu a candidatura do país para sediar o IV Fórum, foram estabelecidos como objetivos a promoção da imagem de um Cabo Verde democrático, moderno, cosmopolita e competitivo e orientado para o desenvolvimento sustentável, no horizonte de 2030. Trata-se de uma oportunidade ímpar para a partilha de ideias sobre o reforço do poder local, a boa governança local, a competitividade e o crescimento das diferentes regiões e os mecanismos inovadores de financiamento do desenvolvimento regional e local. Num país arquipélago que nem Cabo Verde, o desenvolvimento económico local é essencial para a prosperidade e a criação de oportunidades para todos. Outrossim, deve-se destacar o impacto desse evento de âmbito mundial no crescimento do turismo de conferências, um nicho no qual o país deve apostar com visão, estratégias e capacidade de execução. Bem-haja, pois, o IV Fórum de Desenvolvimento Económico Local.»

JMN deixou claro que foi o Governo dele a apresentar a candidatura do país para sediar o IV Fórum. É como dizer que «antes de mim nenhum deus se formou, nem haverá algum depois de mim.» Ora essa! Haja espírito!

Como se tivesse escutado ecos do facebookiano post do seu antecessor, o PrimeiroMinistro Ulisses Correia e Silva assumiu que Cabo Verde atingirá os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, rematando que «a primeira condição para vencermos esses objetivos é ter desprendimento relativamente a ciclos de poder e ter todo o compromisso com ciclos de desenvolvimento.»

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 830 de 25 de Outubro de 2017. 

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Autoria:Eurídice Monteiro,1 nov 2017 6:46

Editado porPaulo Querido  em  3 nov 2017 18:16

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